São Fco.

São Fco.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Texto de Eugenio Aragão que "pesquei" do Conversa Afiada"

Em 23 de fevereiro de 1981, o tenente-coronel Antonio Tejero Molina, da Guarda Civil espanhola, invadiu, com uma tropa de 200 homens, o Congresso dos Deputados das Cortes, em Madri, ao tempo em que era juramentado o primeiro-ministro Leopoldo Calvo Sotelo. Exigiam os revoltados a constituição de um governo de salvação nacional sob o comando do General Alfonso Armada. Tratava-se de tentativa de restauração do regime franquista e de abortar o recém inaugurado processo de democratização do país. A revolta foi sufocada e Tejero Molina, juntamente com seus homens presos, expulsos da Guarda Nacional e condenados a longas penas de reclusão.

Em 16 de novembro de 2016, um grupo de fascistas celerados invade o plenário da Câmara dos Deputados em Brasília para exigir o retorno da ditadura militar. Agridem agentes da polícia legislativa, quebram a porta de vidro do recinto, sobem com seus sapatos sobre a mesa da presidência e arrancam o pavilhão nacional de seu mastro para pisoteá-lo. Interrompem com sua algazarra a sessão do legislativo, ameaçam os presentes, tudo sob os olhares contemplativos da segurança e do presidente da Casa, Waldir Maranhão, que parece mais surpreso do que indignado. Controlada a baderna, os invasores são detidos, não sem tentativa de alguns deputados da direita política de passar panos quentes. Resolve-se tomar o depoimento de todos e permitir-lhes o tranquilo regresso a seus lares, como se o acontecido fosse um irrelevante incidente, merecedor apenas de jocosos comentários da mídia local.

Essa diferença de tratamento entre os revoltados espanhóis e os celerados brasileiros traduz bem o grau de decomposição das instituições nacionais depois do deprimente espetáculo do 17 de abril do ano corrente, quando a casa baixa do parlamento pátrio resolveu acatar pedido de instauração de processo de impedimento da Senhora Presidenta da República Dilma Rousseff, num grande carnaval de um desqualificado baixo clero de mandatários, sob a batuta mesquinha de Eduardo Cunha, hoje preso para garantia da ordem pública, acusado de milionário desvio e apropriação de recursos públicos.

Na Espanha, as instituições funcionaram e o país pode celebrar já mais de 40 anos de restauração da democracia. No Brasil, as instituições não se fazem respeitar e, depois de incipiente tentativa de construção de uma democracia inclusiva, o país afunda no caos planejado por quem não aceitou o resultado das eleições presidenciais de 2014.

No mesmo dia 16 de novembro de 2016, assistimos atônitos a um pai assassinar seu filho por ter este participado de protestos estudantis de ocupação de escolas; a um ministro da Corte Suprema faltar ao decoro ao destratar publicamente seu par e a um carro oficial com senadores a bordo atropelar manifestantes que bloqueavam seu caminho ao Palácio da Alvorada. Lá o Sr. Michel Temer recebia, com banquete custeado pelos contribuintes, parlamentares de sua base de apoio (aqueles mesmos que rasgaram os votos de 54 milhões de brasileiros), para garantir a aprovação de emenda constitucional que condenará o Brasil ao desinvestimento público para os próximos vinte anos, sem prejuízo à manutenção plena dos lucros dos rentistas da dívida pública.

Este é nosso terrível estado da arte. A ousadia inconsequente dos reacionários e inimigos da democracia não tem fim. A cada dia um golpe dentro do golpe, direitos desconstruídos, violência política desatada, a alimentar a desesperança dos democratas, enquanto os celerados dançam em volta da fogueira com a cabeça sangrenta da democracia num tabuleiro, feitos Salomé, filha de Herodias, com a cabeça de São João.

Até quando vamos tolerar essa degradação de nossas instituições? Nenhuma parece se salvar. Nas ruas, a violência da intolerância política se torna senso comum. O entusiasmo irrefletido de pessoas obnubiladas pelo discurso de ódio e iludidas com populismo dos órgãos de persecução penal festeja a ruptura constitucional e se esbalda com a exibição pornográfica de políticos e empresários presos para o gáudio da "opinião pública". Trata-se de estratégia bem estudada de semear a infelicidade dos amantes brasileiros da liberdade e torná-los estáticos, incapazes de reagir.

O fascismo se alimenta do desespero e do ódio. É essencialmente perverso. Irriga cérebros com adrenalina a bloquear a capacidade de discernimento dos humanos. Onde endorfinas e serotonina conseguem empurrá-la, para distribuir felicidade em nossas mentes, o fascismo não tem lugar. Por isso, temos que resistir ao derrotismo. Resistir sempre. A luta por dias melhores e o amanhã de nossos filhos e netos só está começando.

Precisamos nos tornar mais dialógicos, conquistar corações e mentes ainda perturbadas pela intensa campanha de desesperança e de descrença na resiliência de nossa democracia. Exijamos o cumprimento da constituição e das leis contra os que a maltratam, sejam eles parlamentares, juízes, procuradores ou gestores. Não aceitemos o esgarçamento de nosso tecido institucional e cobremos respeito pela liturgia dos cargos públicos. Façamos que nem nossos jovens, que nos enchem de esperança ao se contraporem à destruição do sistema educacional: não podemos dar trégua.

O Brasil merece o respeito às instituições e o repudio àqueles que as querem transformar em tabernas ou lupanares. Quanto às autoridades, como tais só podem ser tratadas, quando prestigiam o lugar que lhes é confiado pelo povo. Quando o desmerecem, perdem sua condição e se equiparam a moleques em turba rueira. É bom que disso se lembrem, pois o destino daqueles que desafiam a democracia, num estado civilizatório pleno, não pode ser diferente daquele que os espanhóis deram ao tenente-coronel Antonio Tejero Molina.
Eugenio Aragão, ex-ministro da Justiça

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Me gustan los estudiantes (Mercedes Sosa)

Que vivan los estudiantes
Jardín de nuestra alegría
Son aves que no se asustan
De animal ni policía
Y no le asustan las balas
Ni el ladrar de la jauría
Caramba y zamba la cosa
¡Qué viva la astronomía!
Me gustan los estudiantes
Que rugen como los vientos
Cuando les meten al oído
Sotanas y regimientos
Pajarillos libertarios
Igual que los elementos
Caramba y zamba la cosa
Qué viva lo experimento
Me gustan los estudiantes
Porque levantan el pecho
Cuando les dicen harina
Sabiéndose que es afrecho
Y no hacen el sordomudo
Cuando se presente el hecho
Caramba y zamba la cosa
¡El código del derecho!
Me gustan los estudiantes
Porque son la levadura
Del pan que saldrá del horno
Con toda su sabrosura
Para la boca del pobre
Que come con amargura
Caramba y zamba la cosa
¡Viva la literatura!
Me gustan los estudiantes
Que marchan sobre las ruinas
Con las banderas en alto
Pa? toda la estudiantina
Son químicos y doctores
Cirujanos y dentistas
Caramba y zamba la cosa
¡Vivan los especialistas!
Me gustan los estudiantes
Que con muy clara elocuencia
A la bolsa negra sacra
Le bajó las indulgencias
Porque, hasta cuándo nos dura
Señores, la penitencia
Caramba y zamba la cosa
Qué viva toda la ciencia!
Caramba y zamba la cosa
¡Qué viva toda la ciencia!

terça-feira, 27 de setembro de 2016

O peão que virou Rainha


Em análises políticas, não é incomum vermos o velho jogo de xadrez ser utilizado como figura de referência para ilustrar as estratégias envolvidas no jogo político. No contexto atual do golpe e pós-golpe o jornalista Luis Nassif passou mesmo a denominar todas as suas análises (muito boas, por sinal) como "xadrez da lavajato", "xadrez disso, daquilo", etc.

A decisão do TRF4 que deu carta branca ao juiz lavajato, na semana passada, escancarou algo que toda a comunidade jurídica já percebia, mas da qual ainda não havia sido passado um recibo tão altissonante.

