São Fco.

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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A democracia que não veio - VLADIMIR SAFATLE

Hoje na Folha de SP

"DESDE QUE a campanha eleitoral começou, vemos os candidatos mais bem posicionados ensaiarem a defesa da reforma política. Isso significa que, ao menos no discurso, todos reconhecem um certo déficit democrático nas estruturas de poder da sociedade brasileira.

No entanto, é interessante perceber como a maioria das propostas (quando elas, de fato, aparecem) resume-se à discussão de questões que não tocam o fundamento do problema.

Voto obrigatório ou facultativo, existência ou não do Senado, adoção ou não do voto distrital: todas essas questões, embora relevantes, não têm a força para desbloquear o processo de constituição de uma democracia efetiva entre nós.
Neste sentido, talvez fosse o caso de dirigir a atenção para dois pontos pouco explorados no debate eleitoral. Primeiro, vivemos um processo de esgotamento do chamado "presidencialismo de coalizão".

O Brasil deve ter o único Parlamento no mundo em que é impossível a um partido ter a maioria absoluta das cadeiras. Desde a redemocratização, apenas o PMDB de 1986 conseguiu alcançar essa marca.
Isso faz com que o Congresso seja um verdadeiro "balcão de negócios", no qual um Executivo sempre fragilizado (já que necessita de alianças heteróclitas com vários partidos para governar) sai perdendo.

Só seria possível mudar tal situação através de uma reforma política que permitisse situações eleitorais nas quais o vencedor leva tudo.
Isso pode significar que uma parte das cadeiras deva estar vinculada, necessariamente, ao partido vencedor, a fim de permitir que ele possa fazer maioria congressual mais facilmente (ou, ao menos, uma minoria qualificada).

No entanto, toda discussão a respeito de nosso deficit democrático deve partir da constatação da baixa participação popular nos processos decisórios de governo.
A democracia parlamentar liberal quer nos fazer acreditar que a participação popular deva se resumir, em larga medida, à criação de coeficientes eleitorais em épocas de eleição. Ela não percebe que o verdadeiro desafio democrático consiste na criação de mecanismos de ampliação da democracia direta, seja através da generalização de plebiscitos, seja através da regionalização dos processos de decisão sob a forma de conselhos populares.

Tal criação é a condição para o engajamento da população nas práticas sociais de gestão. Só uma patologia própria ao pensamento conservador pode defender que o aumento da participação popular equivale a um risco à democracia. Como se a boa democracia fosse aquela que conserva o povo a uma distância segura através dos mecanismos de representação.

Contra isto, talvez seja o caso de dizer claramente que a verdadeira democracia é medida pela possibilidade dada ao poder instituinte popular para manifestar-se, mesmo que seja criando novas regras e instituições.
Pois há uma plasticidade política própria à vida democrática que só aqueles que temem a construção de uma democracia efetiva compreendem como "insegurança jurídica".

VLADIMIR SAFATLE é professor no departamento de filosofia da USP "

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Para que serve a psicanálise?


Contardo Caligaris, hj na Folha de SP.

"A ASSOCIAÇÃO Internacional de Psicanálise (IPA) foi fundada em 1910. Presente em 33 países, com mais de 12 mil membros, ela festeja seu centésimo aniversário. Aos colegas da IPA (embora eu tenha me formado numa de suas dissidências), meus sinceros parabéns.

A festa é uma boa ocasião para perguntar: para que serve, hoje, a psicanálise? A campanha eleitoral em curso me ajuda a escolher uma resposta.
Repetidamente, o presidente Lula e Dilma Rousseff se apresentam como pai e mãe dos brasileiros. Em 17/8, Lula declarou: "A palavra não é governar, a palavra é cuidar: quero ganhar as eleições para cuidar do meu povo, como a mãe cuida de seu filho".

No dia seguinte, Marina Silva comentou: "Querem infantilizar o Brasil com essa história de pai e mãe". Várias vozes (por exemplo, o editorial da Folha de 19/8) manifestaram um mal-estar; Gilberto Dimenstein resumiu perfeitamente: "Trazer a lógica familiar para a política significa colocar a criança recebendo a proteção de um pai em vez de um governante atendendo a um cidadão que paga imposto".

Entendo que um presidente ou uma candidata se apresentem como pai ou mãe do povo. Embora haja precedentes péssimos (de Vargas a Stálin, ao ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-il), estou mais que disposto a acreditar que Lula e Dilma se expressem dessa forma com as melhores intenções.

O que me choca é que eleitores possam ser seduzidos pela ideia de serem cuidados como crianças e preferi-la à de serem governados como adultos.
Se o governo for paternal ou maternal, o que o cidadão espera nunca será exigível, mas sempre outorgado como um presente concedido por generosidade amorosa; o vínculo entre cidadão e governo se parecerá com o tragipastelão afetivo da vida de família: dívidas impagáveis, culpas, ciúme passional etc. Alguém gosta disso?

Numa psicanálise, descobre-se que a vida adulta é sempre menos adulta do que parece: ela é pilotada por restos e rastos da infância. Ao longo da cura, espera-se que essa descoberta nos liberte e nos permita, por exemplo, renunciar à tutela dos pais e ao prazer (duvidoso) de encarnarmos para sempre a criança "maravilhosa" com a qual eles sonhavam e talvez ainda sonhem.

Tornar-se adulto (por uma psicanálise ou não) é um processo árduo e sempre inacabado. Por isso mesmo, a quem luta para se manter adulto, qualquer paternalismo dá calafrios -ou vontade de sair atirando, como Roberto Zucco.
Roberto Succo (com "s"), veneziano, em 1981, matou a mãe e o pai; logo, fugiu do manicômio onde fora internado e, durante anos, matou, estuprou e sequestrou pela Europa afora. Em 1989, Bernard-Marie Koltès inspirou-se na história de Succo para escrever "Roberto Zucco", peça admiravelmente encenada, hoje, em São Paulo, na praça Roosevelt, pelos Satyros.

Na peça, Zucco perpetra realmente aqueles crimes que todos perpetramos simbolicamente, para nos tornarmos adultos: "matar" o pai, a mãe e, dentro de nós, a criança que devemos deixar de ser.
O diretor da peça, Rodolfo García Vázquez, disse que Zucco é um Hamlet moderno.

Claro, para Hamlet, como para Zucco, o parricídio é uma espécie de provação no caminho que leva à "maioridade". Além disso, pai, padrasto e mãe de Hamlet eram reis, e o pai de Succo era policial. Para ambos, o Estado se confundia com a família.
Se o Estado é um pai ou uma mãe para mim, eu não tenho deveres, só dívidas amorosas, e, se esse Estado me desrespeita, é que ele me rejeita, que ele trai meu amor. Por esse caminho, amado ou traído pelo Estado, nunca me considerarei como um entre outros (o que é uma condição básica da vida em sociedade), mas sempre como a menina dos olhos do poder.

