São Fco.

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quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Intervenção militar constitucional?

O país avança consistentemente, desde o processo de deposição da Presidente democraticamente eleita há pouco mais de um ano, num quadro claro de degradação institucional. Para mim fica cada vez mais claro que podemos estar vivendo mesmo os estertores da Carta de 1988.

Só faltavam dois ingredientes para que o desmanche da República de 88 se apresentasse por inteiro: o crescimento político do separatismo sulista e a insubordinação na caserna. Apesar de haver um novo plebiscito promovido pelo movimento "O Sul é o meu país" marcado para as próximas semanas, felizmente este ainda parece um problema distante. Pena que não podemos dizer o mesmo em relação aos militares.

É importante assinalar, em respeito à verdade dos fatos, que até o dia de hoje as FFAA têm se portado de modo irrepreensivelmente republicano, de acordo rigoroso com a Constituição, configurando um quadro até mesmo de exceção diante de outras instituições, perdidas em práticas por vezes ilícitas, por vezes volutaristas, por vezes marcadas pela inércia criminosa.

Mas as coisas estão mudando rapidamente.

Repercute em todo o país uma palestra de um General em uma loja maçônica (a maçonaria, é público e notório, apoiou ostensivamente a deposição da Presidente Dilma Rousseff, nunca é demais assinalar), em que teria, ao responder a uma pergunta da audiência, afirmado com todas as letras que as FFAA já se preparam para cenários sucessivos de degradação institucional, e que mesmo no Alto Comando há esta percepção de que, se o Judiciário não resolver a questão, as FFAA estarão prontas para uma intervenção militar no cenário político.

Acabei de assistir à entrevista do Comandante do Exército no programa do Pedro Bial. Neste programa, o General informa que o General palestrante não foi nem será punido, mas que conversou com ele no Alto Comando. O entrevistado de Bial ainda citou o artigo 142 da CF para "lembrar" que as FFAA teriam autorização constitucional para intervir em caso de instalar-se o caos.

Explicando ainda a fala do General Mourão, disse que as aproximações sucessivas são por exemplo as eleições de 2018.  Será que precisamos desenhar? O que Mourão, respaldado pelo Alto Comando, espera especificamente do Poder Judiciário em relação às eleições de 2018? Aquilo que desde o início afirmamos ser um claro objetivo deste processo todo: o golpe de EStado, apesar de mais suave até aqui e revestido de filigranas jurídicas (todos são), sempre visou retirar definitivamente a esquerda democrática do poder federal. O recado dado esta semana é claro: se o Judiciário não retirar a elegibilidade  do candidato favorito em todas as pesquisas de intenção de voto até aqui realizadas, as FFAA estarão prontas para seu "pronunciamento".

Ou seja, as eleições de 2018 já estão ocorrendo sob o peso de uma ameaça gravíssima emitida pelas FFAA: Lula não pode!

É curiosa esta doutrina da intervenção militar constitucional. Há dois anos esta expressão estava nos cartazes daqueles paneleiros vestidos com a camisa corrupta da CBF que deram o verniz popular à derrubada de Dilma. Agora ela mudou claramente de patamar, circulando pelas altas bocas dos generais do Exército Brasileiro. Isso faz algum sentido?

Nunca é demais lembrar que os artigos da Constituição que tratam do papel das FFAA são bastante claros em sua dicção legal. Depois do trauma da ditadura militar, o constituinte deixou tudo bem amarrado, sendo claro que as FFAA tem um importante papel no concerto das instituições republicanas, sempre subordinadas às autoridades civis.

A afirmação do General Mourão (que mau agouro, outro Mourão!) só pode ter um sentido constitucional: o de que as FFAA não se furtariam em agir em um quadro muito avançado de degradação institucional. Mas, nesse caso, seria aquela situação em que até a guerra civil já se apresenta às portas como alternativa, uma situação em que a Constituição já não apresenta mais a eficácia global mínima, perdendo sua vigência e deixando portanto de ser a constituição do país. Um quadro de anomia. Ou seja, a intervenção militar desejada pelos paneleiros amarelos e agora suscitada pela alta hierarquia das FFAA é antes de tudo um fato político. Ou ela age convocada e subordinada às autoridades civis (sem simulacros) conforme define a Constituição, ou ela será o próprio atestado de que Constituição não mais há entre nós.

De constitucional ela não terá nada. Eles sabem disso. Preparem-se. Larte, infelizmente, estava errada.

Breve artigo do Lédio Rosa no Diário Catarinense