São Fco.

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terça-feira, 22 de agosto de 2017

Semipresidencialismo é o novo eufemismo do golpe


No ano passado a Presidenta da República foi destituída do cargo por meio de uma manobra, que utilizou o constitucional instituto do impeachment para dar um voto de desconfiança na chefe de Estado e de Governo. Com este golpe se interrompeu um ciclo de 16 anos da esquerda democrática no poder federal no Brasil. O PSDB e o DEM, partidos derrotados nas últimas eleições ascenderam ao poder, o último interrompendo um verdadeiro processo contínuo de encolhimento político que parecia levá-lo à extinção. Reformas neoliberais foram imediatamente implementadas, como a reforma do ensino, a lei das terceirizações e a reforma trabalhista. A reforma da previdência está à espreita, podendo ser aprovada a qualquer momento.

Por estes dias se fala muito em reforma política. Esta semana se falou em parlamentarismo, ou o seu eufemismo, o semipresidencialismo. Tudo o que vem acontecendo no país desde a destituição ilegal de Dilma Rousseff tem apenas uma direção: dar continuidade ao processo de circunscrição, de delimitação das forças políticas populares e suas lideranças. Não se faz um esforço imenso de golpear-se a democracia e fazer ajustes impopulares para depois permitir que seja alçada novamente ao poder uma liderança do campo democrático e popular. Por isto coloquei a foto de Lula para ilustrar esta postagem. Distritão? Voto distrital? Parlamentarismo? Semipresidencialismo? É de Lula que se trata, "estúpido"! De evitar seu retorno à presidência da República.

Para isso estão sendo feitos filmes, escritos livros, direcionada a linha editorial da mídia hegemônica. Para isso sentenças e acórdãos serão prolatados, a Constituição será alterada.

Mas existe um debate sobre sistemas de governo. Há diversos países que adotam diversos sistemas de governo, de acordo com a sua história. O que nos mostra a história do Brasil?

Em primeiro lugar a história do Brasil nos mostra um país que adotou inicialmente o sistema parlamentar. No século XIX, quando éramos uma monarquia. Esta experiência nos é de pouca valia para pensarmos o retorno do parlamentarismo para o Brasil republicano atual. Porque a base da estabilidade política gerada pelo parlamentarismo imperial era a negação da condição de pessoa à maior parcela da massa de trabalhadores do país. Sim, falo da escravidão.

Na República fomos sempre presidencialistas. Ou quase sempre, pois o parlamentarismo foi adotado em 1961, como golpe. Sim, como golpe, pois foi uma saída "constitucional" para permitir que Jango assumisse a presidência da República como mandava a constituição de então. Tivemos um curto período em que conviveram um presidente chefe de Estado e um primeiro ministro chefe de Governo, aliás, o saudoso Tancredo de Almeida Neves.

Logo um plebiscito foi feito e a experiência parlamentarista encontrou seu fim. Sim, o povo, este detalhe para as elites brasileiras, optou pelo retorno do presidencialismo. Não é demais destacar que tivemos três consultas populares diretas nacionais em nossa história política, e duas delas foram sobre o tema do parlamentarismo. Nestas duas ocasiões o povo, este detalhe, escolheu o presidencialismo. Por este motivo espertalhões como Gilmar Mendes, Rodrigo Maia e Michel Temer estão a falar em semipresidencialismo. Para não assumir frontalmente a sacanagem que estão prestes a cometer com o sistema político e com a democracia do Brasil.