Agora, se eu me sentir traído, não me contentarei em mudar meu voto, mas procurarei vingança no corpo a corpo, quem sabe arma na mão; pois essa é a linguagem da paixão e de suas decepções. O paternalismo, em suma, semeia violência.

Enfim, se é verdade que muitos prefeririam ser objeto de cuidados maternos ou paternos a serem "friamente" governados, pois bem, nesse caso, a psicanálise ainda tem várias boas décadas de utilidade pública entre nós.
É uma boa notícia para a psicanálise. Não é uma boa notícia para o mundo fora dos consultórios."

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Nos tempos da política analógica



Em tempos de eleição nacional, impossível não recordar das eleições passadas. Com o retorno da normalidade democrática, minha primeira eleição, em 1989, já foi direto para presidente da República. Quanta responsabilidade! Era o tempo da votação analógica.

Hoje, todos sabemos, a votação se dá na urna eletrônica, que facilita o processo de votação e apuração. Por outro lado, não ficou ainda absolutamente clara a segurança da urna eletrônica contra eventuais tentativas de fraudes. Aqui lembramos do caso Proconsult, onde a Rede Globo tentou garfar a eleição do Brizola ao governo do RJ e salientamos o fato de que outros países não aderiram à novidade como se esperaria. Alguma coisa aí tem.

A tecnologia sepultou todo um mundo hoje inexistente, como a possibilidade de o eleitor usar a cédula para manifestar sua inconformidade, ofender a tudo e a todos. Isto acontecia porque o eleitor deveria escrever com caneta numa folha de papel (cédula) o nome ou número dos seus candidatos. A tecla “branco” e “nulo” hoje existentes na urna eletrônica são resquícios desta época. Aconteciam coisas muito interessantes.

Numa dessas eleições, acho que a de 94, fui fiscal de apuração de um partido político, na lógica do militante. Lembro-me de um episódio de que participei, muito engraçado. Os integrantes da mesa de apuração abriam as urnas lacradas à vista dos olhos dos fiscais e, em seguida, passavam à leitura dos votos. Como os votos eram escritos, às vezes era necessário interpretá-los.

Numa das cédulas estava escrito, claramente, para deputado federal, “Milton Nascimento”. De pronto, ante à inexistência de um candidato em SC com este nome, um fiscal adversário defendeu a nulidade do voto (era comum o eleitor anular o voto escrevendo “Jesus Cristo”, Deus, algum palavrão ou um nome de artista famoso). Tentei argumentar que se não havia um Milton Nascimento certamente havia um Milton Mendes de Oliveira e que o eleitor se confundira: que valesse a intenção do eleitor e o voto fosse computado! Não adiantou.

Logo depois, na mesma urna, uma letra mais para garrancho indicava algo como, forçando muito, “James Gay”. Desta vez o fiscal adversário correu a usar meu argumento com sinais trocados, lutando para validar o voto para o candidato Jarvis Gaidzinski (já falecido), afirmando ser clara a intenção do eleitor de péssima caligrafia. O eleitor teria se cansado no meio do nome polaco de difícil pronúncia e escrita.

Diante do impasse criado, acabou-se por validar ambos os votos e nosso Milton somou mais um votinho merecido a sua carreira política marcante. Coisas de uma eleição analógica.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Como nos tempos da ditadura

Da Revista carta Capital

Rodrigo Martins 23 de agosto de 2010 às 10:00h

[Como nos tempos da ditadura]

O ativista Roberto Monte (foto), vira réu em corte militar, após criticar o Exército em palestra. Ele pode ser condenado a até cinco anos de prisão. Por Rodrigo Martins. Foto: Ana Silva

Na semana em que festejava as bodas de prata do seu casamento, o economista Roberto de Oliveira Monte teve de encarar uma insólita obrigação. Reconhecido defensor dos direitos humanos no País, passou por interrogatório de mais de duas horas na Auditoria Militar da 7ª Região, no Recife, na quinta-feira 12. Motivo da convocação: suas declarações em uma palestra na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, há cinco anos, na qual criticou as humilhações sofridas pelos militares por seus superiores hierárquicos e defendeu o direito de os praças se sindicalizarem, o que é proibido atualmente. “Jamais imaginei passar por um constrangimento desses, ter de prestar contas sobre as minhas opiniões, após 25 anos do fim da ditadura, lamenta.

Em razão dessa palestra, Monte foi acusado de cometer dois crimes tipificados pelo Código Penal Militar, de 1970: “Incitar à desobediência, à indisciplina ou à prática de crime militar” e “ofender a dignidade ou abalar o crédito das Forças Armadas”. Os delitos, previstos nos artigos 155 e 219, podem lhe render até cinco anos de prisão. “É um absurdo. Usaram uma legislação aprovada no auge da ditadura para restringir a liberdade de expressão de um militante dos direitos humanos”, afirma Marcelo Zelic, vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais. “Veja a aberração: um civil como réu numa corte militar por crime de opinião. Parece que retrocedemos algumas décadas na história.”

As opiniões, expostas para uma plateia com cerca de 250 militares, durante um congresso promovido pela Associação de Praças do Exército Brasileiro (Apeb), desagradaram ao promotor de Justiça Militar Guilherme da Rocha Ramos, que denunciou Monte juntamente com 13 militares acusados de insubordinação. Para justificar a denúncia do único civil do grupo, Ramos baseou-se no relato de militares que se dizem ofendidos pelas declarações do vice-presidente do Conselho de Direitos Humanos potiguar: “O palestrante, afastando-se completamente do tema, começou a fazer apologia à insubordinação e utilizar termos ofensivos à instituição Exército Brasileiro, uma vez que afirmava que o nosso Exército não deveria ser o Exército de Caxias, mas o de Lamarca e Carlos Marighella, que os praças deveriam se organizar nos moldes das ‘Ligas Camponesas’”, registra o inquérito militar.

De acordo com Monte, não houve ofensa alguma. “Só disse que o Exército de Caxias era o mesmo que abrigava líderes que tiveram a coragem de lutar contra a ditadura”. E acrescenta: “Também propus a criação de órgãos de direitos humanos nas Forças Armadas, a exemplo dos existentes nas polícias estaduais, mas isso foi convenientemente excluído do inquérito”.

Responsável por denúncias que levaram ao desmonte de grupos de extermínio em Natal, Monte chegou a ser incluído em programas de proteção à testemunha a pedido da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA). Por um ano e dois meses, andou com escolta policial e, hoje, continua a denunciar violações por meio do conselho estadual e do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular do Rio Grande do Norte, do qual é coordenador.

Diante da corte fardada, recusou-se a pedir desculpas. “A maioria dos militares que estão respondendo a esse processo comigo está se retificando, talvez com medo de ser expulsos do Exército. Tenho plena convicção de que não incitei qualquer motim nem ofendi ninguém, até porque sou filho de militar. Apenas manifestei minha opinião, e dela não abro mão.”

