São Fco.

São Fco.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Dama de Ferro

Assisti ontem em DVD o filme sobre a ex-primeira ministra da Inglaterra, Margareth Tatcher. Foi decepcionante. É incrível que alguém possa fazer um filme sobre uma personagem histórica como ela daquela maneira. Todo o foco está em sua situação atual, em que padece dos efeitos de uma velhice adoentada. Podendo lançar luz sobre um dos políticos mais influentes do século passado, implementadora de uma agenda neoliberal que arrastou o mundo e cujas consequências hoje se mostram nefastas, a narrativa foca no drama de uma velhinha solitária. Chega a dar a impressão que os anos de protagonismo político não passam de um delírio de um paciente de Alzheimer! E o filme é machista, óbvio, pois lá vem ele tratar a motivação da líder conservadora na base de "não quero passar a vida lavando xícaras!", como se ela não pudesse ter outras motivações, como qualquer político. Bela oportunidade perdida.

Comentário de Bob Fernandes sobre o julgamento do STF sobre as cotas

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Cotas

Mais uma vez o STF decide uma grande questão. Desta vez o julgamento incide sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 186, do partido Democratas contra as normas da UnB para ingresso de alunos, que estabelece cotas para negros e pardos. É um tema difícil, complexo, que mexe com opiniões profundamente arraigadas. Vamos ver como nossa Suprema Corte decidirá. Não tenho a pretensão de convencer ninguém. Mas conto uma história que vivenciei há alguns anos. Fui como coordenador de Curso a um congresso da ABEDI e OAB em Brasília. O evento ocorreu num auditório da UnB, onde cabiam umas 500 pessoas. Lá, haviam dirigentes de cursos de direito de todo o país. Tudo estava absolutamente normal. Era apenas mais um evento educacional típico do país. O organizador do evento, professor Daniel, meu amigo pessoal, convidou-me para sair um pouco do evento e acompanhá-lo ao setor das transportadoras em Brasília, para buscar algumas caixas de livros que seriam lançados no evento no dia seguinte. Na transportadora, como estávamos com pressa, um atendente (trabalhava no escritório) branco indicou para que fôssemos diretamente ao setor onde estavam as mercadorias e lá pegássemos a mercadoria que procurávamos. Manipulando as cargas de diversos formatos, sempre pesadas, vi muitos homens. No serviço braçal, suando muito, percebi que todos eram negros. Voltando à UnB, o contraste saltou-me aos olhos. Os dirigentes dos cursos de direito eram todos brancos. Quem é de classe média e vive no Sul tem uma falsa percepção do problema racial do país. O negro pouco aparece para o sulista classe média, pois os negros existem em menor número nesta região. Mas há negros aqui. E houve escravos aqui também. Subindo um pouco em direção ao norte, vê-se uma outra realidade, com mais negros, invariavelmente em serviços braçais e mal remunerados e com brancos ocupando os postos de decisão e melhor remuneração. O país vai decidir se quer que esta realidade se perpetue ou mude. Só isso.

