São Fco.

São Fco.

terça-feira, 25 de junho de 2013

A resposta de Dilma ao clamor das ruas


No dia 21 de junho a Presidente da República fez pronunciamento à Nação, em decorrência das manifestações que ocorriam e ainda ocorrem por todo o país. Foi um discurso correto. Ela nem derrapou (lembrem-se de Collor, que em uma fala desastrada incendiou o país contra si próprio), nem surpreendeu.
                Mas foi uma fala frustrante, em especial porque a retórica tem seus limites: o momento exige ação política em diversos níveis.
                Nesta segunda-feira, 24 de junho, Dilma voltou à cena. Após simbolicamente se reunir com o MPL e com governadores e prefeitos de capitais, apresentou cinco pactos nacionais, relacionados com as esferas fiscal, política, saúde, educação e transportes. Desta vez sua fala não foi apenas um discurso, mas ação política concreta. Dos cinco pactos, o mais decisivo e impactante é o político, consistente em uma proposta de reforma constitucional específica atrelada a um plebiscito no início e um referendo ao final (foi o que eu entendi, precisamos ver a proposta no papel).
                Uma observação importante: o quadro político do momento é de crescente tensionamento das forças em disputa. Neste sentido, qualquer proposta de Dilma, que não fosse a sua renúncia, seria mal recebida pelos setores críticos ao governo. Se apenas fossem encaminhados projetos de lei ou novas PEC’s, seria dito que estas já abundam Congresso Nacional. Se a constituinte fosse plenipotenciária e não específica, seria criticada como tentativa de subverter a ordem constitucional (mexeria também na ordem econômica, na regulação da mídia, em tudo). Se não se falasse em consulta popular, seria criticada por não ouvir o povo nas ruas, deixando as mudanças a cargo dos sarneys e renans (tão odiados quanto votados cotidianamente por este povo que hoje grita nas ruas por ética).
                Ao propor uma constituinte exclusiva, Dilma ao menos busca dar uma resposta a alguns pontos concretos que estas manifestações tão heterogêneas têm levantado: a afirmação presente na insatisfação popular com as mazelas do sistema representativo e o desejo de mudar o que está aí com a participação desta mesma população. Neste sentido, a sinalização de mudanças constitucionais articuladas com a consulta popular atinge em cheio estas demandas: (1) muitos pontos importantes de uma reforma política (não todos) necessitam de alterações no texto constitucional; (2) a consulta popular é o meio possível de os cidadãos pressionarem o Legislativo no sentido de fazerem a reforma desejada, muitas vezes contrariando os interesses diretos dos atuais deputados federais e senadores.
                Quero reafirmar minha opinião sobre o sistema político constitucional atualmente vigente no país. Ao meu sentir, a CRFB é instrumento avançado de implementação de um regime democrático. Primeiro pela sua origem, marcada pela ampla participação em sua produção  dos diversos setores da vida da nação que se redemocratizava após os anos escuros da ditadura. Segundo, por conter mecanismos avançados de participação popular, não se exaurindo na formatação de uma democracia representativa. Assim, temos lá o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, replicados em âmbito estadual e municipal. Ela é, na verdade, o marco jurídico de uma democracia participativa, como o confirmam leis infraconstitucionais que instauraram conselhos de direitos os mais diversos, determinando a participação direta dos membros da comunidade em processos importantes para a vida social como é o caso do estatuto das cidades e a elaboração dos planos diretores dos municípios.
                Mas as manifestações, dentre as muitas e contraditórias coisas que apontam, indicam que a população quer mais. E a análise perfunctória do texto constitucional indica que é possível promover alterações que possam se revelar avanços. Por que não discutir o voto obrigatório, o sistema eleitoral proporcional, a existência dos suplentes de senadores, só para citar alguns exemplos? Por que não limitar o número de mandatos consecutivos de deputados e senadores, evitando a profissionalização e oxigenando o sistema político? Voto aberto ou em lista? Por que não vincular o processo legislativo em alguns temas vitais para a cidadania à realização de consultas populares? (com a devida observação de que já sabemos bem que democracia não é apenas atenção ao princípio majoritário, mas a soma de vontade da maioria com respeito aos direitos fundamentais, aí o papel fundamental da nossa corte constitucional, sempre imprescindível)
                Ainda não temos conhecimento da proposta concreta do governo federal. Em virtude disso, qualquer avaliação da proposta neste momento é feita apenas em tese, sem endossar futuras elaborações da equipe de Dilma. Mas a ideia da constituinte pode ser sim interessante, pois a aprovação por PEC (aliás, origem da atual CRFB/88, ver emenda nº 26) deste processo poderia facilitar o encaminhamento dos temas, já que uma constituinte deverá ter procedimento de votação mais facilitado, imagina-se que em reunião unicameral e por maioria absoluta. Isto pode desatar alguns importantes nós. Uma proposta como esta seria despropositada se não tivéssemos vivenciado as manifestações que ora vivenciamos. Diante do desafio de vida e morte para o sistema político e o governo, a resposta de Dilma, agora sim, foi à altura das pretensões e aspirações populares. Pergunta-se: e os governadores estaduais e prefeitos, que dirão e farão a respeito? E o Legislativo e Judiciário, igualmente alvo de muitas das críticas contidas nestes protestos?
                Mais importante, com a saída das autoridades da catatonia inicial, pode-se passar da fase caótica instalada por este evento imprevisível e impressionante, para a discussão racional de pautas a serem enfrentadas com os mecanismos institucionais vigentes e legítimos da CRFB. Se já entramos no debate sobre as medidas do governo discutindo-as a partir do código “constitucional”/”inconstitucional”, já é um excelente sinal, pois o sistema jurídico já começa a processar a complexidade infinita manifestada nas ruas.  
                Salvo, é claro, para aqueles que, inseridos no processo, não viram nada de interesse além da possibilidade de abalar a hegemonia governista sólida e democraticamente constituída, ainda que ao custo de arrastar junto nossa democracia em construção. Democracia que, agora, tem uma chance concreta de se reinventar.

P.S.: uma ressalva ao que foi proposto por Dilma ontem. Não concordo justamente com aquilo que deverá receber aplauso geral: corrupção como crime hediondo. Minha leitura crítica do sistema penal não me permite endossar esta medida. Mas, se for para sair deste atoleiro, vá lá que os corruptos sejam um pouco atingidos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Serão aceitos comentários de todas as posições ideológicas, desde que sejam feitas sem agressões ou termos chulos.