Monte foi convocado a depor pela primeira vez em julho de 2008. Como o processo acabou suspenso, por conta de um habeas corpus obtido por um dos militares denunciados, o ativista não precisou comparecer diante da corte militar. Com o recente desmembramento do caso, foi novamente convocado.

“Existe uma cláusula no Código Penal Militar que, segundo a avaliação dos acusadores, permite que um civil possa figurar como réu numa corte militar. Sustentamos que essa legislação não pode se sobrepor à Constituição nacional, que resguarda a liberdade de opinião e expressão”, afirma o advogado de defesa Marcelo Santa Cruz, irmão do militante de esquerda Fernando Santa Cruz, desaparecido na época da ditadura. “Fazia mais de 40 anos que eu não colocava o pé numa corte fardada para defender um civil. Meu último cliente foi o padre Reginaldo Veloso, que havia escrito versos que desagradaram à censura.”

Sandra Carvalho, diretora da ONG Justiça Global, ressalta que a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA tem uma extensa jurisprudência que condena o julgamento de civis por cortes militares. “Por essa razão, denunciamos este caso, em junho de 2008, para dois relatores especiais das Nações Unidas: Margareth Sekaggya, que cuida da proteção dos defensores de direitos humanos, e Ambeyi Ligabo, ligado às questões de liberdade de opinião e expressão.”

De acordo com o advogado Frederico Barbosa, que também cuida da defesa de Monte, ao término do processo o ativista pode exigir uma reparação pelos danos morais e materiais. “Poderíamos, inclusive, já ter solicitado um habeas corpus para trancar esse processo. Optamos por seguir adiante, na esperança de que este caso estimule uma ampla discussão sobre a necessidade de se revisar o entulho autoritário que pesa sobre as leis brasileiras, em conflito com a própria Constituição.”


Em julho de 2008, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados publicou moção de protesto contra o processo militar. “Há um consenso de que precisamos resolver o problema dessa legislação infraconstitucional, herdada da ditadura, que está em conflito com as garantias constitucionais e com os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Só não está decidida a forma como essa revisão pode ser feita”, afirma o parlamentar Pedro Wilson (PT-GO), integrante da comissão. “Precisamos acelerar esse debate para evitar situações de constrangimento ou de tentativa de censura como esta, da qual Monte foi vítima.”

Fernando Mattos, um dos diretores da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, não descarta a possibilidade de um projeto que acabe com as cortes fardadas. “Pode perfeitamente existir uma legislação específica para crimes militares, a ser apreciada pela Justiça comum”, afirma. De concreto, apenas uma recomendação do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, ligada à estrutura da secretaria. “Trata-se de uma carta de intenções, sugerindo a remoção do entulho autoritário da legislação. Mas a discussão é espinhosa e deve levar tempo.”

Tiririca Deputado Federal Vote 2222



Meu comentário - Nos países que adotam o voto facultativo, um pouco menos da metade dos habilitados a votar vota. Chama-se, em ciência política, apatia eleitoral. Numa democracia consolidada e antiga, a apatia geralmente é grande, votando apenas os mais interessados/conscientes em relação ao que significa o processo.

Nosso país optou pelo voto obrigatório e uma consequencia disso é que uma parte dos que se absteriam de votar acabam por optar pelo voto de protesto. Tiririca é um candidato que se insere nesta estratégia: se fazer de idiota para receber muitos votos de protesto que, efetivamente, elegerão alguns dos candidatos de seu partido.

Felizmente, o funcionamento do sistema representativo parlamentar tem mecanismos para, quando eleito um espertalhão deste quilate, colocá-lo em seu devido lugar: o ostracismo político completo.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O colapso do PSDB

VLADIMIR SAFATLE

Hoje na Folha de São Paulo

"HÁ ALGO de melancólico na trajetória do PSDB. Talvez aqueles que, como eu, votaram no partido em seu início, lembrem do momento em que a então deputada conservadora Sandra Cavalcanti teve seu pedido de filiação negado. Motivo: divergência ideológica.
De fato, o PSDB nasceu, entre outras coisas, de uma tentativa de clarificação ideológica de uma parcela de históricos do MDB mais afeitos às temáticas da socialdemocracia européia.

Basta lembrarmos dos votos e discussões de um de seus líderes, Mario Covas, na constituinte. Boa parte deles iam na direção do fortalecimento dos sindicatos e da capacidade gerencial do Estado. Uma perspectiva contra a qual seu próprio partido voltou-se anos depois.

A história do PSDB parece ser a história do paulatino distanciamento desse impulso inicial. Ao chegarem ao poder federal, os partidos socialdemocratas que lhe serviram de modelo (como os trabalhistas ingleses e o SPD alemão) haviam começado um processo irreversível de desmonte das conquistas sociais que eles mesmos realizaram décadas atrás. Um desmonte que foi acompanhado pela absorção de suas agendas políticas por temáticas vindas da direita, como a segurança, a imigração, a diminuição da capacidade de intervenção do estado, entre outros.

Este movimento foi reproduzido pelo governo de Fernando Henrique Cardoso.
Assim, víamos uma geração de políticos que citavam, de dia, Marx, Gramsci, Celso Furtado e, à noite, procuravam levar a cabo o "desmonte do estado getulista", "a quebra da sanha corporativa dos sindicatos", ou "a defesa do Estado de direito contra os terroristas do MST".

O resultado não foi muito diferente do que ocorreu com os partidos socialdemocratas europeus. Fracassos eleitorais se avolumaram, resultantes, principalmente, de uma esquizofrenia que os faziam ir cada vez mais à direita e, vez por outra, sentir nostalgia de traços ainda não totalmente extirpados de discursos classicamente socialdemocratas. No caso alemão, o SPD acabou prensado entre uma direita clara (CDU, FDP) e uma esquerda renovada (Die Linke).

No caso brasileiro, esta eleição demonstra tal lógica elevada ao paroxismo. Assistimos agora ao candidato do PSDB ensaiar, cada vez mais, um figurino de Carlos Lacerda bandeirante; com seu discurso pautado pela denúncia do aumento galopante da insegurança, do narcotráfico, do angelismo do governo com o terrorismo internacional das Farcs e, agora, o risco surreal de "chavismo" contra nossa democracia. Um figurino que não deixa de dar lugar, vez por outra, a uma defesa de que é de esquerda, de que recebeu palavras carinhosas de Leonel Brizola, de que vê em Lula alguém "acima do bem e do mal" etc.

Nesse sentido, o caráter errático de sua campanha não é apenas um traço de seu caráter ou um problema de cálculo de marketing.
Trata-se do capítulo final da dissolução ideológica de uma sigla que só teria alguma chance se tivesse ensaiado algo que o PS francês tenta hoje: reorientação programática a partir de um discurso mais voltado à esquerda e (algo que nunca um tucano terá a coragem de fazer) autocrítica em relação a erros do passado."