É que a todos que observam o desenrolar dos fatos desde a instalação da operação "Lavajato", em especial a desenvoltura e o superpoder de fato instalado em juízo de primeira instância em Curitiba, a todos espanta que justamente um juiz de primeira instância (repetição intencional) tenha podido livremente funcionar como um catalisador da crise política que se tornou institucional ao ponto de derrubar uma presidente da República.

Aqui podemos buscar no xadrez o motivo e a explicação da estupefação da comunidade jurídica e política com o poder de fato adquirido pelo juiz lavajato, um juiz de primeira instância, o equivalente a um peão no jogo de xadrez (pois o Judiciário é Poder hierárquico, com instâncias superiores de revisão que prevalecem sobre a decisão do juiz da base do sistema).

O xadrez é jogo de pura estratégia, todos sabem, onde a sorte tem nenhuma incidência, daí talvez o fascínio que gera em muitos. O que poucos sabem é que o peão, peça de menor valor e poder ofensivo, pode, de acordo com as regras do jogo, ser transmutado em qualquer outra peça de maior valor se e quando, normalmente nos finais de jogo, logra atingir a oitava casa do tabuleiro. Ou seja, um mero peão, chegando à oitava casa, poderá ser convertido em uma rainha, a peça de maior poder ofensivo do jogo de xadrez.

Mas quem joga sabe que, para o peão chegar na oitava casa, alguém tem que ter deixado isso acontecer. Em várias etapas desta operação que corrói o estado de direito no Brasil, o peão de Curitiba foi testando seu avanço. Percebendo que não seria incomodado pra valer (a reclamação em que Teori anulou a escuta e divulgação do áudio "tchau querida", de 16 de março, sem tomar qualquer medida efetiva contra o juiz responsável bem exemplifica isso), de casa em casa chegou ao final do tabuleiro. A decisão do TRF4, na semana passada, tristemente representa a transmutação do peão em rainha na oitava casa, com os desembargadores autorizando o juiz paranaense a criar na prática a sua legislação para a sua ação.

Que a autorização tenha se fundado em Agambem e suas reflexões sobre o estado de exceção (em modo reverso, que vergonha alheia) apenas edulcorou o momento solene com as tintas da brutalidade e da infâmia.

Quem quiser saber como o peão se tornou rainha no golpe de 2016 é só se dirigir ao TRF4 em primeiro lugar, mas de maneira definitiva ao Supremo Tribunal Federal, que coonestou institucionalmente toda esta disfuncionalidade letal para a democracia brasileira.

No xadrez, ao final de cada partida, os jogadores reposicionam as peças para o novo jogo que virá. É o momento em que o peão volta a ser a peça modesta e pouco decisiva em comparação com as demais. Tenho a impressão de que neste ponto cessa o paralelo entre a política e o xadrez: não será tão fácil recolocar os peões no seu devido lugar.

Soltaram o monstro porque ele era útil para caçar o inimigo. Quanto nos custará colocar o mostro na jaula de novo?

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Conseguiram!

* foto de péssimo gosto publicada pela folha de São Paulo ainda no primeiro mandato. Nossos meios de comunicação de maior abrangência nunca esconderam em seu discurso direto ou subliminar sua posição em relação ao governo petista e seus principais líderes, Lula e Dilma. Sobre Lula há uma manchete de tão péssimo gosto como esta fotografia, na mesma Folha: "Lula está com câncer, MAS tem cura". Nunca vou esquecer...

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Melancólico fim do ciclo do petismo no poder federal

Lendo os jornais de hoje, a notícia que mais me chama a atenção - por seu teor decisivo - é a rejeição da direção nacional do PT em apoiar a proposta de Dilma Rousseff de realizar um plebiscito caso volte ao governo. Se o próprio partido da presidente afastada age assim, a sinalização mais do que clara é de que Dilma já foi descartada até mesmo por seu próprio partido.

O plebiscito era sim uma boa ideia. O processo de exclusão do PT do governo federal foi um processo complexo, que envolveu uma articulação entre a mídia dominante, o MPF e setores importantes do Poder Judiciário. Este processo por enquanto está a entronizar Michel Temer na presidência da República, mas é evidente que a divisão do butim levará os "unidos contra o PT" à divisão dentro de suas fileiras. Não está assim tão longe do horizonte de possibilidades uma rasteira em Temer para a eleição indireta, ano que vem, de alguém mais consistente na defesa dos interesses deste processo político (cujos interesses de fundo são tão claros).

O plebiscito teria sido uma movimentação no sentido de fortalecer a soberania popular e inseriria um fator inovador no processo que transcorreu tão suavemente para os golpistas. Dilma estar do outro lado do tabuleiro favoreceu muito aos que a queriam fora do Planalto. Ela tem uma visão burocrática do exercício do poder, faltando-lhe o tirocínio para os tempos de tormenta. À Dilma falta a completa noção da importância do tempo na política, noção que não faltou aos seus algozes no Judiciário e no MP (exemplo maior, dentre tantos, foi a suspensão de Eduardo Cunha no tempo "certo").

Mas o plebiscito sugerido agora  já não faz o menor sentido. Neste processo, grande decepção vem também do partido de Dilma, o PT. O PT, a grande construção política do processo de redemocratização, vem demonstrando uma visão política muito aquém dos desafios a que foi submetido. De partido orgânico e complexo que era na fundação, sua experiência no poder só parece ter-lhe feito muito mal. Esta desautorização pública de Dilma evidencia sua (do PT) visão míope de todo o processo, pois está repetindo a posição de muitos que, em 1964, acreditaram que a ruptura institucional somente prejudicaria Jango, aumentando as possibilidades de êxito de cada um para a eleição de 1965.

O PT não parece trabalhar com a hipótese de repetir-se 1965, ou seja, de que as eleições de 2018 possam (1) ser efetivamente suspensas ou, mais provável nos tempos atuais, (2) possam ser realizadas em moldes adulterados sob medida para o não retorno da esquerda ao poder (vejam agora as regras eleitorais que impedem os candidatos de partidos pequenos de participarem de debates. Todos sabem e o STF já sinalizou positivamente: basta aprovar o semipresidencialismo). Descrendo da ferocidade do golpe e supervalorizando (mitificando) sua principal liderança - Lula - o partido caminha com suas próprias pernas para a irrelevância política. Não precisava ser assim.

É tão difícil assim para a liderança do PT compreender que quem promove um processo antidemocrático destas proporções e consequências não o terá feito para logo ali na frente devolver o poder novamente à esquerda?

O que mais me choca é a paralisia que a liderança de esquerda petista produziu no seu campo político em todos estes anos. Um grande contingente da população brasileira poderia ter sido inserido como peça importante neste processo político, mas a liderança do governo, Dilma, mas também Lula e o PT, em suas ações somente produziram inação e perplexidade.

