São Fco.

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quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Salsichas e o Supremo

Zapeando ontem pela tevê a cabo, passo pela GloboNews e vejo os dois destaques do julgamento do "mensalão" do dia de ontem: (1) um debate entre Lewandowski e Mendes mostrado como uma discussão sobre picuinhas, onde o contexto evidenciava um L. pouco humilde por não aceitar críticas de M. e um M. preocupado com a correção das coisas e aceitando críticas; (2)a mudança de votos de dois ministros para condenar alguns réus por alguns dos incontáveis crimes, com direito a mostrar a parte da fundamentação onde o ministro que corrigia sua posição afirmava peremptoriamente "não restar qualquer sobra de dúvida da culpa dos acusados tais e tais...". §§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§ Estas duas imagens me trouxeram à cabeça imediatamente a frase de todos conhecida, proferida pelo unificador da Alemanha em 1871, Bismarck, algo como: "Ah se o povo soubesse como são feitas as leis e as salsichas!" §§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§ Num século onde muitos acreditavam que a hermeneutica jurídica podia ser explicada com mero recurso ao silogismo lógico, a tônica na disciplina das relações sociais estava toda focada nas leis, que, alertava Bismarck, não eram feitas da maneira idealizada nos discursos dos liberais de então. §§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§ No século XXI, que no direito brasileiro acolhe com tranquilidade um judiciário criador e bota fé na força e segurança dos princípios bem ponderados pelo juiz Hércules de Dworkin, o foco da disciplina das relações sociais volta-se com tudo para o judiciário, que tem em muitas ocasiões mostrado vontade de inovar e fazer avançar a regulação jurídica em nosso país.§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§ Mas tal como uma coisa é ver uma lei feita, pronta e acabada, e outra é vê-la sendo feita, tomando conhecimento de negociações sigilosas ou mesmo tomando ciência de que deputados e senadores às vezes votam sem saber o que estão votando (denunciado pelo M. Moore, em relação ao Congresso dos EUA no Farenheit 09-11). Bismarck expressou sua convicção que a consiciência popular sobre o processo legislativo real não aumentaria a credibilidade e eficácia das leis em seu tempo. §§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§ E hoje, com a jurisprudência tendo no Brasil o papel protagonista que assumiu com vigor, cabe a pergunta: a transmissão das sessões de julgamento dos tribunais aumentará a credibilidade do judiciário? §§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§ Aprendi com WARAT que as crenças vinculadas à visão ideológica da hermeneutica jurídica são essenciais para que o direito possa cumprir suas funções sociais. Para que o cidadão leve seu conflito a um terceiro e não queira resolvê-lo à moda antiga (justiça com as próprias mãos), é importante que o judiciário seja visto como neutro e imparcial e que a dogmática jurídica seja vista como ciência também. §§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§ Se a exposição abundante do desentendimento de ministros do STF como se fossem crianças birrentas (atendendo a interesses "ad hoc" da mídia) ou os posicionamentos contraditórios de um mesmo ministro, igualmente enfáticos quando absolve e condena logo em seguida (imaginem se a população descobrisse o exército de assessores que atualmente ocupa o lugar de Hércules, sem suas garantias de inamovibilidade etc.), gerarão abalo no poder jurídico de regular e controlar as expectativas sociais é questão ainda a ser verificada. §§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§ É verdade que o povo continua comendo salsichas muitas décadas depois do alerta de Bismarck, mas também é verdade que a globonews não expõe seu processo de produção ao vivo e diariamente nas telas de nossas tevês.

Contardo Calligaris - Quanto vale uma virgem?