Meu comentário - é impressionante como a Folha de São Paulo está dando por liquidada a fatura na disputa pela presidência. Como são parceiros do PSDB de longa data, fica a impressão de que só assim poderiam forçar o candidato Serra a mudar posturas e corrigir os rumos da sucessão. A ver.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Justiça do Trabalho condena Shell e Basf a indenizar funcionários

Da Folha de hoje

"DE CAMPINAS - Em uma ação por contaminação de substâncias tóxicas, a Justiça do Trabalho de Paulínia (117 km de SP) condenou ontem as multinacionais Shell e Basf a pagar R$ 622 milhões de indenização por danos morais, além de custear assistência médica a ex-trabalhadores.

As empresas também serão obrigadas a pagar uma indenização individual de R$ 20 mil por ano trabalhado a cada um dos ex-funcionários.
A sentença é resultado de uma ação coletiva movida em 2007 pelo Ministério Público do Trabalho e pela associação dos ex-trabalhadores da extinta fábrica de agrotóxicos.
Um parecer do Ministério Público indicou que as pessoas que trabalharam ou residiram na localidade foram expostas a substâncias químicas como arsênico, chumbo, níquel e manganês.

A Shell informou por meio de nota que, "confiando na Justiça e na defesa de seus direitos, irá recorrer às instâncias superiores".
A Basf informou, também em nota, que "vai recorrer da decisão, pois não concorda com o absurdo da sentença proferida que se baseou na contaminação ambiental causada e assumida pela Shell"."

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Cai o ritmo de crescimento do ensino superior

Folha de Hoje

"Apesar de as grandes empresas nacionais e estrangeiras enxergarem enorme potencial no mercado de educação, o ritmo de expansão do ensino superior vem caindo.
Segundo a Semesp, o número de instituições privadas saltou 148% de 1999 a 2009. No entanto, o ritmo de alta caiu de 15% entre 2000 e 2004 para 5% nos outros cinco anos.
Os motivos são a carência de financiamento e a baixa qualidade da educação básica, que forma pessoas despreparadas.

Com isso, apenas 14% dos jovens de 18 a 24 anos estavam na universidade em 2009. A meta do governo era elevar esse percentual para 30% em 2010.
A expectativa da Hoper é que o faturamento das empresas (R$ 25 bilhões em 2009) cresça 5% nos próximos três anos.

O Morgan Stanley projeta crescimento de 5% a 6% para o setor nos próximos anos. Segundo o banco, uma expansão mais acelerada depende de como será aplicado o dinheiro do Fundo Social a ser criado com recursos do pré-sal.
Ryon Braga, da Hoper, sugere que o governo crie um fundo de garantia para financiamento privado, o que derrubaria os juros.

"É melhor do que criar novas universidades públicas com custo médio anual de R$ 24 mil por aluno, ante média de R$ 5.000 no setor privado. As privadas estão com vagas sobrando." (MS)"

Meu comentário - Este Ryon Braga é consultor de Instituições privadas, já esteve aqui, conhecêmo-lo. Seu posicionamento é mais que ideológico, é fisiológico. Não dá para comparar IES públicas e privadas no quesito qualidade. As privadas têm custo/aluno menor, mas algumas apenas vendem o diploma de valor zero pro formado.
Qual é o custo das comunitárias? Pois estas, como a UNESC, têm custo menor que as estatais e compromisso com qualidade, pois não têm dono nem visam lucro.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Diante da Lei



Abaixo segue transcrito o conto "Diante da Lei" de Franz Kafka. É o texto citado pelo Zé Ricardo na Aula Magna, que originalmente faz parte do livro do mesmo autor, "O Processo".

"Diante da Lei está um guarda. Vem um homem do campo e pede para entrar na Lei. Mas o guarda diz-lhe que, por enquanto, não pode autorizar-lhe a entrada. O homem considera e pergunta depois se poderá entrar mais tarde.
— "É possível" — diz o guarda. — "Mas não agora!". O guarda afasta-se então da porta da Lei, aberta como sempre, e o homem curva-se para olhar lá dentro. Ao ver tal, o guarda ri-se e diz. — "Se tanto te atrai, experimenta entrar, apesar da minha proibição. Contudo, repara: sou forte. E ainda assim sou o último dos guardas. De sala para sala estão guardas cada vez mais fortes, de tal modo que não posso sequer suportar o olhar do terceiro depois de mim".

O homem do campo não esperava tantas dificuldades. A Lei havia de ser acessível a toda a gente e sempre, pensa ele. Mas, ao olhar o guarda envolvido no seu casaco forrado de peles, o nariz agudo, a barba à tártaro, longa, delgada e negra, prefere esperar até que lhe seja concedida licença para entrar. O guarda dá-lhe uma banqueta e manda-o sentar ao pé da porta, um pouco desviado. Ali fica, dias e anos.

Faz diversas diligências para entrar e com as suas súplicas acaba por cansar o guarda. Este faz-lhe, de vez em quando, pequenos interrogatórios, perguntando-lhe pela pátria e por muitas outras coisas, mas são perguntas lançadas com indiferenca, à semelhança dos grandes senhores, no fim, acaba sempre por dizer que não pode ainda deixá-lo entrar. O homem, que se provera bem para a viagem, emprega todos os meios custosos para subornar o guarda. Esse aceita tudo mas diz sempre:
— "Aceito apenas para que te convenças que nada omitiste".

Durante anos seguidos, quase ininterruptamente, o homem observa o guarda. Esquece os outros e aquele afigura ser-lhe o único obstáculo à entrada na Lei. Nos primeiros anos diz mal da sua sorte, em alto e bom som e depois, ao envelhecer, limita-se a resmungar entre dentes. Torna-se infantil e como, ao fim de tanto examinar o guada durante anos lhe conhece até as pulgas das peles que ele veste, pede também às pulgas que o ajudem a demover o guarda. Por fim, enfraquece-lhe a vista e acaba por não saber se está escuro em seu redor ou se os olhos o enganam. Mas ainda apercebe, no meio da escuridão, um clarão que eternamente cintila por sobre a porta da Lei. Agora a morte está próxima.

Antes de morrer, acumulam-se na sua cabeça as experiências de tantos anos, que vão todas culminar numa pergunta que ainda não fez ao guarda. Faz-lhe um pequeno sinal, pois não pode mover o seu corpo já arrefecido. O guarda da porta tem de se inclinar até muito baixo porque a diferença de alturas acentuou-se ainda mais em detrimento do homem do campo.

— "Que queres tu saber ainda?", pergunta o guarda. — "És insaciável".
— "Se todos aspiram a Lei", disse o homem. — "Como é que, durante todos esses anos, ninguém mais, senão eu, pediu para entrar?". O guarda da porta, apercebendo-se de que o homem estava no fim, grita-lhe ao ouvido quase inerte:
— "Aqui ninguém mais, senão tu, podia entrar, porque só para ti era feita esta porta. Agora vou-me embora e fecho-a".