As consequências já se fazem sentir: um imenso retrocesso que atingirá toda a sociedade que começava a dar seus primeiros passos num caminho de inclusão e igualdade social.


segunda-feira, 4 de julho de 2016

Texto excelente de Mauro Santayanna sobre o momento pelo qual passamos

Na última semana, juízes e procuradores de São Paulo, declararam-se “perplexos”, e manifestaram-se contra a decisão da Suprema Corte, por meio do Ministro Dias Toffoli, de mandar soltar Paulo Bernardo, detido em Brasília, diante de seus filhos, em um apartamento pertencente ao Senado Federal, em espetaculosa ação da Polícia Federal que contou com a participação de numerosos homens e até mesmo de um helicóptero, como se o ex-ministro fosse um perigoso traficante de drogas, uma espécie de Pablo Escobar, entrincheirado em uma inexpugnável fortaleza no deserto, na fronteira sul dos EUA.
Têm os nobres procuradores todo o direito de ficarem perplexos com a decisão do Ministro Toffoli.
Como têm os cidadãos brasileiros - pelo menos aqueles que não fazem parte da manada psicótica manipulada por parte da mídia desde 2013 - o direito de, por sua vez, ficarem perplexos com a “perplexidade” dos procuradores, diante da clareza cristalina do que afirma a lei nesta República, a propósito das garantias aos direitos individuais, da presunção de inocência e do mais amplo direito de defesa que devem proteger o cidadão frente ao sistema e ao Estado, sempre que seu poder for distorcido ou exacerbado.
Nunca é demais lembrar, reza a Constituição Federal, no Artigo 5:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
LVII- ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”;
E o Código Penal:
“Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Nos últimos tempos, têm se estirado e retorcido, como se fossem de látex, os princípios da lesividade; da materialidade; da culpabilidade; da velha e justa premissa “in dubio pro reo”; da jurisdicionalidade; do princípio acusatório; do princípio do encargo da prova - é à acusação que cabe provar a responsabilidade criminal do suspeito; e o do contraditório.
A prisão do ex-ministro Paulo Bernardo, da forma como foi executada, é mais um indício, sutil como um elefante, de o país em que estamos nos transformando, e dos riscos que corre, no Brasil de hoje, a Democracia.
É da natureza humana a extraordinária sede de poder daqueles que têm algum poder.
E é por isso que a distorção e a desobediência ao espírito da Lei precisam ser combatidas, principalmente quando cometidas por agentes do Estado, porque depois, com o passar do tempo, elas se tornam mais intensas e profundas e não podem mais ser controladas.
Uma coisa é o combate real à corrupção.
Outra, o discurso por trás dele, que, na maioria das vezes, ao contrário do que pensa a maioria, não é usado apenas pelos mocinhos, mas principalmente pelos bandidos.
Pinochet, Suharto, Salazar, entre muitíssimos outros, e, principalmente, Mussolini e Hitler, dele fizeram sua bandeira e seu diabólico e demagógico ariete contra a Democracia, usando-o para abrir caminho para o poder, e para implantar em seus países e mais tarde em toda a Europa ocupada um regime de terror assassino e demente, responsável pela prisão, a tortura e o genocídio de dezenas de milhões de pessoas.
Nem serve, como muitos o vêm também, de panaceia para nada.
A Itália, terra da Operação Mãos Limpas, continua tão ou mais corrupta - ou corruptível - como antes, como se pode ver pelos mais recentes escândalos envolvendo a Velha Bota, e mesmo na China comunista - onde é punida quase que sumariamente com a morte - a corrupção continua existindo, porque o que muda uma Nação não são operações jurídico-policiais, em si, mas alterações e aperfeiçoamentos reais no sistema político.
O Inferno - como o próprio demônio vive repetindo, satisfeito - está cheio de boas intenções.
O discurso de combate à corrupção não pode, como está ocorrendo no Brasil, se sobrepor ao desenvolvimento nacional, aos Três Poderes e às instituições.
Ele não pode estar acima da Democracia, que é, por natureza, tão diversa quanto problemática - já que reflete, como ocorre em qualquer país do mundo, os problemas e defeitos de toda a sociedade - mas que representa ainda o melhor regime encontrado nos últimos 2.500 anos para regular a vida das nações, dos estados, das comunidades e dirimir as diferenças dos variados grupos sociais.
Nem pode se arvorar em juiz do regime político vigente, ou do sistema de presidencialismo de coalizão, já que esse tipo de prerrogativa é atributo exclusivo do Legislativo - eleito pelo voto soberano de dezenas de milhões de brasileiros - e não de juízes de primeira instância, nem de policiais federais, nem de procuradores, que não tem função de mando nem de comando, e são - com todo o respeito que mereçam pelo seu trabalho - meros servidores do Estado.
Se tem gente, nessas instituições, que acha que ao passar em concurso, foi escolhido pelo destino para “consertar” o país - os nazistas pensavam o mesmo sobre a República de Weimar - eles devem afastar-se de suas respectivas carreiras e disputar, no voto, uma cadeira na Câmara ou no Senado, ou em uma Assembleia Nacional Constituinte.
E parar de acreditar que vão fazer isso prendendo a torto e a direito, sem nenhum respeito pela Lei e a Constituição, políticos e empresários, com base em ilações forçadas e em delações “premiadas” dignas da Alemanha Nazista ou da União Soviética de Stalin.
Principalmente, quando eles mesmos não são perfeitos - é preciso lembrar que não existe corporação nenhuma que o seja, em nenhum lugar do mundo - como demonstram:
a) - A prisão de dois adolescentes, separadamente, em duas cidades do interior de São Paulo, por terem “ousado” - apoiando-se no direito de expressão, um dos princípios basilares da Constituição Federal - criticar a polícia em comentários nas redes sociais.
b) - Os mais de 70 juízes "condenados" a bem do serviço público, a continuar recebendo integralmente altíssimos proventos depois de "aposentados",
c) - As dezenas de processos movidos por juízes e procuradores do Ministério Público, contra o jornal Gazeta do Povo, do Estado do Paraná - estado onde fica a "República de Curitiba" - por este ter denunciado, publicando documentos comprobatórios, que os proventos das duas classes passaram de 550.000 reais per capita no ano passado, muito acima, portanto, do teto legal correspondente ao salário de Presidente da República.
Processos criticados pela ministra Carmem Lúcia e suspensos por decisão da Ministra Rosa Weber, há poucos dias, em outra medida extremamente louvável do STF, voltada para o restabelecimento de um mínimo de bom-senso e de respeito à legalidade no universo jurídico nacional.
Está se produzindo no Brasil uma espécie de macarthismo tupiniquim que - ao contrário também do que pensam muitos - será, como ocorreu nos EUA, duramente condenado pela História.
Cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir se seus membros agirão com coragem e dignidade, como guardiões da Lei e da Constituição, nesta desafiadora fase da vida nacional, ou se, por pressão de parte da mídia e da massa ignorante e intolerante que ela manipula, acabarão cedendo e aceitando tornar-se silenciosos cúmplices de uma tragédia anunciada, que não se encerrará agora, e que, pelo contrário, poderá se aprofundar com a entrega do país ao fascismo nas eleições presidenciais de 2018.
Estamos agindo como se o pseudo combate à corrupção - no caso, uma doutrina jurídica que solta corruptos ou os “condena” a passar um ou dois anos em nababescas mansões - e pune homens públicos sem sinais de enriquecimento ilícito ou contas na Suíça a pesadas penas de prisão por atos de natureza político-partidária-eleitoral, não trouxesse, para o país, pesados danos colaterais, ou fosse, de per si, o mais alto objetivo nacional neste momento, justificando, direta, indireta, kafkianamente, todo tipo de ilegalidade e despautério.
Algumas das maiores empresas do Brasil, de todos os matizes e áreas de atuação, são invadidas por membros das forças de segurança praticamente a cada novo dia, prejudicando seu crédito, seu valor, seus acionistas, os seus trabalhadores e suas famílias - demitidos às dezenas de milhares - seus mercados, sua credibilidade externa, seus projetos - que são interrompidos - e centenas de pequenos e médios fornecedores que as atendem, que também passam a quebrar e a cortar funcionários em nefasta reação em cadeia.
Gigantescos projetos, de refinarias, plataformas de petróleo, complexos petroquímicos, irrigação e saneamento, navios, ferrovias, rodovias, energia, defesa - que não eram executados nessa dimensão e amplitude há décadas - são embargados judicialmente ou atrasados indefinidamente, seguindo o curioso raciocínio de que, para tentar achar, em uma obra, 2 ou 3% de suposta propina - o dinheiro arrecadado até agora em recuperação de desvios é pífio, por isso se recorre a “multas” para justificar o seguimento dos processos - não interessa se os outros 97% forem transformados em sucata, provocando bilhões e bilhões de dólares em prejuízo, ou se no final serão lançados, na prática, técnica, empresarial, e estrategicamente, no lixo.
O programa do submarino atômico brasileiro está sendo investigado, o almirante responsável pelo bem sucedido programa nacional de enriquecimento de urânio foi preso, o controlador da empresa responsável pela construção do míssil A-Darter da Aeronautica encontra-se detido.
Essa situação está abrindo caminho para a entrega da indústria bélica brasileira a controladores estrangeiros, depois de anos de esforço da iniciativa privada e das Forças Armadas, para evitar que isso ocorresse.
É preciso não esquecer, nunca, que a criminalização da política - com a desculpa de se dar combate à corrupção e o recurso a um anticomunismo hidrofóbico, anacrônico, psicótico e obtuso - é a pedra fundamental dos governos totalitários.
No Brasil, essa combinação nefasta levou ao fim da Democracia; a várias tentativas de derrubar Juscelino Kubitschek, de inviabilizar Brasília, os programas de industrialização e modernização do país, de energia e transporte; e ao suicídio, com um tiro no peito, do Presidente Getúlio Vargas.
Carlos Lacerda, apelidado de "O Corvo", símbolo e quintessência do golpismo hipócrita, canalha, entreguista e mau caráter, dizia de JK, em uma frase digna de um manual da CIA à época da Guerra Fria, que tornou-se uma espécie de roteiro estratégico dos golpistas latino-americanos: "esse homem não pode ser candidato. Se for candidato, não pode ser eleito para a Presidência da República. Se for eleito, não podemos permitir que governe, e se governar, ele tem que ser derrubado".
Os “políticos”, como chamados, genericamente, pela massa conservadora que os despreza e odeia - com todos os seus defeitos, que espelham a formação, limitações e idiossincrasias de seus eleitores - estão longe de ser perfeitos.
E isso não ocorre apenas aqui, mas em todas as nações democráticas do mundo.
Mas é a eles que pertencem os votos.
Votos que, não interessa a quem sejam dirigidos, se escudam no sagrado artigo primeiro da Constuição Federal, que reza que “todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido”.
É esse poder que deve ser respeitado e obedecido, acima de todos os outros, que dele derivam, como base e introito da Constituição, da República, da Lei, da Democracia e da Liberdade.
Há quem tenha se habituado, nos últimos tempos, a tratar o voto como se este fosse um aspecto secundário da vida política nacional, que pode ser questionado, desrespeitado, relevado ou contornado, com base em ações de um ou outro segmento do Estado ou da opinião pública.
A atual caça às bruxas deriva da íntima convicção que têm setores do Ministério Público, da Polícia Federal e da Magistratura - não todos, graças a Deus - de que foram indiretamente escolhidos por Ele, por meio de concurso, para consertar o país, punir e exemplar a “classe” política, e corrigir distorções eventualmente criadas pelo voto “equivocado” - que na verdade é direto e soberano - de milhões de cidadãos brasileiros.
Trata-se de temerário e perigoso engano.
O papel da Polícia, do Judiciário, do Ministério Público, é fazer cumprir a lei, e, para isso, é preciso obedecê-la, primeiro, de forma plena, rigorosa e respeitosa.
E o papel de julgar, moralmente, seus representantes, é do povo brasileiro - por meio da urna - e não de instituições que estão ali para ser igualmente julgadas pelo povo e para servir à população que paga, com seus impostos, seus salários.
Nesse aspecto manda mais o eleitor do que o Juiz, o Policial, o Procurador.
Já que é preciso entender e reconhecer o fato, cristalino, de que trabalhar para o cumprimento da Lei não coloca ninguém acima da própria.
E que é necessário compreender que o exemplo tem que partir dos servidores do Estado, que a ela devem a mais estrita obediência e observância dos grandes princípios que a norteiam.
No Brasil de hoje, parece que nos esquecemos de tudo isso.
Como nos piores regimes autoritários, instalou-se, na parte mais intolerante e ignorante da população e em certos setores do Estado, um clima de desatado linchamento que justifica e promove a prisão de brasileiros sem nenhuma prova, na maioria das vezes apenas com base em delações e ilações, e joga-se a chave da cela fora até que o cidadão, abandonado praticamente à própria sorte, invente uma história qualquer para delatar o próximo da fila, igualmente sem provas, para reaver alguma perspectiva de liberdade.
Nessa situação absurda e surreal, que só chegou onde chegou porque não foi corrigida, controlada, desde o início, e deixou-se correr solto o processo de formação de um consenso jurídica e constitucionalmente insustentável, por meio do estabelecimento de um comportamento de boiada em alguns segmentos da opinião pública, que, entre outras coisas, insultam, ameaçam, impune e permanentemente, todos os dias, juízes do STF e a própria instituição, nos portais e redes sociais.
Pretende-se impor, na base da pressão intensa e diuturna dessa parte da população - da qual fazem parte grupos nada “espontâneos” - a vontade de juízes de primeira instância, procuradores e policiais, não apenas ao Supremo Tribunal Federal, mas também ao Congresso Nacional e ao Executivo, como se o poder de que dispõem para fazer o que estão fazendo fluísse de fonte própria, e não do próprio Legislativo, que tem a prerrogativa, garantida por milhões de votos, de organizar-se a qualquer momento - nesse caso, com imprescindível urgência - para votar e alterar leis que tolham eventuais excessos e arbitrariedades, permitindo a correção da perigosa rota que estão tomando os rumos nacionais.
Os juízes têm que parar de decidir por pressão da mídia e dos internautas que habitam o espaço de comentários dos portais e redes sociais - internautas que acham que podem obrigar o país a fazer o que lhes dê na telha - e de promover o espetáculo e a evidência para, ao buscar a aceitação e a admiração dessa minoria - porque de minoria se trata, não haja dúvida, como vemos nas últimas pesquisas - alimentar o seu ego e sua vaidade, e, em última instância, suas eventuais pretensões políticas ou eleitorais.
Se os juízes e procuradores quiserem alterar o texto da lei, ou fazer política, devem recolher-se a seu papel constitucional, e preparar-se, com todos os ônus dessa decisão, para candidatar-se, no momento certo, como representantes.
Até lá, só lhes resta aceitar e acatar as decisões do Supremo Tribunal Federal e do próprio Congresso Nacional, que possui - com todos seus eventuais defeitos - poder para legislar do modo que bem lhe aprouver.
E ao Supremo Tribunal Federal, continuar trabalhando, paulatinamente - mas com firmeza cada vez maior - frente à Nação e à História, no fortalecimento de suas prerrogativas e autoridade, que estão sendo desafiadas constantemente por ameaças e pressões de todo tipo.
Restaurando plenamente o Império da Lei e do Estado de Direito, para fazer cumprir, de forma clara, transparente, incontestável, o que está escrito na Constituição da República.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