Ives Gandra da Silva Martins - Os dois Supremos

Hoje na Folha de São Paulo. Não gosto das posições do Ives Gandra, por muito conservadoras, mas sua reflexão neste texto contribui para pensar o que anda acontecendo e pode acontecer. Tem muito a ver com temas de Filosofia do Direito. Quem sabe contribua para discussões em sala.../////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// "Um dos mais importantes pilares da atual Constituição foi a conformação de um notável equilíbrio de poderes, com mecanismos para evitar invasão de competências. O Supremo Tribunal foi guindado expressamente a "guardião da Constituição" (artigo 102), com integrantes escolhidos por um homem só (artigo 101, § único), o presidente da República, que é eleito pelo povo (artigo 77), assim como os integrantes do Senado e da Câmara (artigos 45 e 46). O Congresso Nacional tem poderes para anular quaisquer decisões do Executivo ou do Judiciário que invadam a sua função legislativa (artigo 49, inciso XI), podendo socorrer-se das Forças Armadas para mantê-la (artigo 142), em caso de conflito. Há, pois, todo um arsenal jurídico para assegurar a democracia no nosso país. Ora, a Suprema Corte brasileira, constituída no passado e no presente por ínclitos juristas, parece hoje exercer um protagonismo político, que entendo contrariar a nossa Lei Suprema. Assim é que, a partir dos nove anos da gestão Lula e Dilma, o Pretório Excelso passou a gerar normas. Para citar apenas alguns casos: empossar candidato derrotado -e não eleito direta ou indiretamente- quando de cassação de governantes estaduais (artigo 81 da Constituição); a fidelidade partidária, que os constituintes colocaram como faculdade dos partidos (artigo 17, § 1º); o aviso prévio (artigo 7º, inciso XXII); a relação entre homossexuais (artigo 226, § 3º); e o aborto dos anencéfalos (artigo 128 do Código Penal). Tem-se, pois, duas posturas julgadoras drasticamente opostas: a dos magistrados de antanho, que nunca legislavam, e a dos atuais, que legislam. Sustentam alguns constitucionalistas que vivemos a era do neoconstitucionalismo, que comportaria tal visão mais abrangente de judicialização da política. Como velho advogado e professor de direito constitucional, tenho receio dos avanços de um poder técnico sobre um poder político, principalmente quando a própria Constituição o impede (artigo 103, § 2º). Nem se argumente que ação de descumprimento de preceito fundamental -de cuja redação do anteprojeto participei, ao lado de Celso Bastos, Gilmar Mendes, Arnoldo Wald e Oscar Corrêa- autorizaria tal invasão de competência, visto que essa ação objetiva apenas suprir hipóteses não cobertas pelas demais ações de controle concentrado. Meu receio é que, por força dos instrumentos constitucionais de preservação dos poderes, numa eventual decisão normativa do STF de caráter político nacional, possa haver conflito que justifique a sua anulação pelo Congresso (artigo 43, inciso XI), o que poderia provocar indiscutível fragilização do regime democrático no país. É sobre tais preocupações que eu gostaria que magistrados e parlamentares se debruçassem para refletir. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 77, advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, é presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio "

sábado, 21 de abril de 2012

Hélio Schwartsman - Guerra no Supremo

Na Folha de São Paulo de hoje. "É verdade que os ministros poderiam ser um pouco mais cordatos, mas a chamada guerra no Supremo não apenas está longe de ser um problema como ainda é sinal de que o tribunal máximo anda saudável. Em termos institucionais, é bom que os magistrados discordem, compitam e até se odeiem. O propósito de uma corte colegiada é oferecer aos casos que a ela chegam uma apreciação mais cuidadosa e multifacetada, escapando ao unilateralismo do juiz singular. Cada ser humano, afinal, é prisioneiro de seus próprios preconceitos. Só que colocar um grupo para decidir não é um processo sem riscos. Sabe-se desde os anos 50, com os experimentos de Solomon Asch sobre a conformidade, que basta pôr um ator para "puxar" respostas absurdas a uma questão óbvia que 75% das pessoas o acompanharão. Pior, reunir gente que pensa igual para conversar frequentemente resulta numa radicalização das ideias. Nem tudo, porém, está perdido. Como mostram Ori e Rom Brafman, a existência de pessoas "do contra" ("dissenters", em inglês) é importante para evitar que caiamos nas armadilhas do pensamento de grupo. A figura do "dissenter", embora possa produzir fricções de alto custo emocional, também costuma levar a maioria a reformular seus argumentos, de modo a responder a objeções percebidas como relevantes. Essa dinâmica é especialmente valiosa em tribunais colegiados. O "do contra" aqui, mesmo que não leve a uma mudança na decisão e ainda que provoque brigas homéricas, é um elemento fundamental para melhorar a qualidade do trabalho. Assim, em vez de tentar suprimir o dissenso, o ideal seria que o STF o colocasse para trabalhar a seu favor. Ampliar as rotinas pelas quais os ministros possam conhecer melhor as opiniões divergentes de seus pares antes de elaborar seus votos seria uma medida inteligente. É o que fazem muitas das cortes coletivas. "

sábado, 14 de abril de 2012

A guinada conservadora em Criciúma



A internet é uma maravilha. Com ela, podemos sem sair de casa ter acesso a informações valiosíssimas. Olhando o sítio do Tribunal Regional Eleitoral, é possível visualizar como se deu a evolução das votações para presidente em nossa cidade e perceber como se sai de uma situação de hegemonia de esquerda na metade da década de 90 para o quadro atual, em que a esquerda assume cada vez mais um papel subalterno em pleno momento de domínio aberto do PT em nível nacional.