Existem muitas discussões que podem ser feitas sobre os sistemas de governo. A mais importante, porque vai direto ao ponto, e nós não podemos nos deixar ludibriar neste momento decisivo para o país,  é que a mudança de sistema neste preciso momento tem a clara intenção de sabotar a possível volta da esquerda ao poder por meio do voto. A direita não tem um candidato competitivo e as reformas que estão promovendo nunca serão sufragadas pela população em um contexto de eleições livres. Daí a necessidade de circunscrever o poder popular a uma função decorativa, cerimonial, que é o papel do chefe de Estado nos regimes parlamentaristas. O rei reina, mas não governa. Para as elites ilustradas brasileiras, o papel reservado à esquerda será o de apertar mãos de outros chefes de Estado e prestar condolências em tragédias naturais nacionais. Isso Lula poderia fazer. Ou um seu indicado. Mas as políticas públicas, estas são preciosas demais para deixar em mãos tão ameaçadoras. No parlamentarismo, este é o ponto crucial, o povo perde o controle direto do processo político que tem no presidencialismo. É só observar o que acontece em países como Espanha e Itália.

Além disso, o parlamentarismo institucionaliza a instabilidade política, enfraquecendo a cidadania política e fortalecendo o poder oculto das elites, que dispõem de mais elementos para fragilizar as lideranças entronizadas por meio do voto. Trata-se de um ataque frontal ao princípio constitucional da soberania popular.

Imaginem um parlamentarismo de partidos débeis, caso brasileiro! É o sonho de Joesleys, Odebrechts, Marinhos e Setúbals! Preparem-se, pois a permanecer a inércia e fragmentação da esquerda e a avidez dos setores da elite nacional, este sonho se tornará realidade em breve.


quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Reforma política em tempo de golpe

Os jornais anunciam que hoje a Câmara dos Deputados poderão alterar substancialmente as regras do jogo político no Brasil. A principal medida a ser tomada é a substituição do sistema proporcional pelo assim denominado "distritão", modelo em que, em cada estado, os mais votados pura e simplesmente serão aqueles que irão compor a bancada junto às casas legislativas.

Desde 2015 estamos no modo golpe, esta observação é essencial para entender os ventos de mudança. O instituto constitucional do impeachment foi utilizado "ad hoc" como voto de desconfiança (manobra típica do parlamentarismo, estranha ao presidencialismo) para interromper o ciclo de 4 mandatos consecutivos da esquerda na Presidência da República.  Ninguém deve imaginar que um esforço desta natureza será acompanhado de leniência na sua consolidação. Tudo o que é feito desde a destituição da presidenta Dilma Rousseff é voltado a evitar o retorno da esquerda ao poder federal.

Não nos espantemos com nada: mudança no sistema eleitoral, adoção do parlamentarismo, perseguição judicial ao ex-presidente Lula, tudo será feito para que a direita permaneça no controle do país.

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Sempre digo aos meus alunos que nossas instituições jurídico-políticas são muito sofisticadas e até mesmo bem construídas. Na minha opinião nossas instituições são melhores em muitos aspectos aos de muitos países que chamamos de democracias consolidadas. Elegemos diretamente o chefe do Executivo (federal, estadual e municipal). Isso não é o que acontece nos EUA e também não se repete nos países parlamentaristas em relação ao chefe de governo. Neste sistema, o cidadão vota e somente depois da apuração e aferição da força de cada agremiação partidária é que as forças políticas definirão com autonomia em relação aos eleitores a configuração do governo.

O principal item de sofisticação em nossas instituições é o sistema eleitoral proporcional. Poucos o compreendem, dada a sua abstração. Ouço muita gente esclarecida criticá-lo por aspectos que na verdade são decorrentes de suas virtudes. Poucos entendem que o Parlamento, queiram ou não, gostem ou não, depende para o seu funcionamento dos partidos políticos.

A eventual derrota do sistema eleitoral proporcional nestes dias tem um efeito estrutural profundo. É que é ele que permite uma sofisticada composição dos Parlamentos em todos os níveis, levando para as casas legislativas políticos e partidos que representam bandeiras minoritárias. Com a minoria representada no Parlamento, o sistema democrático apresenta melhores condições de funcionar como um sistema de construção de compromissos e consensos entre as diversas forças políticas existentes numa nação complexa como o Brasil. Com a adoção do "distritão" e posteriormente do sistema distrital, o Parlamento perde este potencial e o sistema democrático propende a se tornar mais oligárquico, o Parlamento sendo cada vez mais a casa das elites.