O golpe de Estado, 52 anos depois.






O livro acima está sendo lançado em todo Brasil.

Livro escrito por dezenas de pessoas, professores, intelectuais, juristas, filósofos, políticos etc., seu ethos é o de se configurar em ação política coletiva de denúncia: sofremos um golpe de Estado no Brasil em 2016!

Já era golpe quando, logo após a publicação dos resultados da eleição em 2014, com apertada mas incontestável vitória de Dilma Rousseff, a oposição enveredou em divulgar que (1) queria recontagem dos votos; (2) impugnaria a chapa vencedora no TSE e (3) Dilma sofreria impeachment.

Seria um golpe envernizado, no matiz paraguaio, "dentro da lei". Hoje vemos que a opção que vingou foi a do impeachment, já que os golpistas conseguiram cooptar o medíocre e vaidoso Michel Temer, autointitulado em uma ridícula cartinha enviada a Dilma no final do ano passado: "vice decorativo".

Temer é daqueles homens sem miolo, sem estofo intelectual, um perpétuo oportunista em busca de pôneis encilhados a serem montados conforme a ocasião. Diante da ameaça de perecer com Dilma no julgamento da chapa vencedora nas urnas no TSE comandado por Gilmar Mendes, que ficou como segunda opção (ainda pode ser usada, bem entendido), montou gostosamente no maior cavalo encilhado que passou à sua frente; ele, um deputado de menos de cem mil votos alçado à Presidência da República.

