da Folha de São Paulo de hoje.
"Nestes últimos anos, um dos fenômenos mais dignos de nota foi o fortalecimento da universidade pública graças a um importante ciclo de expansão e interiorização do sistema federal. Tal fenômeno merece estar presente na pauta do debate eleitoral que se inicia.
Em 2002, as universidades públicas federais encontravam-se em situação terminal. O deficit de professores necessários para simplesmente conservar o sistema tal como era nos anos noventa chegava a 7.000. Talvez alguns se lembrem do caso de universidades que precisaram limitar sua atividade noturna por não ter dinheiro para pagar conta de luz.
No lugar das universidades públicas, vimos uma política que incentivava a proliferação de universidades privadas, em larga medida, dissociadas do tripé pesquisa/docência/extensão e cuja qualidade, até hoje, não passou o estágio do duvidoso.
É bem provável que esta experiência tenha mostrado que o sistema privado sai-se muito bem quando é questão de criar centros direcionados à formação para o mercado (como escolas de administração de empresas, publicidade, comunicação, economia, entre outros).
Mas, excetuando as universidades confessionais, os resultados são ruins quando se trata de implementar sistemas universitários complexos capazes de atrair profissionais dispostos a desenvolver habilidades de professor, pesquisador e divulgador de conhecimento.
Alguns criticam o processo recente de ampliação e fortalecimento da universidade pública afirmando que se tratam de universidades caras e de baixa capacidade de absorção das exigências de empregabilidade. No entanto, o sistema universitário público brasileiro é, em larga medida, adequado para os desafios do nosso futuro. Ele garante autonomia de pesquisa ao corpo docente, flexibilidade relativa de escolha de disciplinas para alunos (o que permite particularização da formação), além de abertura para a constituição de estruturas interdisciplinares.
Não precisamos discutir o modelo universitário público, mas aprofundá-lo, permitindo que ele democratize seus modos de gestão, de decisão e que enfim desenvolva todas suas potencialidades e pluralidades.
Por exemplo, vez por outra, aparece alguém afirmando que seria melhor às universidades públicas terem ligação mais profunda com o mercado, um pouco como certas universidades norte-americanas, cuja boa parte de suas linhas de financiamento depende da capacidade em captar recursos da iniciativa privada.
No entanto, seria interessante perguntar a estas pessoas quem então pagará pesquisas que visam mostrar a ineficácia de tratamentos do sofrimento psíquico baseados na medicalização. Certamente, não a indústria farmacêutica. E quem pagará as pesquisas que mostram a participação do empresariado nacional na Operação Bandeirantes e no financiamento do aparato repressivo da ditadura militar? Certamente, não o empresariado nacional. E quem pagará as pesquisas que visam expor os resultados catastróficos da liberação das ações do sistema financeiro em relação à tutela do Estado? Certamente, não os bancos.
Estes são apenas alguns exemplos de limitação do espectro de reflexão da universidade caso um novo modelo se imponha e caso relações de parceria entre mercado e universidade se transformem em confissões de dependência.
VLADIMIR SAFATLE é professor no departamento de filosofia da USP
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