São Fco.

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quarta-feira, 20 de abril de 2016

STF: Supremo Tergiversador Federal



Acabo de ouvir no rádio do carro que o STF adiou o julgamento de ação que trava há três semanas a nomeação do ex-presidente Lula como ministro da Casa Civil de Dilma Rousseff. Que surpresa! (ironia)

Deve ficar bem claro para todos que este golpe que Michel Temer e Eduardo Cunha protagonizam contra o governo do PT não teria acontecido tal como sucedeu se não houvesse uma participação decisiva do STF.

Em primeiro lugar com a demora em julgar o pedido de afastamento de Cunha da presidência da Câmara dos Deputados. Sua denúncia já foi aceita, mas o STF deu aval para que ele continuasse com toda força a condução da operação fora Dilma. Inaceitável!

Depois, com a não expugnação do impedimento indevido de Lula como ministro de Dilma. Foi um episódio que fragilizou muitíssimo a posição do governo no processo de derrubada de Dilma, e o dedo do STF ali está novamente.

Na semana passada, a recusa em fazer valer o regimento da CD foi novamente um momento de sinalização para os golpistas de que o STF estava mesmo lavando as mãos.

Tudo com fundamentos jurídicos. Tudo com manifestações empoladas e pretensiosas. Mas todos estamos assistindo a tudo e podemos novamente presenciar como o Judiciário se comporta nos momentos decisivos da vida política do país.

Não há nesta postura propriamente novidade. O que pode ser considerado especialmente perturbador é que oito dos onze ministros são indicações do governo de esquerda capitaneado pelo PT.

O STF está fazendo um ridículo papel. Não seria ele o Guardião da Constituição? O que ele faz quando a Constituição é rasgada em sua parte mais importante? Tergiversa. Lava as mãos sem a menor cerimônia.

Mudem a sigla doravante: Supremo Tergiversador Federal!

segunda-feira, 18 de abril de 2016

O impeachment de Dilma

17 de abril de 2016. Dia em que Eduardo Cunha e Michel Temer, vice-presidente eleito em 2014 em chapa com Dilma, atingiram importante etapa de seu objetivo de destituir a Presidente da República. Por ampla maioria superior aos 2/3 exigidos, a Câmara dos Deputados aprovou o relatório de Jovair Arantes, que por sua vez era favorável à abertura do processo de impeachment da presidente.

Para entender a traição política envolvida na operação, basta lembrar que Dilma só precisava de 172 votos a seu favor para afastar a ameaça. PT e PMDB, no que se demonstra a consistência política da chapa apresentada aos eleitores em outubro de 2014, somados praticamente atingiriam sozinhos este 1/3 salvador. Com outros partidos da base do governo, como PSD e PP, a margem seria folgada. Mas estes partidos, no governo até a véspera dos acontecimentos, desembarcaram e votaram alegremente contra a líder do governo que até então compunham. Uma fraude política completa. Quem ficou com Dilma ao final das contas foram os partidos da esquerda, evidenciando que o conflito tem raízes profundas e de compreensão acessível a uma análise de base racional: PT, PCdoB, PDT (com defecções) e PSOL (que sendo oposição à esquerda ao governo mostrou grandeza na hora fatal.

Eduardo Cunha foi uma peça decisiva até aqui. Um político habilidoso e sem escrúpulos, envolvido em inúmeras tramóias e processado no STF, mostrou uma disposição pouco vista em políticos de jogar um jogo arriscadíssimo para defender-se de muitas ameaças. É verdade que Cunha tem suas qualidades como articulador político, mas creio que aqui se trata mais de uma qualidade relativa: o nível dos políticos em geral parece ter caído bastante, em especial nesta legislatura.

Michel Temer merece sim a pecha de traidor. Articulou abertamente contra o governo que integrava, contribuindo para fragilizar a todo tempo a posição de Dilma Rousseff. Dentre os tantos erros políticos de Dilma, um deles foi o de chamá-lo para ser articulador político do governo em março do ano passado. A estrutura das relações de poder manda ter muito cuidado com vices. Eles devem ser mantidos no devido lugar, garantido o seu cafezinho diário na garrafa, mas sempre frio para que saiba que o líder saberá sempre mantê-lo em sua posição. Ademais, como se apresenta como constitucionalista, agrava que tenha endossado sua eleição indireta por meio do estratagema do impeachment, pela prática de atos que corroborou e mesmo praticou (assinatura de decretos, por exemplo).

Assisti à votação realizada ontem. Foi uma oportunidade única de ver a composição completa da CD se apresentando e manifestando em momento decisivo. Sempre que algum aluno me diz que vota na pessoa e não em partidos eu digo que apesar de ele pensar assim as instituições parlamentares ignoram sua convicção, pois as casas legislativas funcionam a partir da estrutura dos partidos. Seria impossível de outra maneira e a excepcionalidade do ocorrido ontem confirma esta situação. Como são 513 deputados, é evidente que o grupo todo não pode se reunir para, em conjunto, discutir e deliberar. Daí que a maioria dos deputados seja relegada a uma enorme insignificância, pois só conseguem ter algum protagonismo os líderes dos partidos. Os demais têm raras vezes a oportunidade de ocupar uma relatoria ou presidência de comissão, o que tentam aproveitar ao máximo. O que resta para todos é a luta pela liberação de emendas individuais ao orçamento, tarefa que ocupa boa parte de seu tempo e explica em grande parte a motivação da maioria em aderir de alguma forma ao governo de plantão.