Com os dados disponíveis montei dois quadros:

Desempenho Candidato PT presidência (primeiro turno) em Criciúma

Ano PT PSDB
1994 30.767 - 20.274
1998 48.982 - 26.362
2002 63.273 - 16.478 (Garotinho)
2006 39.925 - 53.845
2010 38.465 - 48.584

SC - votação para presidente, segundo turno
Ano PT PSDB
1994 630.999 - 789.001
1998 929.698 - 1.225.253
2002 1.914.684 - 1.070.054
2006 1.481.344 - 1.776.776
2010 1.556.226 - 2.030.135

Com base nos números acima, pode-se chegar às seguintes conclusões:

1) Nas votações para presidente em SC, de 1994 até 2010, os candidatos conservadores sempre derrotaram o PT no estado, com exceção única no ano de 2002, quando a onda Lula atingiu até as terras catarinenses ( a onda Lula elegeu LHS e quase teria elegido o candidato do PT, que não foi pro segundo turno por pouco. Aliás, a onda Lula derrotou o herdeiro da oligarquia Bornhausen, bandeira de LHS nesta eleição);

2) Em Criciúma, o que se vê é um movimento da esquerda para a direita. Em 1994, 1998 e 2002, a população criciumense votava para presidente nos candidatos do PT. Este quadro se altera a partir de 2006, quando os candidatos conservadores começam a receber a maioria dos votos em nossa cidade (historicamente uma cidade de sindicatos e movimentos sociais fortes e mobilizados).

3) Os dados mostram Criciúma como cidade que vota na maioria das vezes contra o movimento político nacional: quando o país estava nas mãos dos tucanos, a cidade votava nos petistas; quando o país ficou nas mãos dos petistas, a cidade passou a votar nos tucanos para presidente, chegando mesmo a eleger um tucano para prefeito nas últimas eleições. Este não seria um fator a gerar a percepção local de que a cidade e região se encontram desprestigiadas politicamente, o que retarda seu desenvolvimento em comparação com outras regiões? (como o prefeito apoiou ostensivamente a segunda colocada nas últimas eleições para o governo do Estado, a gestão municipal não se afina politicamente nem com Brasília nem Florianópolis neste momento)

É interessante perguntar o que teria levado a cidade a mudar suas preferências políticas, em guinada da esquerda para a direita justamente no momento em que a esquerda finalmente chegava ao poder no país. Ressalte-se que o ano da guinada local é 2006, dois anos após o PT ter governado a cidade por quatro anos com aprovação popular expressa na reeleição do Décio Góes.

Penso que o fator decisivo se encontra no âmbito estadual. LHS se elegeu devido a muitos fatores que não dependeram dele, prometendo sepultar as oligarquias catarinenses. Tão logo assumiu o governo do Estado, levou o PMDB catarinense para a oposição em nível nacional, juntando-se com parte das oligarquias que prometera derrotar. Sua opção pelo modelo das Secretarias de Desenvolvimento Regional em muito potencializou sua força política (dado o fisiologismo e clientelismo reinante na cultura política do país), o que pode ter sido o grande fator que reforçou o conservadorismo catarinense, com efeitos até mesmo na cidade de Criciúma.

O resultado da eficiência política de LHS foi visto em 2010: seu arco político elegeu um governador do Democratas no primeiro turno (o segundo colocado era do conservador PP), dois senadores e uma ampla bancada de deputados estaduais. Serra ganhou em SC.

Os efeitos profundos da primeira década do século XXI em SC ainda se farão sentir por muito tempo. 2002 poderia ter levado o estado a posições mais próximas do centro político, mas por diversas circunstâncias o que se viu foi o recrudescimento dos seus aspectos mais conservadores.

