São Fco.

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quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Razões de uma derrota



Uma eleição é sempre um conjunto de detalhes a influenciarem o resultado final. Quero registrar uma percepção que tive do processo, vendo seu desenrolar a partir da posição de professor universitário em um curso de direito.

No início do processo eleitoral era nítido que os jovens tinham dificuldade em manifestar seu apoio a Dilma e ao PT. Para quem tem 18 anos, o PT é um partido do poder. Não existe neles a memória das lutas na redemocratização. Os jovens de esquerda manifestavam-se com mais tranquilidade em seu apoio ao Psol, principalmente.

Mas, Aécio Neves ajudou muito a mudar isto no segundo turno. Ele recebeu apoio de tanta gente repudiada pela juventude que facilitou e muito a vida de Dilma. Quando ficou claro que Malafaia, Bolsonaro, Feliciano e outras figuras do reacionarismo mais tacanho estavam com ele, ficou fácil perceber o lado certo na disputa.

Também não ajudou em nada indicar desnecessária e antecipadamente seu ministro da Fazenda, que desastradamente afirmou coisas como "o salário mínimo está muito alto".

Mas a maior gafe fica para o FHC e seu comentário sobre serem os eleitores do PT os mais desinformados. Ofender o auditório é erro argumentativo gravíssimo.

Que bom, continuem assim!


Continuidade do Projeto democrático popular



Feliz.

Feliz com a vitória da Dilma, quarta vitória consecutiva do Partido dos Trabalhadores para a Presidência da República. Vitória maiúscula, com mais de três milhões de votos de diferença e, gostinho especial, ganhando na casa do adversário: Minas Gerais.

Esta eleição foi muito mais qualificada politicamente que a última. Em 2010, no final, o José Serra apelou para a questão do aborto e o debate foi para direções muito secundárias no que diz respeito a uma eleição presidencial. Em 2010 a Dilma era também a candidata do Lula, não tinha um voo próprio.

Nesta eleição o eleitorado se dividiu claramente diante de um quadro nítido de dois projetos diferentes para o país: o do PT, mais à esquerda; e o do PSDB, perceptivelmente mais situado à direita no espectro ideológico. Foi também o processo em que Dilma ganhou vulto próprio, se estabeleceu como liderança nacional. Lula estava ao lado, com forte apoio, mas não era mais "o cara" da eleição.

Esta eleição tem um significado que extrapola a dimensão do país. No jornal "El país", espanhol, nas vésperas do dia da eleição seus colunistas não esconderam o entusiasmo com a perspectiva de derrota do PT e vaticinaram o fim do ciclo de importância das esquerdas na América Latina (sua ex-colônia). Que bom que erraram. Experiências riquíssimas em países como Bolívia, Uruguai, Equador, Chile e Venezuela ganharam um apoio discreto, mas importante. A vitória do PSDB significaria alinhamento automático com os interesses dos EUA, que não vê com bons olhos estes exercícios de autonomia que têm sido implementados naquilo que historicamente consideravam seu quintal.

A notícia ruim é que um sentimento antipetista recrudesceu em uma parcela importante da população. Aécio "entrou nessa", ajudando a fanatizar uma massa reacionária que só faz aumentar um ódio irracional contra o PT. O "dia da libertação" não foi domingo, como ele pregara. Ficou para 2018. Será ele o candidato? A campanha nacionalizou o nome dele, mas também escancarou suas múltiplas fragilidades. Ele é um candidato com muitos flancos a serem explorados no que Perelman chama de "ethos do orador". Eu não me espantaria se em 2018 Alckmin se apresentasse. Ele não tem os problemas de Aécio e, para o país, seria um nome muito mais gabaritado. Isso em caso de derrota do PT, o que não é possível antever.

Triste foi ver Santa Catarina consolidar seu posicionamento conservador. Na minha cidade natal, Criciúma, novamente o PSDB fez mais que dois por um: 75000 a 35000. Fiz um outro post mostrando como minha cidade deixou de votar majoritariamente no PT nos anos 90 e virou completamente a partir da eleição de 2006. 

Criciúma é uma cidade com tradição de lutas populares, lugar de sindicatos combativos, o maior deles o da categoria dos mineiros de carvão. É incrível que tendo eleito um prefeito do PT em 2000, tendo dado vitória a Lula em 1994, 1998 e 2002, e tendo reeleito este prefeito em 2004 (cassado pela justiça eleitoral num episódio cercado de aspectos duvidosos), acabou por se consolidar como lugar predominantemente conservador. Seu último vexame foi em 2012, com a eleição dos 80% de votos anulados, dados a um candidato "ficha-suja" do PSDB (vindo do PFL).