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Ninguém pode ser Ministro do STF em silêncio


"O advogado e professor de Direito da UFPR Luiz Edson Fachin começou nesta semana uma campanha aberta pela indicação dele ao Supremo Tribunal Federal. Após meses evitando o assunto, ele revelou ontem que foi chamado há um mês pelo ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, para discutir a possibilidade de assumir a vaga deixada pelo ministro Eros Grau na última segunda-feira. O paranaense estaria em uma lista com outros seis nomes.
Em Brasília, onde faz novas reuniões sobre o tema a partir de hoje, Fachin defendeu que a escolha precisa ser tratada às claras. Cotado para o STF desde 2003, ele também adiantou que será sua última tentativa de ingressar na corte. Embora não tenha de respeitar um prazo, a previsão é que Lula só faça a indicação do substituto de Eros Grau após as eleições de outubro.

Como foi a conversa com o ministro da Justiça sobre a possibilidade de ser escolhido para o STF?

Ao me receber, o ministro Luiz Paulo Barreto disse que estava examinando um conjunto de nomes que poderiam, dentro do ponto de vista técnico, ser levados ao presidente da República para que ele considerasse a hipótese de promover a indicação. Ele mencionou que estava realizando um conjunto de diálogos sobre essa matéria, o que é absolutamente natural. Ele me perguntou inicialmente se meu nome estava à disposição. Respondi afirmativamente e dei a ele as minhas razões.

Quais são essas razões?

Disse que, depois de 28 anos do exercício do magistério e da advocacia e também com 52 anos de vida, eu tenho agora mais 18 anos [a aposentadoria compulsória dos ministros do STF ocorre aos 70] para me colocar à disposição de uma missão que leva em conta apuro técnico e simultaneamente alguns ideais como ter uma Justiça melhor e uma corte constitucional que cada vez mais faça a Constituição valer. Além disso, disse que tenho muito a contribuir dentro da minha área do conhecimento, o Direito Privado Constitucional. Essa área classicamente tinha a presença do ministro Moreira Alves, que já se aposentou. Embora os ministros do Supremo apreciem todas as matérias, certa contribuição especializada é sempre útil.

O senhor já havia participado de reuniões similares para a escolha de outros ministros do STF durante o governo Lula...

Todos esses diálogos são muito importantes. Eu, pessoalmente, sou favorável a essa forma de escolha dos ministros, que recebemos como legado da experiência norte-americana. Essas reuniões fazem com que as pessoas que de fato queiram aceitar esse desafio se exponham para o debate. Ninguém pode ser ministro do STF em silêncio. Esse não é um tema que deva ser tratado no fundo dos espaços públicos. É um assunto que precisa estar na imprensa, na sociedade e, evidentemente, no debate de todos os poderes. Todos os diálogos anteriores que tive nesse sentido foram muito produtivos e também um aprendizado pessoal.

O sistema de escolha dos ministros não é muito político?

Entendo que não. Eu me refiro à história do Supremo. A composição da Casa dentro da linha do tempo coloca em primeiro lugar o que a Constituição chama hoje de notório saber jurídico. O STF se caracteriza historicamente por ministros que o honraram. Não há como afastar alguns ingredientes como a política, pois o Direito também pode ser encarado como a política vestida de norma. O STF interpreta a Constituição no caso concreto. Não é possível resumir essa atividade como algo exclusivamente técnico.

Qual é a importância de ter um ministro paranaense?

O STF, na verdade, não tem uma repartição geográfica. Portanto, não há nenhuma indicação de que esse seja um critério a ser levado em conta pelo presidente. Todavia, é preciso considerar que toda corte constitucional se espraia no exercício de sua jurisdição no território nacional. E o território de uma federação republicana como a nossa é composto de estados membros. Nós, os paranaenses, sejam nascidos ou criados no estado, como é o meu caso, olhamos para a composição do Supremo e vemos que mais de 30 nomes foram ofertados por Minas Gerais e mais de 20 por São Paulo. Parece-me justo e legítimo que o Paraná, se tem nomes que preencham requisitos técnicos, associe a esse nome um critério paranista. Mas certamente esse não será o critério prioritário a ser levado em conta pelo presidente, embora eu ache que deveria ter peso. Como se sabe, o Paraná a rigor só teve Ubaldino do Amaral como ministro do STF, que ainda teve assento por poucos anos. Eu diria que a eventual indicação de um paranaense supriria essa lacuna histórica. Eu nasci no norte do Rio Grande do Sul [no município de Rondinha] e me mudei para o Paraná com dois anos. Diria neste momento que meu nome contemplaria todo o Sul do Brasil. Se olharmos a composição atual do Supremo, estamos sem uma presença efetiva da região.

Será a última tentativa do senhor de ser ministro?

É verdade. Na vida há momentos em que a gente abre determinados livros e fecha outros. Eu me encontro em uma fase da minha vida pessoal, familiar e profissional que me permite colocar meu nome à disposição tendo como único objetivo, de fato, prestar um serviço. Creio, sem falta modéstia, que eu tenho compreensão do que é uma corte constitucional. Passei quase 30 anos me preparando de uma maneira que me permite pensar nessa hipótese.
Fonte: Associação dos Magistrados do Paraná - AMAPAR"

Meu comentário - O prof. Fachin foi quem visitou "in loco" a UNESC para verificar as condições do campus e deu parecer favorável à autorização para funcionamento do nosso Curso de Direito. Esteve aqui para palestra em nossa segunda semana acadêmica.

1er episodio de ISLA PRESIDENCIAL

Advogada: Humilhação no trabalho é recorrente no Brasil


Do Terra Magazine:

"Ana Cláudia Barros

"Incluir assédio moral como acidente de trabalho é cabível e necessário". A opinião é da presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo (AATSP) e professora da PUC-SP, Ana Amélia Mascarenhas. Ela se refere ao Projeto de Lei n.º 7.202/2010, que tramita na Câmara dos Deputados.

No texto da proposta, a justificativa para colocar assédio moral na lista de casos de acidente de trabalho é baseada na "intensificação e banalização do fenômeno". O texto diz ainda que, "por constituir uma violência psicológica, pode causar danos à saúde física e mental, não somente daquele que é atingido, mas de todo o coletivo que testemunha esses atos". A presidente da AATSP concorda.

- De 10 pessoas que atendo por mês, pelo menos cinco passaram por assédio moral praticado pelo chefe. Destes, dois precisam se afastar do trabalho por problemas psicológicas. O número é assustador. Fazendo uma estimativa, de 100 reclamações que entram na Justiça do Trabalho, 90 incluem assédio moral. É algo que tem feito parte do cotidiano das relações de trabalho no Brasil. É sério, grave e recorrente. Justamente porque o trabalhador tem pouca defesa e por ser difícil de provar, virou mesmo uma questão de saúde pública.