Quem viaja pelo país percebe que se o Brasil anda a 100 km/h, Santa Catarina está muito abaixo desta velocidade em seu desenvolvimento. E que dizer do Sul de Santa Catarina? Será o fator político o elemento decisivo para este quadro?

Na foto acima, uma composição que não se vislumbrava em 2002.

Carne humana recheava salgados, diz presa

Na Folha de São Paulo de hoje. Notícia forte, não recomendável para espíritos sensíveis.

"Isabel Cristina Torreão Pires da Silveira, 51, era conhecida em Garanhuns, no agreste pernambucano, pelos salgados bem temperados que vendia nas ruas. Presa na quarta-feira, ela afirmou à polícia que recheava as empadinhas com carne humana.

Em depoimento gravado em vídeo, Isabel contou que também comercializava os salgadinhos em hospitais e delegacias. "Vendi até a você", disse a um dos policiais.

Em um dos vídeos, ela diz que usava só um "pouquinho" de carne humana. "[Era] mais com molho, só as pontinhas."

A mulher faz parte de um grupo de três pessoas suspeitas de matar, esquartejar, comer e enterrar os corpos de ao menos três mulheres. Mas a Polícia Civil acredita que mais oito pessoas podem ter sido assassinadas pelo trio.

O grupo estaria planejando uma nova vítima: uma jovem de 18 anos, de Lagoa do Ouro (PE). Seu nome, não divulgado, estava em um diário apreendido na casa dos suspeitos. Ontem, a polícia disse ter achado uma cova vazia no quintal da residência.

Restos dos corpos de Alexandra Falcão, 20, e Giselly Helena da Silva, 31, desaparecidas neste ano, já foram achados em covas no local.

Além de Isabel, foram presos o marido dela, Jorge Negromonte da Silveira, 51, e a amante dele, Bruna Cristina Oliveira da Silva, 25.

Uma menina de cinco anos morava com eles e contou à polícia sobre as mortes. Depois disso, Isabel indicou o local onde os corpos estavam. A criança seria filha de Jéssica, 17, supostamente morta pelo trio em 2008, em Olinda (PE).

LIVRO

A morte de Jéssica teria sido contada em detalhes no livro "Revelações de um esquizofrênico", escrito por Jorge em 2009 e registrado em cartório em março deste ano.

Segundo a polícia, os três disseram agir por orientação de uma voz, que indicava mulheres "que não prestavam". "

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Ciência, Religião e Direito: aborto de feto anencefálico



O julgamento do STF sobre o aborto de feto anencefálico é um destes grandes momentos do direito, em que as reflexões sobre direito se cruzam obrigatoriamente com questões ligadas à ciência, moralidade, religião e, por que não, sobre que diabos afinal é o próprio direito.

Sei que não é fácil acompanhar um julgamento desses. O primeiro obstáculo para o cidadão comum é a linguagem dos votos, quase sempre empolada e obscura. O segundo obstáculo é o tempo das manifestações: é raro o ministro que concorda com o relator simplesmente manifestar sua aquiescência ou apenas afirmar aquilo que faltou dizer.

E lá vem mais uma hora de muitas repetições em votos lidos, nem sempre lidos com muita empolgação.

Já foi dito que o STF não funciona como verdadeiro colegiado e isso fica escancarado quando se observa a justaposição de votos que não dialogam verdadeiramente. A transmissão pela TV tem a ver com isso. Se por um lado é bom para a cidadania ver um julgamento deste porte na sala de casa, por outro a exposição leva os ministros a reiterarem seu viés performático e aí a boa intenção se mostra inviável: quem pode ficar dois dias ou mais escutando a leitura de textos complicados?

Acompanhei o voto da Rosa Weber. Ela não era a relatora, mas seu voto durou mais de uma hora. Ela acompanhou o relator, no sentido de autorizar o aborto de fetos sem formação do cérebro.