E o impeachment ficou golpe, porque no dia 17 de abril e nos atos posteriores praticados pelo Senado, evidenciou-se que foi utilizado como instrumento ad hoc para dar o voto de desconfiança em Dilma Rousseff, elegendo no mesmo ato o traidor Temer. Acontece que tem um probleminha só aí no meio disso tudo, o pequeno detalhe de que não somos um regime parlamentarista, portanto, mesmo que o governo tenha elevados índices de rejeição junto à população e não granjeie apoio no mundo político dos eleitos formalmente, a destituição precoce do chefe do Executivo não consta do rol de possibilidades insculpidas na Constituição da República Federativa do Brasil. Salvo em caso de cometimento de crime de responsabilidade, o que não é o caso.

Mas, quem se importa? Golpe era, foi e será. Porque já foi dado, mas tal como em 1964, ainda não gerou todos os seus desdobramentos.

(A posse do presidente constitucionalista evidenciou o golpe. A começar pela atuação como se sua posse não tivesse o caráter precário da interinidade. Foram tantas as aberrações, mas duas foram escandalosas: no campo das nomeações, José Serra no Itamaraty e Alexandre de Moraes no MJ são fatos que falam por si. No campo das instituições, o desmonte da CGU foi um requinte de perversidade para gozar os inocentes úteis (sempre os há) que apostaram que este processo tinha algo a ver com o combate (necessário e permanente) à corrupção.)

O futuro ainda nos reservará medidas mais incisivas de consolidação do processo de escanteização da esquerda brasileira. Há um roteiro bem delineado à nossa frente, daqueles de paralisar jurista que acredita na razão jurídica (não é meu caso felizmente), apenas esperando o desenrolar dos fatos no tempo certo (tempo que vem sendo marcado pela seção rítmica do golpe, esta situada em Curitiba: na bateria Sergio Moro e no contrabaixo o MP e a PF "autônoma" sic).

Vou chutar, porque as coisas parecem meio óbvias: Temer fica mais um pouco. No ano que vem, ele estará já inviabilizado (é só escolher um rolo dele, dos muitos que a imprensa já publicou) e um presidente será eleito pelo Congresso (não sei porque, mas o Nelson Jobim não me sai da cabeça).

Esse povo que não brinca em serviço sabe que há uma linda maneira de manter a esquerda longe do timão pelas próximas décadas, sem sujar as mãos de sangue. É só aprovar o parlamentarismo ou algo que o valha, pois é só ver os mapas eleitorais e perceber que o maior partido de esquerda, mesmo no seu auge, nunca fez mais que 90 deputados em 513, logo, nunca formaria governo num sistema em que o governo seja constituído a partir do Parlamento. O problema disso? Legitimidade. Fizemos apenas três consultas nacionais até hoje em nosso país e dois deles foram sobre o tipo de governo. o povo sempre escolheu Presidencialismo. Ora, ora, que tolice. Quem liga pra legitimidade no meio de um golpe bem sucedido, cheiroso e tudo?

Há quem possa dizer estar eu pessimista. Tudo o que vejo está conectado com o fato de que, à esquerda, ninguém de fato se levanta contra este processo todo. Estamos como que sob o efeito de um gás paralisante, que inicialmente nos paralisava a partir das idiossincrasias da liderança maior do processo, uma mulher honesta e bem intencionada, mas pouco talhada para o desafio político jogado diante dela pela História.

Dilma representou o papel do "galo bom", na piada em que o apostador vê frustrada sua aposta por botar seu dinheiro no galo que lhe disseram bom contra o galo ruim (portanto malvado); piadinha singela que resume parte decisiva do pensamento do antigo pensador florentino.

Descartada Dilma (ela mesma disse antes da votação na Câmara que seria então "carta fora do baralho), resta um PT que não conseguiu até hoje renovar suas lideranças e desvencilhar-se do abraço de polvo que o sistema de justiça lhe dá desde 2005, uma vítima imobilizada por uma hipertrofia do "jurídico" sobre o político, hoje ao ponto quase da asfixia fatal.

Paralisia que atinge a liderança, bem entendido. Este livro bem o comprova. Um grande contingente aguarda ansioso que a liderança rompa com os oito tentáculos e faça política em sua plenitude (que não se resume à política eleitoral), única forma de vislumbrar uma saída à esquerda deste traumático processo. A ver.

quarta-feira, 15 de junho de 2016






Saiu o livro sobre o positivismo jurídico de Kelsen e Bobbio.
Ele é fruto de seminário organizado pelos colegas professores Cecilia Caballero Lois (FND) e Gustavo Siqueira (UERJ). Agradeço o convite para colaborar com este projeto.

O livro ficou ótimo, com o registro das reflexões de expoentes da teoria do direito do Brasil, da Argentina e Itália.

Minha contribuição é uma reflexão sobre o lugar da democracia e do federalismo no contexto geral da visão kelseniana sobre o direito e seus fenômenos correlatos. Kelsen valorizou expressamente a democracia e o federalismo.

A versão pdf dele pode ser acessada gratuitamente. Basta o envio de um email para carlosspricigo@id.uff.br.

Boa leitura a todos!

terça-feira, 7 de junho de 2016

O esboroamento da política democrática

EStamos assistindo a um ataque direto ao arranjo político que governava o país desde 1988.

Hoje os jornais deram a bomba que suplantou todas as anteriores (se isso fosse possível): o PGR pediu a prisão de Sarney, Calheiros, Jucá e Cunha. Nada menos, neste rol, que o presidente da Câmara suspenso pelo STF e o Presidente do Senado e do Congresso Nacional!

O que pareceu, de início, um mero processo de fragilização definitiva do governo progressista liderado pelo PT, agora toma ares definitivos de fragilização da própria política democrática, na medida em que o PGR pretende encarcerar de forma abusiva ( a alegação seria a de solapamento da "sagrada" operação "lava-jato" em comentários sobre alterações legais do instituto da delação premiada) lideranças políticas de alto escalão da República vigente.

De ensaio em ensaio, claramente se delineia a possibilidade de prisão de todas as lideranças, dos mais diversos partidos, num evidente movimento que ultrapassa a mera ratio e o mero tempo do direito, indicando, isso sim, o desejo evidente de se alcançar o butim maior: o poder na República brasileira.

Instituições sem legitimidade conferida e reiterada pelo escrutínio das urnas avançam sobre as lideranças democráticas, num processo que arrasta gostosamente os adversários de uns e outros, mas faz avançar o inimigo comum da democracia mesma, tão duramente edificada em bases sempre tênues nestes últimos 30 anos.

Tempos sombrios se avizinham da política brasileira, com o governo dos gênios do concurso público associados aos manipuladores da verdade midiática.

Não merecíamos isso!

quarta-feira, 20 de abril de 2016

STF: Supremo Tergiversador Federal



Acabo de ouvir no rádio do carro que o STF adiou o julgamento de ação que trava há três semanas a nomeação do ex-presidente Lula como ministro da Casa Civil de Dilma Rousseff. Que surpresa! (ironia)

Deve ficar bem claro para todos que este golpe que Michel Temer e Eduardo Cunha protagonizam contra o governo do PT não teria acontecido tal como sucedeu se não houvesse uma participação decisiva do STF.

Em primeiro lugar com a demora em julgar o pedido de afastamento de Cunha da presidência da Câmara dos Deputados. Sua denúncia já foi aceita, mas o STF deu aval para que ele continuasse com toda força a condução da operação fora Dilma. Inaceitável!

Depois, com a não expugnação do impedimento indevido de Lula como ministro de Dilma. Foi um episódio que fragilizou muitíssimo a posição do governo no processo de derrubada de Dilma, e o dedo do STF ali está novamente.

Na semana passada, a recusa em fazer valer o regimento da CD foi novamente um momento de sinalização para os golpistas de que o STF estava mesmo lavando as mãos.