Da Folha de São Paulo de hoje. ///////////////// Uma catarinense de 20 anos, Catarina Migliorini, está leiloando sua virgindade. Isso acontece no quadro de um programa da televisão australiana, "Virgins Wanted" (procuram-se virgens), "mezzo" documentário "mezzo" reality show (a Folha de 26 de setembro publicou o depoimento da moça, http://acervo.folha.com.br/fsp/2012/09/26/15). Os lances são dados pela internet; quem ganhar o leilão receberá seu lote durante uma hora, dentro de um avião que sobrevoará o Pacífico. O leilão devia terminar na segunda passada, mas foi prorrogado até 25 de outubro. Hoje, a virgindade de Catarina está valendo mais de R$ 500 mil. Concordo com Hélio Schwartsman (na Folha de domingo passado): a questão interessante, nessa história, não é a conduta da moça, mas a extraordinária valorização da virgindade. Schwartsman foi procurar respostas em Paul Bloom, um psicólogo evolucionista, que eu não levo muito a sério, mas que acho engraçado (o que já é um ponto a favor). Segundo Bloom (e outros evolucionistas, mas não todos -por sorte da disciplina), nossa maneira de pensar (no caso, nosso apreço pela virgindade) é um resto da maneira de pensar de nossos antepassados do Pleistoceno (que é quando o homem apareceu na Terra). Não sei como Bloom sabe das ações e dos pensamentos do homem pré-histórico, mas, segundo ele, o homem do Pleistoceno queria sobretudo propagar SEUS genes, não os dos outros; portanto, ele preferia mulheres virgens. Aviso prático ao leitor: cuidado, casar com virgem não garante que a dita virgem engravide só da gente -a vida é longa. Fora isso, o homem do Pleistoceno, segundo Bloom, se preocupava muito com a sobrevivência dele mesmo, de seu clã e de sua espécie. Ou seja, por determinação biológica, ele era parecidíssimo com um ocidental do século 19. Por que será? Enfim, meus informantes do Pleistoceno (diferentes dos de Bloom), além de não saberem o que é um gene, tampouco sabem que é transando que se engravida uma mulher. Os poucos com os quais conversei confessaram, aliás, que eles preferiam mulheres que não fossem virgens, pois, percebendo que corticoides e antibióticos levariam tempo para serem inventados, eles estavam com muito medo de esfolar seu membro. Bom, trégua de ficção científica e vamos para a experiência concreta. A virgindade feminina era um bem apetível no interior da Itália central, quando eu era criança, e o código de honra mandava pendurar na janela o lençol manchado de sangue depois da primeira noite de núpcias. Havia desonra na ideia de que a mulher, tendo amado outro homem, fosse a aliada de um grupo diferente do clã do marido e do dela (traição mais séria do que qualquer brincadeira carnal ou amorosa); e havia desonra na suposição de que o marido não tivesse sido capaz de deflorar sua esposa. O lençol resolvia a questão. O código de honra é aquela coisa pela qual é preciso estar disposto a morrer. Ele não é do Pleistoceno, mas é muito mais antigo do que o século 19, onde floresceu a ideia de que os indivíduos, os grupos e mesmo as espécies só querem evitar a extinção e onde parecem viver os homens do Pleistoceno de Paul Bloom. Código à parte, a virgem tem uma série de atrativos. 1) Para ela, por mais que sejamos medíocres, seremos inesquecíveis. 2) Diante dela, em tese, seremos sem rivais (doce ilusão e mais um conselho prático: em matéria de amor, melhor rivalizar com um outro real do que com a idealização de outros apenas sonhados). 3) A ignorância sexual da virgem alimenta a ilusão de que podemos lhe ensinar alguma coisa e que, portanto, sabemos algo sobre o sexo. Mas os atrativos da virgem empalidecem diante dos atrativos da virgem prostituta -requisitadíssima: há leilões de virgens prostitutas pelas zonas do Brasil inteiro. Por quê? Muitos homens vivem divididos entre dois tipos de mulher: a "puta", que eles desejam, mas que não conseguem amar, e a virgem, que eles amam perdidamente, mas que eles não conseguem desejar (ela é linda, pura e intocável, como a mãe). A figura da virgem prostituta carrega em si essa contradição: como virgem, ela é parecida com a mãe, intocável e apenas amável, mas, por ser prostituta, ela é desejável e acessível. Comprando uma hora com a virgem prostituta, alguns talvez sonhem juntar, por uma vez, amor e concupiscência; é uma fantasia poderosa: a de conseguir, enfim, reverenciar amorosamente um corpo ilibado, mas sem renunciar a sujá-lo com seu desejo. A esses alguns, boa sorte no leilão!

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Quadro estável para as comunitárias catarinenses

A ACAFE publicou suas estatísticas referentes ao ano de 2011. Minha tese de doutorado analisou os dados disponíveis então, que iam apenas até o ano de 2010./////////////////////////////////// O que se via até 2010 era que o ano de máxima expansão das comunitárias catarinenses fora o ano de 2005, com uma curva descendente em seguida. Os números de 2011 mostram uma estabilização do número de matriculados nos cursos de graduação, apesar do forte esforço na diversificação da oferta de produtos, com destaque para cursos tecnológicos. //////////////////////////////////// O Diário Catarinense deste final de semana apresentou entrevista com o presidente da ACAFE, que informou que apenas a UNESC e UNIVALI migrarão para o sistema federal de ensino, para credenciamento às benesses do PROIES. ///////////////////////////////////////// Isto evidencia duas coisas: (1)que as condições do PROIES não foram a tábua de salvação das instituições em sua crise de recursos, podendo ser comparada melhor a um cilindro de oxigênio que ajudará a respirar por mais algum tempo somente e (2)o quão fundamental para o sistema ACAFE é a pertença ao sistema estadual de ensino, "locus" onde reguladores e regulados, fiscalizados e fiscalizadores se confundem magicamente nas mesmas pessoas, fornecendo um ambiente sem o qual não se pode compreender o que significa o sistema ACAFE para a configuração política do Estado de Santa Catarina.

Democracia na Venezuela

Transcrevo esta observação do blog "Viomundo", a qual subscrevo, sobre o quadro político na Venezuela. (ainda não sabemos os resultados da última eleição). /////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// "Eu fico imaginando a ginástica dos editores da Folha para dar um título que de alguma forma comprometesse Hugo Chávez como ditador. Contexto é tudo: a Constituição venezuelana prevê o instituto do recall (não temos isso) e um poder independente para organizar as eleições (ao contrário do Brasil, onde as eleições são organizadas pelo mesmo poder que julga possíveis irregularidades no pleito). A Venezuela usa o papelzinho que possibilita recontagem ou verificação de fraude por amostragem; o Brasil, não. No Brasil, sim, o mecanismo que garantia o sigilo do voto foi derrotado por especialistas. Finalmente, é só ligar a TV ou ir a uma banca de jornal em Caracas para ver a diversidade de opiniões, ausente no Brasil."