Em seu voto, no início, ela claramente se preocupou em diferenciar as questões científicas das questões morais e jurídicas. Primeiro, destacou que a ciência não é perfeita, citando o caso da classificação do planeta Plutão (o nome do planeta sempre gera alguns risinhos, mas a reflexão foi pertinente), decidida em votação apertada. Depois, trouxe para o debate a falácia naturalista: não é a descoberta científica em qualquer campo que determina o que devemos fazer. De um ser não deriva o dever ser, já dizia o velho Hume.

A decisão desta semana, afirmou a nova ministra, será jurídica. O dever ser sobre o aborto anencefálico será decisão que deriva de outro dever ser, ainda que as informações científicas em muito contribuam para a compreensão mais abrangente da questão. E o direito tem a riqueza e complexidade de apresentar “dever ser” para uma e outra decisão. Não haverá silogismo dedutivo e juiz neutro, mais uma vez e sempre.

Até aqui a votação, interrompida e que deverá prosseguir hoje, está em cinco a um favorável à autorização do aborto de anencéfalos. Parece que a vitória é certa. Fico satisfeito, pois a decisão respeita tanto a liberdade da mulher que julga ser impossível ou inútil suportar a dor de conduzir um longo calvário de desfecho previsível quanto as convicções dos religiosos, que poderão continuar convencendo o
SEU rebanho de que esta ato é em sua visão de mundo abominável.

Não deixa de me surpreender a ênfase de membros da igreja católica que parecem apenas querer aproveitar alguns minutos de fama. Levar um pedido de impeachment do relator ao Congresso Nacional em pleno julgamento do caso não parece ser uma atitude equilibrada. Ademais, depois da divulgação dos inúmeros casos de pedofilia na Igreja e dos esforços do Vaticano no sentido de abafá-los, se esperaria um pouco mais de humildade deste grupo, tão ávido em querer impor seus valores aos não católicos quando se evidencia que muitos de seus destacados membros não os praticam.

O Estado brasileiro é laico. O STF está mostrando que entende isso. Que bom.

Contardo Calligaris - Estupro de menores


Na folha de São Paulo de hoje, a sempre pertinente reflexão do psicanalista Contardo Calligaris.

"COMO MUITOS, fiquei perplexo diante da recente decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que inocentou um homem acusado de estupro por ter se relacionado com três meninas de 12 anos que se prostituíam.

Os fatos aconteceram antes de 2009, quando o Código Penal passou a considerar como estupro qualquer relação (mesmo aparentemente consensual) com menor de 14 anos, pois, de qualquer forma, o menor não seria capaz de consentir com discernimento.

As leis não sendo retroativas, o STJ julgou no quadro legal de antes de 2009, e o homem foi inocentado porque, as meninas sendo prostitutas, a relação com elas não teria sido propriamente estupro.

Inevitavelmente, o argumento ressuscita o preconceito segundo o qual a condição da vítima faria diferença na hora de decidir se houve crime contra ela ou não. É o ranço das turmas de bêbados frustrados do sábado à noite: com prostituta e travesti de beira de estrada vale tudo, pois, de qualquer forma, eles se dão para todos, não é?

Mas não é só isso: o cliente de uma prostituta de 12 anos é, no mínimo, cúmplice da violência de quem, direta ou indiretamente, levou a menina a se prostituir.

Claro, a prostituição pode ser uma escolha livre, mas essa liberdade, em nossa cultura, só pode ser reconhecida a quem é maior de 18 anos -certamente não a meninas de 12. Essa observação, com a qual todos concordamos (imagino), introduz forçosamente uma pergunta: o que é, para nós, um menor? Como definimos esse ser "provisório", que precisa ser protegido, inclusive de seus próprios impulsos?

Digo logo: a pergunta e a tentativa de responder são interessantes, mas não mudam nada quanto ao fato de que sexo com uma menina de 12 anos, em nossa cultura, só pode ser estupro. Vamos lá.

Se tentarmos definir o menor por seu desenvolvimento inacabado, encontraremos dificuldades insolúveis. Digamos que a criança não tem experiência, saber, estruturas cognitivas ou maturidade suficientes para escolher de maneira responsável. Concordo, mas o problema é que há coortes de adultos que poderiam ser considerados como crianças por falta de experiência, maturidade, saber etc.