Tudo com fundamentos jurídicos. Tudo com manifestações empoladas e pretensiosas. Mas todos estamos assistindo a tudo e podemos novamente presenciar como o Judiciário se comporta nos momentos decisivos da vida política do país.

Não há nesta postura propriamente novidade. O que pode ser considerado especialmente perturbador é que oito dos onze ministros são indicações do governo de esquerda capitaneado pelo PT.

O STF está fazendo um ridículo papel. Não seria ele o Guardião da Constituição? O que ele faz quando a Constituição é rasgada em sua parte mais importante? Tergiversa. Lava as mãos sem a menor cerimônia.

Mudem a sigla doravante: Supremo Tergiversador Federal!

segunda-feira, 18 de abril de 2016

O impeachment de Dilma

17 de abril de 2016. Dia em que Eduardo Cunha e Michel Temer, vice-presidente eleito em 2014 em chapa com Dilma, atingiram importante etapa de seu objetivo de destituir a Presidente da República. Por ampla maioria superior aos 2/3 exigidos, a Câmara dos Deputados aprovou o relatório de Jovair Arantes, que por sua vez era favorável à abertura do processo de impeachment da presidente.

Para entender a traição política envolvida na operação, basta lembrar que Dilma só precisava de 172 votos a seu favor para afastar a ameaça. PT e PMDB, no que se demonstra a consistência política da chapa apresentada aos eleitores em outubro de 2014, somados praticamente atingiriam sozinhos este 1/3 salvador. Com outros partidos da base do governo, como PSD e PP, a margem seria folgada. Mas estes partidos, no governo até a véspera dos acontecimentos, desembarcaram e votaram alegremente contra a líder do governo que até então compunham. Uma fraude política completa. Quem ficou com Dilma ao final das contas foram os partidos da esquerda, evidenciando que o conflito tem raízes profundas e de compreensão acessível a uma análise de base racional: PT, PCdoB, PDT (com defecções) e PSOL (que sendo oposição à esquerda ao governo mostrou grandeza na hora fatal.

Eduardo Cunha foi uma peça decisiva até aqui. Um político habilidoso e sem escrúpulos, envolvido em inúmeras tramóias e processado no STF, mostrou uma disposição pouco vista em políticos de jogar um jogo arriscadíssimo para defender-se de muitas ameaças. É verdade que Cunha tem suas qualidades como articulador político, mas creio que aqui se trata mais de uma qualidade relativa: o nível dos políticos em geral parece ter caído bastante, em especial nesta legislatura.

Michel Temer merece sim a pecha de traidor. Articulou abertamente contra o governo que integrava, contribuindo para fragilizar a todo tempo a posição de Dilma Rousseff. Dentre os tantos erros políticos de Dilma, um deles foi o de chamá-lo para ser articulador político do governo em março do ano passado. A estrutura das relações de poder manda ter muito cuidado com vices. Eles devem ser mantidos no devido lugar, garantido o seu cafezinho diário na garrafa, mas sempre frio para que saiba que o líder saberá sempre mantê-lo em sua posição. Ademais, como se apresenta como constitucionalista, agrava que tenha endossado sua eleição indireta por meio do estratagema do impeachment, pela prática de atos que corroborou e mesmo praticou (assinatura de decretos, por exemplo).

Assisti à votação realizada ontem. Foi uma oportunidade única de ver a composição completa da CD se apresentando e manifestando em momento decisivo. Sempre que algum aluno me diz que vota na pessoa e não em partidos eu digo que apesar de ele pensar assim as instituições parlamentares ignoram sua convicção, pois as casas legislativas funcionam a partir da estrutura dos partidos. Seria impossível de outra maneira e a excepcionalidade do ocorrido ontem confirma esta situação. Como são 513 deputados, é evidente que o grupo todo não pode se reunir para, em conjunto, discutir e deliberar. Daí que a maioria dos deputados seja relegada a uma enorme insignificância, pois só conseguem ter algum protagonismo os líderes dos partidos. Os demais têm raras vezes a oportunidade de ocupar uma relatoria ou presidência de comissão, o que tentam aproveitar ao máximo. O que resta para todos é a luta pela liberação de emendas individuais ao orçamento, tarefa que ocupa boa parte de seu tempo e explica em grande parte a motivação da maioria em aderir de alguma forma ao governo de plantão.

Esta insignificância a que estão relegados explica a conduta de muitos na tarde/noite de ontem. Foi talvez a primeira e última oportunidade de aparecer em rede nacional decidindo algo relevante. Por isso o "capricho" no que diriam além do SIM ou NÃO, o cuidado com a ênfase e o volume em que profeririam o voto. Muitos não se constrangeram de adotar atitude colegial, segurando plaquinhas "engraçadas" como a que dizia "tchau querida", ou fazendo grande esforço para se posicionar por detrás dos colegas que votariam, alternando o olhar preocupado para o telão (aferindo se estavam aparecendo) com o olhar direto para a objetiva da câmera, tentando manter uma expressão respeitável.

É verdade que a maioria dos votos teve uma fundamentação risível e hipócrita, muitos falando em Deus, família etc. O que salta aos olhos é que nas declarações de votos ficou evidente do que tratava a sessão: ninguém que votou SIM se referiu aos motivos do impeachment. O evento era uma assembléia para dar um voto de desconfiança do parlamento à presidente Dilma, elegendo indiretamente seu vice-presidente, Michel Temer. Se o STF quiser se apresentar como verdadeiro guardião da Constituição tem aí um prato cheio: o rito de impeachment previsto na Constituição foi utilizado "ad hoc" para a destituição da chefe de governo/Estado. O problema é que não estamos no parlamentarismo!

Houve muitos votos consistentes também. Orgulha a esquerda a manifestação de tantos deputados que votaram pelo NÃO.

Depois da votação, nas redes sociais, muitos manifestavam sua decepção com a votação; muitos ainda, trataram de se manifestar sobre a qualidade dos nossos "representantes" em Brasília, sempre em nota crítica e até mesmo de deboche. Alguns até falam em crise de representação, a composição do CN não sendo representativa do perfil do povo brasileiro, e a causa seria prioritariamente a distorção que o financiamento privado de campanha imprime em todo o processo eleitoral  seu resultado final.

Não compactuo deste diagnóstico. É claro que mudanças e aperfeiçoamentos na legislação podem melhorar um pouco o quadro no legislativo, mas de modo geral o CN bem representa nossa população e sua elite. Somos um povo pouco educado, de pouca leitura e pouco afeito a tratar com atenção os problemas da esfera pública.

De mais a mais, o que é seria mais espantoso: que aqueles deputados que vimos ontem sejam a expressão política de cem milhões de eleitores brasileiros ou que os onze ministros do STF sejam a elite jurídica nacional?

Não adianta chorar o leite derramado. Cunha e Temer atingiram seu objetivo.

Se acionado, será para mim uma grande surpresa se o STF produzir algum fato relevante no processo de afastamento de Dilma. Apesar de tudo estar viciado do ponto de vista jurídico, não acredito que aqueles juízes tenham a vontade política de fazer valer a Constituição do país enfrentando uma coalização conservadora tão coesa e atuante. Torço por isso, mas esperarei sentado.

Quanto ao Senado, basta ver a sua composição por partidos.  Não será difícil obter 41 votos para receber a denúncia e afastar por 180 dias a presidente. Se com o governo na mão Dilma já não ia bem, imaginem sem ele. O futuro de Dilma e do governo do PT está nas mãos de ninguém menos que Renan Calheiros, personagem que se mantém relevante na política nacional desde a eleição de Fernando Collor (de quem foi ministro da Justiça).