Ana Amélia explica que esse tipo de abuso sempre existiu, mas, apenas nos últimos anos, as vítimas têm buscado providências.

- Desde a Constituição Federal, quando surgiu a possibilidade do dano moral, as pessoas foram aprendendo que isso existia. É muito mais frequente do que se pode imaginar. A população demorou 10 anos para perceber essa possibilidade nova que a Constituição dava.

Em vigor, a norma, de autoria dos deputados Ricardo Berzoini (PT-SP), Jô Moraes (PC do B-MG), Pepe Vargas (PT-RS), Paulo Pereira da Silva (PDT-SP) e Roberto Santiago (PV-SP), pode representar mais gastos para as empresas, que estariam sujeitas a ações judiciais, conforme a advogada.

Atualmente, para deixar claro o assédio, são necessários provas e testemunhas, o que nem sempre é uma tarefa fácil, porque, em geral, quem presencia o constrangimento e a humilhação teme perder o emprego. Se a lei for aprovada, a história muda, segundo Ana Amélia.

- Quando um tipo de doença vira doença profissional, existe uma inversão do ônus da prova. Por exemplo, um funcionário de um banco procura o INSS para pedir afastamento do trabalho por estresse emocional. O que hoje o médico faz? Ele verifica o que é constante uma pessoa que trabalha no banco ter. Essa relação de doenças vai constar em uma tabela que o próprio INSS criou. Se estresse emocional aparecer na lista, o médico não quer nem saber se é por conta do banco ou não. Vai enquadrar como doença profissional. Cabe ao banco provar que o empregado não adquiriu a doença lá. O INSS ainda pode entrar com uma ação regressiva contra a empresa, cobrando que ela arque com os custos, com aquilo que ele gastou com o trabalhador.

Para ela, a legislação pode, sim, ter eficácia e ajudar a coibir os casos de assédio no ambiente de trabalho. "Ele acontece por despreparo dos profissionais. E as empresas só vão se preocupar com isso quando tiverem condenações constantes e grandes. Só vão se precaver, na hora que doer no bolso".

Assediado erra mais

A psicóloga Maria Inês Felipe, consultora de recursos humanos, também considera que as empresas terão que se preocupar mais com a preparação de suas lideranças. Ela explica que o assédio moral no ambiente de trabalho é uma exposição contínua do empregado através de conduta opressora, humilhante, constrangedora. "É diferente de uma repreensão por um erro cometido", destaca.

- Por exemplo, o líder está sempre dizendo que o empregado é um incompetente, só faz coisa errada, chega uma hora em que o subordinado começa a acreditar que é mesmo incompetente. Isso provoca abalo psicológico e diminui a autoestima. A consequência é que a pessoa acaba cometendo mais erros. Aumenta, também, os riscos de acidentes de trabalho.

De acordo com Maria Inês, distúrbios psicológicos são frequentes em profissionais que sofrem assédio moral.

- Imagina um gestor o tempo todo te oprimindo? Numa reunião, fica te expondo. Começa a colocar desafios que sabe que você não vai ter condição de atingir. Isso acaba impactando na vida da pessoa de maneira geral.

Ela diz que o chefe assediador, invariavelmente, procura os mais vulneráveis.

- O assediador não assedia todo mundo, mas a pessoa mais sucetível, mais frágil, mais insegura. Ele é inseguro, porque precisa oprimir o outro para mostrar que é importante. Ao mesmo tempo, há o assediado, que precisa ser liderado pelo assediador. Muitas vezes, é uma relação de comprometimento entre um e outro. Um alimenta o outro, como na relação entre o sádico e o masoquista. "

Tradutor, traidor

Rubem Alves, hoje na Folha de SP

"TRADUZIR É SUBSTITUIR palavras que não se conhecem por palavras conhecidas. Trata-se de uma delicada combinação de ciência e arte. Ciência porque o tradutor, antes de mais nada, tem de ser um dicionário que contenha as palavras conhecidas e as palavras não conhecidas. Caso contrário a tradução não será possível. Para evitar os enganos os linguistas da Universidade de Lagado (aquela das "Viagens de Gulliver") chegaram a propor que as palavras fossem substituídas pelas coisas que elas significam.

Um caso cômico que se encontra no delicioso livro "No País das Sombras Longas". Esse título, em si mesmo, é um teste para seus conhecimentos. Que país é esse em que as sombras são sempre longas? Qual é a condição astronômica para que isso aconteça? Eis aí uma pergunta que deveria cair no Enem... É um livro delicioso de aventuras, em meio a gelos sem fim, ursos, focas, cães, trenós e costumes diferentes, entre eles o anzol para pegar as pulgas que vivem dentro das roupas de couro costuradas sobre o corpo...

Pois minha leitura foi interrompida por essa frase estranha: "Siorakidsok era paralítico da cintura para baixo e tinha ouvidos duros". Ouvidos duros... Não fez nenhum sentido. Até que me vali de um truque: tentei fazer a tradução ao contrário, do português para o inglês. Ouvidos duros, ao contrário: "hard of hearing". O homem era surdo...

Logo na página seguinte essa frase me parou de novo: "A um canto via-se uma grande calha de pedra pela qual todos passavam as suas águas servidas, valiosas para o curtimento de couro..." Suas águas servidas? O que é isso? Usei então o mesmo método de decifração. Traduzi ao contrário: "passavam suas águas servidas", "pass water", que quer dizer fazer xixi...

A tal calha de pedra era um mictório...
Agora, alguns versos do poema de "The Rock", de T.S.Eliot.
"The Eagle soars in the summit of Heaven,
The Hunter with his dogs pursues his circuits.
O perpetual revolution of configured stars.
O perpetual recurrence of determined seasons..."
Esses versos parecem descrever uma cena de caça, a águia voando nas alturas, sobre os campos um caçador com seus cães trilha os seus caminhos. E foi assim que o tradutor traduziu o texto.

"A Águia paira sobre os píncaros dos céus, o Caçador com seus cães rastreia-lhe o trajeto. Ó perene revolução de estrelas consteladas..."
Parece que a tradução está certinha. A não ser pelo fato de que Eliot diz que ele está descrevendo o caminho dos astros no céu: a revolução permanente das estrelas consteladas. É esse fato que dá a chave para a tradução.

"Eagle" não é uma águia: é uma constelação cujo nome em português é "Áquila". O "Hunter" é o nome em inglês para a constelação que é atravessada pelas "Três Marias", o "Órion". E os cães não são cachorros de caça. São as constelações ao lado do Órion, o Cão Menor e o Cão Maior, na qual se encontra o Sirius, a estrela mais brilhante do céu.