Por exemplo, no recente "Incognito - As Vidas Secretas do Cérebro" (Rocco), David Eagleman mostra que muitos criminosos são impulsivos como pré-adolescentes e apresentam um desenvolvimento incompleto do córtex pré-frontal comparável ao das crianças. Se escolhermos esse critério para definir a imaturidade infantil, deveríamos soltar esses indivíduos, considerá-los como crianças (não como criminosos) e mandá-los de volta para a escola, para que se tornem adultos e responsáveis por seus atos. Problema, hein?

De fato, as definições da infância por falta de maturação etc. são incertas. Talvez seja mais fácil defini-la pelo caráter especial de nosso amor: crianças são as que protegemos para que conheçam uma felicidade que nos fugiu e para que continuem nossa breve vida.

Por isso, aliás, preferimos manter as crianças longe das necessidades, dos perigos, das violências e também do sexo, que é, para nós, uma fonte frequente de frustração.

Há tempos (desde o trabalho seminal de Philippe Ariès, "História Social da Criança e da Família", LTC), os historiadores nos mostram que essa maneira de amar as crianças surgiu com a modernidade. Com o desencanto do mundo e a morte de Deus, a vida individual se tornou o único horizonte da existência moderna: as crianças nos consolariam, portanto, de nossa mortalidade, pois, por elas, duraremos um pouco mais.

É bonito e faz sentido. Mas, às vezes, o amor moderno das crianças parece grande demais: por exemplo, fato provavelmente incompreensível por um indivíduo clássico, nós achamos a morte de uma criança infinitamente mais trágica do que a de um adulto. E o mesmo vale para o estupro.

Ora, um excesso de sentimentos ternos, amorosos e protetores é facilmente o sinal de uma formação reativa. Em outras palavras, talvez, para explicar os excessos de nosso amor pelas crianças, seja preciso supor que, de fato, nós as odiamos porque, justamente, 1) elas nunca estão à altura da expectativa de que compensem tudo o que não deu certo em nossa vida e 2) elas estarão aqui quando nós não estivermos mais.

Em suma, não paramos de proteger as crianças delas mesmas e do mundo, mas as protegemos tanto que fica difícil não imaginar que queiramos sobretudo (ou também) protegê-las de nós mesmos. "

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Após 8 anos, STF decide nesta quarta se aborto de feto sem cérebro é crime

Do jornal o Estado de São Paulo de hoje.

"Ao final de quase oito anos de discussão, o Supremo Tribunal Federal (STF) definirá se grávidas de fetos sem cérebro podem abortar sem que a prática configure um crime.

A tendência é que a interrupção da gravidez seja autorizada nesses casos. Durante o julgamento, que começa nesta quarta-feira e pode se estender até quinta, ministros ressaltarão que uma decisão favorável não é um primeiro passo para a descriminalização total do aborto ou a abertura para a interrupção da gestação em outros casos de deficiência do feto.

Quatro ministros já se pronunciaram favoravelmente à possibilidade de interrupção da gestação - Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Carlos Ayres Britto e Joaquim Barbosa. Cezar Peluso, hoje presidente do tribunal, indicou que pode ser contrário.

Os votos de outros ministros são uma incógnita. Cármen Lúcia, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski não integravam a Corte quando o assunto foi discutido. Gilmar Mendes, apesar de ter participado do julgamento, não indicou como votará.

Os ministros que se manifestaram em favor da liberação da interrupção da gravidez nesses casos argumentam que, por não haver chances de vida, a prática não poderia ser criminalizada. Não se poderia sequer se falar em aborto, pois não haveria uma vida a ser protegida. “O crime deixa de existir se o deliberado desfazimento da gestação já não é impeditivo da transformação de algo em alguém (...) Se a criminalização do aborto se dá como política legislativa de proteção à vida de um ser humano em potencial, faltando essa potencialidade vital, aquela vedação penal já não tem como permanecer”, disse Britto em 2004.