Renan Calheiros não tem o perfil destrutivo de Cunha. Mas também se encontra, como seu homólogo na CD, acossado por denúncias e ameaças de processos judiciais (isso mantém o fator inédito de todo este processo por que passamos, pois agentes proeminentes do sistema de justiça podem a todo tempo modificar bruscamente todo o cenário e fragilizar seus atores principais). Do atendimento a seus interesses e de sua visão de país estamos hoje dependendo todos nós.



sexta-feira, 15 de abril de 2016

Diante do Supremo

Ontem, 14 de abril, o Supremo Tribunal Federal fez sessão extraordinária a partir das 17h, para julgar ações impetradas nos dias anteriores e que tinham por objeto questões relativas ao processo de "impeachment" conduzido - por enquanto - na Câmara dos Deputados por ninguém menos que Eduardo Cunha.

Não assisti toda a sessão; aliás não sei porque assisti parte da sessão. O que vi foi exatamente o que esperava.

Na ADIN do PCdoB, que tinha conteúdo idêntico aos dois mandados de segurança impetrados por dois deputados federais, pedia-se que o Supremo se manifestasse sobre a manobra de EC, que havia definido uma ordem de votação nominal que descumpria o disposto no regimento da Câmara dos Deputados. Em cima da hora o astuto - a quem ninguém até aqui conseguiu pôr limites - percebeu o risco de ser admoestado pelo STF e reformulou malandramente suas disposições. Faria a votação alternada entre Norte e Sul, mas por bancadas estaduais, não por deputados, como reza o regimento. Na prática ele manteria o seu desígnio de tentar influenciar a votação, deixando o NE todo votando no final, quando o resultado da votação talvez já esteja selado.

A questão parece de menor importância, mas não é. Como a votação está apertada e indefinida, o encaminhamento da votação pode sim influenciar o resultado. Não por um "efeito manada" citado por alguns ministros, mas sim pelo cálculo frio de parlamentares de pouca fibra ideológica e consistência política, que na hora "h" podem ter o temor compreensível de ficar no lado perdedor. Muitos deputados tem este perfil. O nome do primeiro a votar já ilustra este quadro: Abel Galinha (quem?)

Vendo as manifestações dos ministros (destaque para Rosa Weber, nervosíssima, o que está fazendo ali?), impossível não lembrar todo o tempo da parábola kafkiana "Diante da lei", inserida no seu livro "O processo".

Nesta parábola um homem do campo procura a lei e chega até seus portões. No primeiro portão há um guarda que pede que ele espere, apenas descrevendo o que pode acontecer (possibilidade de coisas terríveis) se ele não esperar. O homem espera toda uma vida sem poder entrar "na lei".

Ontem o Supremo mais uma vez se portou como o porteiro da lei da parábola de Kafka. Quem acionou o tribunal o fez na esperança de que o tribunal os conduzisse até a lei e proporcionasse uma pequena dose de justiça em sua prestação jurisdicional. Mas os ministros (a maioria) agiram como o porteiro kafkiano, orientando o peticionário para que se sentasse e esperasse. Foi extremamente irritante acompanhar o falatório, em que parecia haver um esforço hercúleo para demonstrar a maior alienação dos fatos do momento histórico em Brasília.

A situação era clara para qualquer pessoa normal, ou seja, impedir que um homem processado criminalmente no STF mais uma vez atropelasse a Câmara dos Deputados em um momento decisivo e único, o da votação do impeachment dali a três dias. Para fazer isso o STF apenas precisaria fazer valer o texto claro do regimento, que fala de alternância de deputados e não de bancadas. O Supremo não fez isso, tratando a questão de forma diletante, como se se tratasse de uma mera interpretação de textos que permitiam mais que uma interpretação. Ao fazer isso deixou de mandar um recado a Cunha, orientando que se contivesse. E mandou o recado inverso: pode continuar com sua aguda astúcia que aqui você encontrará um auditório se fazendo de morto para não se comprometer.

(O STF também não atendeu à ação movida pela AGU, que indicava nulidades no processo até aqui realizado).

Hoje de manhã os jornais estamparam: "nova derrota do governo no STF!"

A parábola de Kafka nos fala disso, de um judiciário que apesar de estar aparentemente relacionado com  a lei, é o último lugar a que deveríamos ir para encontrá-la. Penso aqui na dimensão mais abrangente do termo "lei", aquele que remete inevitavelmente às ideias fortes de verdade e justiça.

Outro nascido em Praga, Hans Kelsen, bem enxergou esta questão. Toda a Teoria Pura do Direito é construída para explicar que o direito é uma estrutura política de tomada de decisões, somente isso. Ao prolatar uma sentença o judiciário cria uma norma, sendo apenas casual que seu conteúdo possa estar contido em uma norma geral superior a aplicar. Não existe uma razão jurídica quando se trata de entender o funcionamento do direito, afirma Kelsen, O projeto de um Estado de Direito, para Kelsen, não pode encontrar base apenas racional, sendo um projeto essencialmente político.

No transe em que nos encontramos nestes dias decisivos, em que um governo legitimamente eleito está diante da clara possibilidade de sofrer um golpe paraguaio (depois de meses a fio desestabilizado pela operação lava jato, sob a liderança de um juiz federal operando o trinômio prisão-delação-vazamento), Kelsen e Kafka nos aportam uma importante lição: quem se limitar a bater à porta da lei corre o risco de passar a vida conversando com o porteiro e morrer sem dela (a lei) ter sentido sequer o cheiro.

É preciso compreender profundamente que não há razão jurídica. Há poder. Mesmo no judiciário. Mesmo no STF, o "guardião da Constituição". Ontem o STF poderia (se quisesse, se tivesse a vontade de fazê-lo) ter adentrado na lei. Preferiu dar uma espiadela pela frestinha da grande porta e lá dentro viu Eduardo Cunha se movimentando freneticamente. Mesmo diante desta cena absurda (de um processado criminalmente estar desenvolto dentro dos portões da lei), o STF vacilou e preferiu se manter no papel de porteiro kafkiano.

Não espero nada do Supremo. Só torço que na próxima espiadela que os onze porteiros precisem dar eles encontrem por detrás do grosso portão não mais  Eduardo Cunha, Temer "et caterva", mas o povo eufórico que finalmente se recusou a ficar sentado ouvindo a arenga interminável.

terça-feira, 12 de abril de 2016

E não é que chegamos ao "impeachment"?

Ontem a comissão da Câmara dos Deputados aprovou o relatório que indicava a aceitação do "impeachment" da presidente da República.

Neste final de semana, tudo devidamente organizado por Eduardo Cunha, o plenário deverá decidir se o processo segue para o julgamento no Senado Federal. Sim, chegamos a este ponto.

Todos, menos aqueles que acreditam no Jornal Nacional, sabem que o que está em jogo é uma simples disputa não democrática pelo poder federal. O problema não é corrupção, o problema não é a economia. A questão toda é deflagrada pela quarta vitória seguida do PT para a presidência em 2014, com fortíssima possibilidade de continuidade com Lula em 2018. A oposição se assumiu plenamente udenista.

A novidade deste processo todo foi a substituição dos militares por integrantes do sistema de justiça. Juízes federais, policiais federais e membros do Ministério Público Federal, em consistente articulação com os principais veículos de comunicação tradicional do país, promoveram uma intensa atividade de desestabilização do Governo de Dilma Rousseff.

O uso "ad nauseam" do trinômio morista prisão-delação-vazamento, sempre em timing estritamente político (e não jurídico-processual) desafiou profundamente um governo que não soube responder à altura até o momento.

O governo, no segundo mandato, onde pôde, errou muito e feio. Falo da condução política. O poder da presidência da República foi se esboroando por dentro, ao ponto em que Dilma praticamente ficou sem condições de exercer a liderança política que o povo lhe conferiu legitimamente nas eleições de 2014.

Agora o processo parece já ter adquirido uma dinâmica própria. Setores da esquerda saíram em defesa do que afinal de contas é o seu governo, gostem ou não dele.

Do lado dos que querem defenestrar a presidente, o elenco é desalentador, a começar pela absoluta falta de uma liderança política digna que se ponha à frente dos eventos. Sim, a verdade é que Dilma está diante da possibilidade de ser derrubada por um grupo de políticos sob a liderança de Eduardo Cunha sob o discurso público do combate à corrupção.