A tradução certa, então, seria "A Áquila paira sobre os píncaros dos céus, o Órion com seus cães rastreia-lhe o trajeto..." Assim saímos da companhia do caçador, da águia e dos cães e somos devolvidos às estrelas... "

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A universidade pública forte

da Folha de São Paulo de hoje.

"Nestes últimos anos, um dos fenômenos mais dignos de nota foi o fortalecimento da universidade pública graças a um importante ciclo de expansão e interiorização do sistema federal. Tal fenômeno merece estar presente na pauta do debate eleitoral que se inicia.

Em 2002, as universidades públicas federais encontravam-se em situação terminal. O deficit de professores necessários para simplesmente conservar o sistema tal como era nos anos noventa chegava a 7.000. Talvez alguns se lembrem do caso de universidades que precisaram limitar sua atividade noturna por não ter dinheiro para pagar conta de luz.

No lugar das universidades públicas, vimos uma política que incentivava a proliferação de universidades privadas, em larga medida, dissociadas do tripé pesquisa/docência/extensão e cuja qualidade, até hoje, não passou o estágio do duvidoso.

É bem provável que esta experiência tenha mostrado que o sistema privado sai-se muito bem quando é questão de criar centros direcionados à formação para o mercado (como escolas de administração de empresas, publicidade, comunicação, economia, entre outros).

Mas, excetuando as universidades confessionais, os resultados são ruins quando se trata de implementar sistemas universitários complexos capazes de atrair profissionais dispostos a desenvolver habilidades de professor, pesquisador e divulgador de conhecimento.

Alguns criticam o processo recente de ampliação e fortalecimento da universidade pública afirmando que se tratam de universidades caras e de baixa capacidade de absorção das exigências de empregabilidade. No entanto, o sistema universitário público brasileiro é, em larga medida, adequado para os desafios do nosso futuro. Ele garante autonomia de pesquisa ao corpo docente, flexibilidade relativa de escolha de disciplinas para alunos (o que permite particularização da formação), além de abertura para a constituição de estruturas interdisciplinares.
Não precisamos discutir o modelo universitário público, mas aprofundá-lo, permitindo que ele democratize seus modos de gestão, de decisão e que enfim desenvolva todas suas potencialidades e pluralidades.

Por exemplo, vez por outra, aparece alguém afirmando que seria melhor às universidades públicas terem ligação mais profunda com o mercado, um pouco como certas universidades norte-americanas, cuja boa parte de suas linhas de financiamento depende da capacidade em captar recursos da iniciativa privada.
No entanto, seria interessante perguntar a estas pessoas quem então pagará pesquisas que visam mostrar a ineficácia de tratamentos do sofrimento psíquico baseados na medicalização. Certamente, não a indústria farmacêutica. E quem pagará as pesquisas que mostram a participação do empresariado nacional na Operação Bandeirantes e no financiamento do aparato repressivo da ditadura militar? Certamente, não o empresariado nacional. E quem pagará as pesquisas que visam expor os resultados catastróficos da liberação das ações do sistema financeiro em relação à tutela do Estado? Certamente, não os bancos.

Estes são apenas alguns exemplos de limitação do espectro de reflexão da universidade caso um novo modelo se imponha e caso relações de parceria entre mercado e universidade se transformem em confissões de dependência.
VLADIMIR SAFATLE é professor no departamento de filosofia da USP

domingo, 8 de agosto de 2010

O debate sobre a descriminalização das drogas no país

Da Folha de São Paulo de hoje.

"SÉRGIO ADORNO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O debate no Brasil não é recente. Desde meados dos anos 70 assistimos ao crescimento do crime violento, em especial homicídios cujas vítimas preferenciais são adolescentes e jovens adultos do sexo masculino.
Esse crescimento está relacionado à chegada do crime organizado, sobretudo o comércio ilegal de drogas que se alastrou por bairros populares e centros das cidades.

Na sua esteira, cresceram roubo, assalto a banco, extorsão mediante sequestro.
A repressão violenta tem resultado em inúmeras prisões temporárias, que favorecem a construção de carreiras no crime. Além disso, há envolvimento de agentes policiais em negócios escusos.

Recentemente, reunião de ex-governantes da América Latina retirou o debate -até então restrito a especialistas- de seu confinamento.
A atual política de drogas, tradicionalmente influenciada pela política americana, tem fracassado no propósito de conter o tráfico e o consumo. Ao contrário, tem produzido efeitos bem conhecidos.

A par das disputas fatais pelo controle de pontos de venda, o narcotráfico tem representado séria ameaça para a estabilidade das democracias, notadamente nos países recém-saídos de ditaduras. O narcotráfico funciona à custa da aquiescência daqueles incumbidos de zelar pela aplicação das leis.

A despeito dos argumentos favoráveis, uma política de descriminalização de drogas não pode ignorar problemas. Há consensos quanto aos riscos para a saúde.
É provável que haja picos de consumo abusivo. Nesses casos, jovens de classes superiores terão à disposição clínicas particulares. Mas aqueles das classes de baixa renda dependerão dos serviços do SUS, já sobrecarregado e incapaz de atender às necessidades básicas de saúde no país.

Questões não menos relevantes: quem exercerá o controle sobre produção e distribuição? Será criada uma agência nacional? O Brasil não produz drogas, será então estimulado a fazê-lo para ter maior controle?
Sabemos também, dada a história política desta sociedade, que controles estatais sem lastro na opinião pública dificilmente terão êxito.
Do mesmo modo, campanhas para alertar quanto aos riscos tenderão ao fracasso caso não convençam os potenciais consumidores.

Por fim, uma política nacional não acompanhada pelos países de fronteira, em particular os produtores, poderá tornar o Brasil um território livre para consumo de drogas, com todas as consequências indesejáveis.

Por isso, seria importante melhor conhecer a experiência acumulada em países que relaxaram os controles, como é o caso da Holanda.
O debate, necessário e oportuno, requer pesar todos esses aspectos e evitar tanto as defesas apaixonadas quanto a prisão do moralismo conservador."

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

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Parafraseando Bismarck: se o povo visse como são feitas as leis, as salsichas e os vídeos para a televisão... :)

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Castigos físicos - Calligaris na Folha de hoje




"UMA RECENTE pesquisa Datafolha (Folha, 26/7) mostra que, no Brasil, 69% das mães e 44% dos pais admitem ter batido nos filhos.
Parêntese. Os pais são tão violentos quanto as mães: simplesmente, eles passam menos tempo em casa e lidam menos com o "adestramento" dos filhos.