Contrariamente a essa tese, ministros devem argumentar que o Código Penal só prevê duas exceções ao crime de aborto: quando a gravidez resulta de estupro ou a interrupção da gestação visa a salvar a vida da mulher. Se o Código não prevê expressamente o aborto em caso de anencefalia, argumentou reservadamente um ministro, não caberia ao STF essa decisão.

Há projeto de lei tramitando no Congresso sobre o assunto. Recentemente, a comissão de juristas convocada para reformar o Código Penal propôs a mudança no texto para permitir o aborto em caso de anencefalia.

A discussão no STF se arrasta desde fevereiro de 2004, quando um primeiro habeas corpus chegou com o pedido de uma grávida de anencéfalo que tentou, sem sucesso, uma decisão judicial que lhe garantisse o direito de interromper a gravidez.

O julgamento desse processo foi iniciado, mas ao longo dele o tribunal recebeu a informação de que a mulher havia dado à luz e a criança viveu 7 minutos. Em razão disso, o julgamento foi encerrado sem uma definição.

Meses depois, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) ajuizou no STF a ação que deve ser julgada hoje. Em julho de 2004, quando o tribunal entrava em recesso, o ministro Marco Aurélio concedeu liminar autorizando a interrupção de gravidez em caso de anencefalia em todo o País, cassada em outubro daquele ano. Em 2008, o STF discutiu o assunto em audiência pública com médicos, cientistas e representantes de entidades religiosas. "

terça-feira, 3 de abril de 2012

Aluno ateu diz ser perseguido por não rezar na sala de aula


Na Folha de São Paulo de hoje.

"Uma professora de geografia de uma escola estadual de Minas Gerais resolveu iniciar as suas aulas rezando o pai-nosso com todos os alunos. Um deles, ateu, decidiu manter-se em silêncio.

Ao notar a reação do estudante, ela lhe disse, segundo o relato do aluno, que "um jovem que não tem Deus no coração nunca vai ser nada na vida". O aluno se irritou, os dois discutiram, e o caso foi parar na diretoria da escola.

O Estado brasileiro é laico e a Constituição, tal como o estatuto do magistério, proíbe discriminação religiosa.

A Secretaria de Estado da Educação de Minas apura se houve infração da professora. A secretaria disse ontem tê-la orientado a não rezar mais em sala de aula.

O caso ocorreu há duas semanas na escola estadual Santo Antonio, em Miraí, cidade de 13,8 mil habitantes que fica na Zona da Mata, a 335 km de Belo Horizonte.

Uma inspetora regional responsável pela escola disse que a professora foi "mal interpretada" e que sempre tinha o "hábito" de rezar.

Quem discutiu com a docente foi Ciel Vieira, 17, ateu há dois anos. "Eu disse que o que ela fazia era impraticável segundo a Constituição. E a professora disse que essa lei não existia". Lila Jane de Paula, a professora de Ciel, não quis falar com a reportagem.

DISCUSSÃO

Ciel, cuja mãe autorizou que ele falasse com a Folha, afirmou ter pedido para a professora parar, sentindo-se humilhado. Lila o instou, diz, a levar um juiz à sala de aula.

"Ela não me pediu desculpas." A resistência à oração o fez ser vítima de bullying de colegas, afirma -disseram que ele era "do demônio".

O garoto gravou parte da oração e pôs no YouTube, sob o título "Bullying e Intolerância Religiosa". No vídeo, é possível escutar o som do pai-nosso. Ao fim, ouve-se: "Livrai-nos do Ciel", em vez de "Livrai-nos do mal". Foram colegas de classe, diz.

Avisada, a mãe de Ciel foi à escola. Segundo ela, Lila se justificou dizendo que, ao falar que "o jovem que não tem Deus nunca vai ser nada na vida", quis, na verdade, falar que o jovem não seria nada "espiritualmente".

"Meu filho sempre foi um aluno ético. Até chorei quando vi o vídeo dele", disse a mãe, que é espírita e não quis dizer o nome. Ficou acertado com a escola que a professora não daria mais a primeira aula para Ciel -assim, ele não teria que ouvir o pai-nosso. "Resolveram o meu problema e jogaram o resto para de baixo do tapete", disse.