Não merecíamos passar por isso tudo.

A derrubada da presidente precisa ser criticada por todos os democratas do país. Ainda que não se possa isentar Dilma de inúmeros erros na liderança política do processo desde sua reeleição, o fato é que estamos diante de um processo de desestabilização midiático-judiciária do governo, a ser arrematada possivelmente com uma manobra parlamentar denominada juridicamente como impeachment. Mas, apesar de algumas sutilezas e disfarces, o que temos é o velho golpe de Estado latino-americano. E, sendo golpe, sabemos como começa, mas não sabemos como termina.

Dilma deve ter a oportunidade de continuar seu mandato. Esta é a melhor solução para a "crise". Mas, se sobreviver ao impeachment, tem que entender, ela e o seu partido, o PT, que o desafio posto a sua frente é de enorme envergadura, não bastando portanto o valer-se dos mecanismos habituais para a condução política da presidência da República. Há que se repactuar o projeto político da esquerda imediatamente e sinalizar acordos consistentes e abrangentes para o futuro próximo, sob pena da completa exaustão do projeto político que o PT tão bem representou no início deste Século XXI.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Selo OAB Recomenda 2016

Saiu ontem mais uma edição do selo "OAB Recomenda". Desta vez, 139 faculdade de direito foram contempladas, algo como 10% do total existente hoje no país.

Fiquei muito feliz com o resultado, pois as instituições que são as "minhas" instituições foram todas contempladas: Unisul, onde fiz a graduação em direito; UFSC, onde fiz mestrado e doutorado em direito; e a UFF, instituição em que trabalho atualmente. É uma grande satisfação ter trilhado um caminho por instituições de excelência.

Lamento apenas que a UNESC (Criciúma), instituição em que trabalhei por 15 anos, novamente não tenha sido contemplada. Uma de minhas maiores alegrias profissionais aconteceu justamente quando eu era coordenador do curso de direito desta instituição e o curso foi agraciado com o selo da OAB. Eu findava meu segundo e último mandato como coordenador e o prêmio foi como que um reconhecimento externo de uma trajetória de consolidação de um trabalho que levávamos muito a sério (trabalho iniciado com os coordenadores anteriores, Samyra Naspolini e Daniel Cerqueira). Isso foi em janeiro de 2007. Estivemos por um bom tempo orgulhosos de integrar as 87 melhores faculdades de direito segundo a OAB.

O selo da OAB é importante porque se baseia em dados de desempenho dos egressos, valorizando inclusive o ENADE, cujos dados são somados aos resultados dos exames de ordem nacionais organizados pela Ordem três vezes a cada ano. A publicização do desempenho das instituições educacionais é importante para a melhoria do ensino jurídico no país. Estamos apenas começando esta trajetória.

O que mais salta aos olhos na lista de instituições premiadas é a presença maciça de IES públicas. Se somarmos as IES públicas com as IES comunitárias e confessionais, veremos que o setor privado educacional resta com uma participação muito diminuta no rol das melhores faculdades de direito do Brasil.

Trata-se de um duro golpe aos defensores da eficiência "a priori" do setor privado, pois mais de 80% das instituições educacionais brasileiras hoje são privadas. O fato é que a OAB não as recomenda...

Mas há exceções. O privado nem sempre rima com falta de qualidade. Fiquei muito feliz de ver, por exemplo, o projeto pedagógico do CESUSC receber pela primeira vez o selo. Conheço muitos dos professores que lá estão ou que por lá passaram. O CESUSC prova que, se houver esta vontade, também o setor privado pode atingir a excelência em projetos educacionais.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

20 anos da minha formatura em Direito na Unisul


No dia 6 de janeiro de 1996, um sábado, feriado de fundação da minha cidade natal - Criciúma - foi minha formatura como bacharel em Direito na Universidade do Sul de Santa Catarina, a UNISUL. Há vinte anos!

Foi um dia de grande realização pessoal. Como orador da turma, tive o privilégio de falar em nome de todos, sempre uma grande honra.

Ainda não havia ocorrido a enorme expansão de vagas e cursos de direito (somente 200 então) no Brasil e por isso quem se formava carregava consigo alguma ansiedade sobre sua inserção profissional, mas nada perto do que sucede hoje, em que grande parte dos concluintes tem sua atenção capturada excessivamente pelas provas que fará como egresso, em especial o exame da OAB.

Neste aspecto eu estava tranquilo. Dali a dois dias iria a Florianópolis fazer a inscrição no prestigiado mestrado em Direito do CPGD-UFSC, objetivo pelo qual eu dedicara todos os meus esforços nos dois anos anteriores.

Vinte anos. Pra se ter uma ideia do que estas duas décadas significam: os celulares não existiam na prática, a internet engatinhava apenas nas universidades mais atualizadas. A grande inovação comentada à época era a lei nº 9.099/95, que criou os juizados especiais. Ainda estavam por vir um código civil novo, inúmeras emendas à constituição (pra citar uma: a reforma do judiciário é de 2004), novo código de trânsito, lei Maria da Penha, dentre tantas outras.

As formaturas não tinham sido aprisionadas pelas empresas de eventos especializadas em formaturas: as solenidades eram sóbrias e respeitavam uma tradição multissecular (e não o ego ilimitado dos formandos).

Tive a sorte de estudar em um curso com  projeto inovador, rompedor com a tradição de marasmo na formação jurídica brasileira e, por ser novo, afinado também com o momento de superação da cultura autoritária vinda da ditadura militar.

Tive grandes professores, que muito me inspiraram: Leo Rosa de Andrade, Lédio Rosa de Andrade, Grácio Petrone, Vitório Vronski (in memorian), José Augusto Robeiro Mendes, Cecilia Lois, Alice Bianchini (as duas começando suas brilhantes carreiras docentes), Luis Otávio Pimentel, dentre tantos outros.

A melhor coisa de que me recordo do curso foram os eventos organizados pelo professor Pimentel, sempre na temática da integração latino-americana e do então nascente Mercosul. Foi nestes eventos que pude ver a academia por trás da formação profissional em direito, com o contato com os grandes nomes da teoria do direito da América Latina, como Warat e Enrique Zuleta Puceiro, Oscar Correas, dentre tantos. Com Pimentel excursionei por Uruguay, Paraguay e Argentina, sempre em eventos acadêmicos de grande valor.

Do ponto de vista afetivo tive a sorte de formar três turmas de amigos por ocasião da faculdade: a turma de aula propriamente dita, a turma do movimento estudantil e os amigos do ônibus do expresso Rio Maina, estes nas duas horas diárias que passávamos juntos no deslocamento de 60 km entre Criciúma e Tubarão (então única sede da UNISUL).

Até hoje tenho contato com muitos deles e, de fato, as redes sociais hoje proporcionam esta coisa impensável à época: manter contato facilmente com todo este pessoal.

Nossa turma é uma turma vitoriosa. Vejo de longe meus colegas nas mais diversas profissões jurídicas: advogados, promotores, juízes, servidores públicos, delegados, professores...

Que gostoso imaginar num encontro de todos depois de tanto tempo!

P.S.1: tendo feito meu doutorado sobre as universidades do sistema Acafe, não posso deixar de registrar um fato objetivo da realidade. Nestes vinte anos muita coisa mudou, ok, não tinha internet, celular, smartphone, até o PT chegou ao poder e fez a diferença, mas é curioso ver que uma coisa não mudou: os gestores da minha querida Unisul ainda são absolutamente os mesmos: o sobrenome do atual reitor é o mesmo (são irmãos) daquele que me disse solenemente em 1996: "podeis exercer a profissão!". Isso em uma fundação pública de direito privado. Assim o modelo comunitário não prospera!

P.S.2: dedico esta postagem à colega Joelma, de Sombrio, precocemente falecida ao voltar da festa de formatura, em um trágico acidente automobilístico. Tenho certeza de que todos os formados naquele dia carregamos as melhores lembranças dela.