A pesquisa constata também que 72% dos adultos sofreram castigos físicos quando crianças. Como se explica, então, o fato de que 54% dos brasileiros se declaram contrários ao projeto de lei que proíbe os castigos físicos em crianças? Há várias hipóteses possíveis.
1) Talvez quem apanhou quando criança não queira perder o direito de se vingar em cima dos filhos.
2) Talvez não aceitemos a ideia de que os nossos pais tinham sobre nós uma autoridade maior do que a que nós temos ou teremos sobre nossos filhos.
3) Na mesma linha, talvez estejamos dispostos a apanhar dos superiores sob a condição de sermos autorizados a bater nos subalternos.
Nota: aceitar apanhar dos mais poderosos para poder bater nos mais fracos é a caraterística que resume a personalidade burocrático-autoritária do funcionário fascista.
4) A autoridade, dizem alguns com razão, sempre tem um pé na coação e recorre à força quando seu prestígio não for suficiente para ela se impor. Hoje, a autoridade simbólica dos adultos é cada vez menor. É provável que os próprios adultos sejam responsáveis por isso (principalmente, por eles se comportarem cada vez mais como crianças); tanto faz, o que importa é que o prestígio dos adultos não lhes garante mais respeito e obediência. Portanto, a palavra aos tabefes.

É um erro: o castigo físico acaba com a autoridade de quem castiga, pois revela que seu argumento é apenas a força. A reação mais sensata da criança será: tente de novo quando eu estiver com 15 anos e 1,80 m de altura.

Esses e outros argumentos a favor da palmatória não encontram minha simpatia. Até porque verifico que os rastos desses castigos não são bonitos. Mesmo um simples tapa é facilmente traumático tanto para o pai que bateu como para o filho: ele paira na memória de ambos como uma traição amorosa que não pode ser falada por ser demasiado humilhante (para os dois). Há pais violentos que passam a vida na culpa, e há crianças cuja vida erótica adulta será organizada pela tentativa de encontrar algum sinal de amor no sadismo dos pais.

Apesar disso, se tivesse sido consultado na pesquisa, provavelmente eu teria me declarado contra a nova lei, por duas razões.
A primeira (e menos relevante) é que existem violências contra crianças piores do que a violência física, e receio que uma lei reprimindo o castigo físico nos leve a pensar que, por assim dizer, "o que não bate engorda". Infelizmente, não é preciso bater para trucidar uma criança.

A segunda razão (e mais relevante) é que a nova lei não surge num contexto em que os pais teriam poder absoluto sobre o corpo dos filhos. Mesmo sem a nova lei, o professor que visse sinais de violência no corpo de um dos alunos avisaria à polícia e à autoridade judiciária. O mesmo valeria para o pediatra ou para o psicoterapeuta. Inversamente, um pai cujo filho fosse batido na escola processaria o professor e a instituição. Também, com um pouco de sorte, uma criança batida pode denunciar o adulto que a abusa.

Pergunta: para que servem leis que pouco mudam o quadro legal e só explicitam e particularizam proibições que já vigem de modo geral?
Essas leis me parecem ter sobretudo a intenção de afirmar, demonstrar e estender o poder do Estado na vida dos cidadãos.

Uma coisa aprendi com Michel Foucault: o poder moderno é raramente extravagante em suas exigências. Como ele não tem conteúdo específico, mas gosta apenas de se expandir, ele escolhe o caminho mais fácil, conquistando a adesão "espontânea" de seus sujeitos. Como? Simples: operando "obviamente" "pelo bem dos cidadãos" -no caso, pelo bem das crianças.

Resumindo:
1) sou absolutamente contra qualquer castigo físico; 2) sou também contra a extensão do poder do Estado no campo da vida privada, por temperamento anárquico e porque sou convencido que, neste campo, as famílias erram muito, mas o Estado, quase sempre, erra mais.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Evento em Floripa


O Encontro Internacional “Controle Social e Justiça Restaurativa” é uma iniciativa do Grupo de Pesquisa e de Extensão UNIVERSIDADE SEM MUROS, do CCJ-UFSC/CNPq, Coordenado pela Dra. Vera Regina Pereira de Andrade.
Financiado pelo Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC e pela Escola Superior da Magistratura ( ESMESC), e apoiado pelo PET-DIREITO-UFSC, tem como objetivo a abertura de um amplo canal de comunicação e consolidação de intercâmbio entre as Instituições envolvidas, no campo do Controle Social e da Justiça Restaurativa, tema sobre o qual versará.

O Encontro reunirá Palestrantes da Universidade Simon Fraser (Vancouver-Canadá), da Universidade Federal de Santa Catarina e do Centro Cultural Escrava Anastácia (Organização da Sociedade Civil).
• A Conferência de Abertura ocorrerá no dia 11 de agosto, às 19 horas, no auditório da Escola Superior da Magistratura – inscrições no site da Esmesc
• Os Workshops se realizarão nos dias 11 e 12 de agosto, das 9h às 12 e das 14h às 17, no auditório do Centro de Ciências Jurídicas - UFSC, serão ao todo 4 oficinas – inscrições no site do Universidade sem Muros

As Inscrições são gratuitas
serão emitidos certificados de até 20h/a

Informações e inscrições:

SITE do projeto de PESQUISA E EXTENSÃO UNIVERSIDADE SEM MUROS: www.universidadesemmuros.blogspot.com

SITE DA ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA - ESMESC: www.esmesc.org.br

Homem tenta furtar luvas e caipirinha e vai preso

Deu no sítio da Engeplus:

"J.B, de 47 anos de idade, foi surpreendido por seguranças de um supermercado, no bairro Próspera, tentando furtar um par de luvas e um mix de caipirinha.

Em função dos antecedentes criminais pela prática de furto o delegado Carlos Emilio da Silva, de plantão nesta noite e madrugada, fez a lavratura do procedimento. O acusado foi encaminhado ao Presídio Santa Augusta em Criciúma."

Nota do Carlos Magno - compare com o tratamento dado aos que pertencem ao, como dizia Raimundo Faoro, estamento, lendo a postagem abaixo.

CNJ pune ministro com aposentadoria


Da Folha de São Paulo de hoje

"DE BRASÍLIA

O Conselho Nacional de Justiça decidiu ontem aposentar compulsoriamente o ministro do Superior Tribunal de Justiça Paulo Medina.
Por unanimidade, os integrantes do CNJ entenderam que existem indícios da participação de Medina em um esquema de venda de sentença judicial em favor de bicheiros e donos de bingos. A decisão ainda pode ser contestada no Supremo Tribunal Federal.

Medina também responde a uma ação penal no STF, onde será julgado por prevaricação e corrupção passiva.
No CNJ, Medina respondeu a um processo administrativo disciplinar e recebeu a pena máxima prevista na Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que é a aposentadoria, mas vai continuar recebendo os salários proporcionais ao tempo de serviço.

Hoje o salário de um ministro do STF é de R$ 25,4 mil. Por conta das investigações, Medina já estava afastado do cargo há mais de três anos recebendo o salário integral, e deverá continuar recebendo o mesmo valor: só deixará de receber os vencimentos se for condenado na ação penal.

O advogado de Medina, Antônio Carlos de Almeida Castro, afirmou que iria conversar com seu cliente antes de apresentar recurso.