Cito Criciúma porque vendo esta pequena cidade industrial  tento compreender este processo que o André Singer bem registrou em seu livro sobre o lulismo, de migração do eleitorado do PT. É um estudo de caso deste fenômeno, sem dúvida.

O desafio do PT é resgatar este eleitorado perdido em seus 12 anos de governo. Esta deveria ser uma estratégia prioritária.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Depois das eleições




Faltam poucos dias para as eleições de segundo turno para a presidência da República. As pesquisas e o clima eleitoral  indicam uma eleição disputadíssima. Talvez a diferença entre vencedor e vencido passe pouco de um milhão de votos, o que é um placar apertado para um total de 140 milhões de eleitores. É um cenário ideal para alguém mal-intencionado que estivesse disposto a fraudar o resultado da eleição, pois um quadro onde tudo é possível torna uma fraude verossímil. Mas não há indícios sérios de que isso venha ou mesmo possa ocorrer. Mais produtivo é refletir sobre os dois cenários que hoje se apresentam como possibilidades concretas.
Aécio vence. Não será uma grande surpresa. O partido que ele integra há muito tempo é um partido que possui quadros confiáveis, preparados, acostumados à gestão pública. Pessoalmente, para ele, a presidência teria chegado precocemente. Do que vi na campanha, Aécio não está ainda preparado para um tão elevado posto, devendo passar por um período de adaptação de seus hábitos de vida imaturos para a sisudez que o cargo impõe. Certamente serão anos de uma mudança importante  na condução do Governo, pois o PSDB defende menos Estado, e isto terá muitas implicações em diversas dimensões da vida nacional. Por outro lado, por tudo que temos aprendido dela, Dilma deverá ser uma “boa perdedora”. Deverá reconhecer o resultado e desejar um bom governo a Aécio. Como não é líder partidária, deverá ser a primeira ex-presidente que agirá de acordo com a liturgia imaginada da função, podendo em médio prazo se afirmar como dotada de boa dose de autoridade moral.
Uma alteração fundamental na derrota de Dilma são as consequências da saída do PT do governo. O maior e mais consistente partido brasileiro terá uma grande oportunidade de avaliar seu papel e suas estratégias depois de 12 anos de governo. Acredito que, para o PT, seria melhor perder do que ganhar. É que nestes doze anos o movimento de evolução do partido é sempre o de perda de consistência ideológica rumo à transformação num partido tradicional brasileiro (o que quase ele já é integralmente). Seria uma ótima oportunidade de, com suas lideranças fora da gestão federal, provocar uma interrupção nesta transmutação negativa que tem consequências importantes para o processo democrático brasileiro. A derrota do PT também traria um efeito imediato: uma nova ebulição dos movimentos sociais, que se veriam imersos novamente em sua dimensão contestatória e reivindicativa em sua plenitude, sem o efeito anestésico que a presença de parceiros de luta na máquina do Estado acaba por produzir.
Dilma vence. Igualmente não será uma grande surpresa. O PT retardará em quatro anos sua autocrítica necessária enquanto partido político. Será ruim para o PT naquela supracitada dimensão mais profunda, mas será melhor para o país no meu ponto de vista. Torço para mudanças no país, mas no sentido de aprofundar o processo democrático e de diminuir as desigualdades sociais: mudar por mudar nunca é o caso. Neste sentido o Brasil ganha com mais 4 anos de PT na gestão federal. Mas o país sai rachado desta eleição.

A margem da vitória será apertada, já disse acima, mas mais que isso, a postura de Aécio como candidato de oposição insuflou a atitude antipetista reinante em parcela significativa da sociedade brasileira, em especial nas camadas superiores (superioridade em sentido econômico) da pirâmide social. Aécio tem dito que domingo será o dia da libertação, dia em que o Brasil vai se libertar do PT. Espero ansiosamente sua fala após serem publicados os resultados com a notícia da vitória de Dilma. Ele, que tem um futuro todo pela frente, bem poderia pensar como estadista e (1) reconhecer tranquilamente o resultado e (2) emitir um discurso de reconhecimento das virtudes de seu oponente. Existe muito ódio de parte a parte que emergiu nestas eleições. Cabe às lideranças de ambos os bandos em disputa jogar água nesta fervura, aplacar os exaltados ânimos.