A ONG Ação Educativa condenou a prática. Um professor público tem de ser neutro, diz. "As orações nas escolas públicas ocorrem desde sempre, à revelia da lei", diz Daniel Sottomaior, presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos. "

domingo, 1 de abril de 2012

A prostituição infantil e o STJ



“Do fato de algo ser não pode seguir-se que algo deve ser; assim como do fato de algo dever ser não se pode seguir que algo é.” (KELSEN, TPD)

Chocou o país a decisão da Terceira Seção do STJ, que, alterando entendimento jurisprudencial estabelecido, relativizou a presunção de violência quando a relação sexual ocorre com pessoa menor de 14 anos. O caso, cujos detalhes não são disponíveis pelo fato de o processo estar sob sigilo judicial, envolveu um homem que pagou por relações sexuais com três crianças, todas com 12 anos de idade. O réu foi inocentado na primeira instância.

O argumento vencedor da ministra relatora é o de que não se deve considerar crime um fato que não viole o bem jurídico tutelado, no caso, a liberdade sexual. Como as crianças já se prostituíam há algum tempo, afirma a relatora, a ação do acusado não violou a liberdade sexual das crianças de apenas 12 anos. Nossa. Muito se poderia dizer sobre este caso.

Em primeiro lugar, penso que é preciso separar a discussão sobre a eficácia invertida do sistema penal e a defesa do minimalismo ou abolicionismo com o aqui ocorrido. É fato que a sociologia crítica indica a falência do sistema penal vigente e contundentemente prega por uma revolução na forma como concebemos o direito e as penas que envolvem algum tipo de sofrimento. Coisa bem diferente seria preconizar a falta de resposta social a determinados comportamentos considerados reprováveis. A resposta social principal às condutas reprováveis atualmente é, infelizmente, a pena de prisão. A decisão do STJ diz muitas coisas. A pior delas é que uma das mais altas cortes do país não considera juridicamente reprovável um adulto praticar sexo com crianças de doze anos. E o pior, para fazer isso, viola a letra de uma lei vigente.

Poder-se-ia aqui lembrar que a Constituição brasileira veda “qualquer trabalho” a menores de 14 anos. Poder-se-ia lembrar aqui que existem restrições legais a menores de 18 anos para certos trabalhos e que a prostituição está elencada como uma das piores formas de trabalho infantil. Alguém pode trazer à baila os artigos da CLT que permitem o trabalho infantil em certas condições, com autorização judicial. Autorização judicial que o STJ parece estar disposta a conceder, pois as crianças estupradas pelo acusado se apresentam, no caso concreto, na visão do STJ, como plenas titulares de sua liberdade sexual, já que se prostituem há muito tempo (o que é muito tempo, quando se tem 12 anos?), o que certamente contribui para o sustento de suas famílias, requisito da CLT.

De tudo o que se poderia afirmar neste caso sombrio, fico com a frase de KELSEN que destaquei acima. Falando sobre a relação entre validade e eficácia, o jurista austríaco contribui para entender parte importante do sentido do jurídico em nossas sociedades: uma coisa é, no mundo do ser, onde as coisas simplesmente ocorrem ou não, três meninas se prostituírem para um adulto. Todos sabemos que a prostituição infantil ocorre em muitas partes do nosso país. Coisa bem diferente é, em um alto tribunal do país, pessoas cuja função social consiste em dizer o direito, ou seja, o dever ser vigente no país, declararem contra a legislação vigente que o ser da miséria social brasileira representada na prostituição infantil se sobrepõe aos valores inscritos no texto legal. Se o papel do STJ é constatar o óbvio, pode fechar as portas. Não se justifica toda aquela estrutura, os altos salários, as prerrogativas dos magistrados.

Ou, como disse um aluno de primeira fase, pois os brasileiros não são bobos, esquece tudo isso aí, porque a razão de tudo isso é: o acusado deve ser rico e/ou influente.

Obs.: Na foto acima, mais uma mulher brasileira dando um passo para o exercício de sua liberdade sexual.