A eleição, o processo em todas as suas dimensões, só evidenciou que o Brasil vive hoje um momento de auge de suas instituições democráticas e republicanas. A pluralidade de forças políticas que emergiu das urnas vitoriosa, assim como a ampla liberdade com que a disputa se desenvolveu em todo o país, evidenciam que a expressão “ditadura petista” não possui o menor fundamento na realidade.
A verdade é que as dimensões e a especial forma federativa que o país apresenta facilitam a acomodação das lideranças políticas das mais diversas colorações ideológicas. Como a política tradicional brasileira é muito dependente da ocupação de cargos remunerados no aparelho do estado (verdade para a direita e esquerda), o fato de que existem além da presidência da República mais 27 estados-membros e outros mais de cinco mil municípios proporciona uma situação desfavorável à degeneração do agonismo em antagonismo.  Se Aécio perde, o PSDB ainda tem São Paulo. Se Dilma perde, o PT ainda terá Minas e Bahia, para citar exemplos. É um fator que arrefece os ânimos e ajuda a manter a disputa em termos adversariais, onde o objetivo democrático é derrotar o adversário, não eliminar um inimigo.
Elio Gaspari afirmou bem: a eleição de domingo é um plebiscito sobre mais 4 anos de poder federal para o PT. Os analistas políticos têm afirmado que quando existe reeleição, o que de fato sucede é que o governante recebe um mandato de oito anos com um plebiscito na metade, para autorizar a continuar ou não. E os números mostram que a regra é a manutenção do gestor.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Maturidade política no processo eleitoral brasileiro



O primeiro turno já foi. Dilma e Aécio, enfim!
Sem novidades no plano nacional, teremos novamente uma disputa entre PT e PSDB. Um grande sinal de maturidade política da democracia brasileira.

Todos os demais candidatos, ainda que não se possa retirar a legitimidade de se apresentarem ao pleito, configuravam enormes aventuras políticas. Alguns ultrapassavam as raias do ridículo, caso do Levy Fidelix e de José Maria Eymael. Somente a falta de saudáveis mecanismos de cláusula de desempenho explicam a dimensão sobrevalorizada que estas figura acabaram tendo na eleição.

A aventura maior de todas, Marina Silva II, também passou. Marina, no formato que acabou se apresentando candidata (sem partido, fatalidade envolvida, discurso confuso e amadorismo total na condução política da candidatura), realmente não merecia mais tempo da consideração a sério dos eleitores brasileiros.

Restaram Dilma e Aécio. Ufa! Não precisamos mais temer o inesperado, a improvisação, a brincadeira com coisas sérias. Ambos pertencem a duas agremiações partidárias conhecidas, estão nelas há tempo considerável, que apresentam quadros necessários para dar conta da tarefa de administrar um país como o Brasil.

E mais, as colorações ideológicas se descortinam no embate eleitoral, ganhando contraste e definição clara para que os eleitores possam escolher que futuro querem para o Brasil.

Esquerda e direita democráticas, em síntese.

No contexto geral, o que se percebe foi o aumento da fragmentação partidária no Congresso Nacional, tendo os maiores partidos, PT e PMDB, diminuído suas bancadas na Câmara. Vai ser um pouco mais difícil governar (mais ainda se for o PSDB o vencedor).

Já se fala que o campo conservador aumentou sua bancada no CN. Isso constitui um freio decisivo para as ações de um segundo governo Dilma, que terá que novamente se modular diante da representação popular da próxima legislatura. Em caso de vitória de Aécio, que nesta campanha está se fazendo acompanhar de muitos rostos do reacionarismo autoritário brasileiro, o quadro se afigura anunciador de importantes retrocessos, em diversos aspectos da vida política e social do país.

Nos Estados, confirma-se a tradição plural do país, que ficou obscurecida nestes últimos 20 anos de fla-flu PT-PSDB na disputa federal.  Diversos partidos tiveram vitórias nos estados, até mesmo o pequeno mas aguerrido PCdo B levou o governo estadual do Maranhão.

Estas duas semanas serão decisivas para o futuro do país. Oxalá não retrocedamos na construção duramente feita nos últimos doze anos.

O Brasil precisa aprofundar seu processo democrático e intensificar as políticas públicas de inclusão social e redução das desigualdades sociais. Cumprir a constituição federal vigente, nascida da superação de um enorme trauma político, a ditadura militar.