Esta insignificância a que estão relegados explica a conduta de muitos na tarde/noite de ontem. Foi talvez a primeira e última oportunidade de aparecer em rede nacional decidindo algo relevante. Por isso o "capricho" no que diriam além do SIM ou NÃO, o cuidado com a ênfase e o volume em que profeririam o voto. Muitos não se constrangeram de adotar atitude colegial, segurando plaquinhas "engraçadas" como a que dizia "tchau querida", ou fazendo grande esforço para se posicionar por detrás dos colegas que votariam, alternando o olhar preocupado para o telão (aferindo se estavam aparecendo) com o olhar direto para a objetiva da câmera, tentando manter uma expressão respeitável.

É verdade que a maioria dos votos teve uma fundamentação risível e hipócrita, muitos falando em Deus, família etc. O que salta aos olhos é que nas declarações de votos ficou evidente do que tratava a sessão: ninguém que votou SIM se referiu aos motivos do impeachment. O evento era uma assembléia para dar um voto de desconfiança do parlamento à presidente Dilma, elegendo indiretamente seu vice-presidente, Michel Temer. Se o STF quiser se apresentar como verdadeiro guardião da Constituição tem aí um prato cheio: o rito de impeachment previsto na Constituição foi utilizado "ad hoc" para a destituição da chefe de governo/Estado. O problema é que não estamos no parlamentarismo!

Houve muitos votos consistentes também. Orgulha a esquerda a manifestação de tantos deputados que votaram pelo NÃO.

Depois da votação, nas redes sociais, muitos manifestavam sua decepção com a votação; muitos ainda, trataram de se manifestar sobre a qualidade dos nossos "representantes" em Brasília, sempre em nota crítica e até mesmo de deboche. Alguns até falam em crise de representação, a composição do CN não sendo representativa do perfil do povo brasileiro, e a causa seria prioritariamente a distorção que o financiamento privado de campanha imprime em todo o processo eleitoral  seu resultado final.

Não compactuo deste diagnóstico. É claro que mudanças e aperfeiçoamentos na legislação podem melhorar um pouco o quadro no legislativo, mas de modo geral o CN bem representa nossa população e sua elite. Somos um povo pouco educado, de pouca leitura e pouco afeito a tratar com atenção os problemas da esfera pública.

De mais a mais, o que é seria mais espantoso: que aqueles deputados que vimos ontem sejam a expressão política de cem milhões de eleitores brasileiros ou que os onze ministros do STF sejam a elite jurídica nacional?

Não adianta chorar o leite derramado. Cunha e Temer atingiram seu objetivo.

Se acionado, será para mim uma grande surpresa se o STF produzir algum fato relevante no processo de afastamento de Dilma. Apesar de tudo estar viciado do ponto de vista jurídico, não acredito que aqueles juízes tenham a vontade política de fazer valer a Constituição do país enfrentando uma coalização conservadora tão coesa e atuante. Torço por isso, mas esperarei sentado.

Quanto ao Senado, basta ver a sua composição por partidos.  Não será difícil obter 41 votos para receber a denúncia e afastar por 180 dias a presidente. Se com o governo na mão Dilma já não ia bem, imaginem sem ele. O futuro de Dilma e do governo do PT está nas mãos de ninguém menos que Renan Calheiros, personagem que se mantém relevante na política nacional desde a eleição de Fernando Collor (de quem foi ministro da Justiça).

Renan Calheiros não tem o perfil destrutivo de Cunha. Mas também se encontra, como seu homólogo na CD, acossado por denúncias e ameaças de processos judiciais (isso mantém o fator inédito de todo este processo por que passamos, pois agentes proeminentes do sistema de justiça podem a todo tempo modificar bruscamente todo o cenário e fragilizar seus atores principais). Do atendimento a seus interesses e de sua visão de país estamos hoje dependendo todos nós.



sexta-feira, 15 de abril de 2016

Diante do Supremo

Ontem, 14 de abril, o Supremo Tribunal Federal fez sessão extraordinária a partir das 17h, para julgar ações impetradas nos dias anteriores e que tinham por objeto questões relativas ao processo de "impeachment" conduzido - por enquanto - na Câmara dos Deputados por ninguém menos que Eduardo Cunha.

Não assisti toda a sessão; aliás não sei porque assisti parte da sessão. O que vi foi exatamente o que esperava.

Na ADIN do PCdoB, que tinha conteúdo idêntico aos dois mandados de segurança impetrados por dois deputados federais, pedia-se que o Supremo se manifestasse sobre a manobra de EC, que havia definido uma ordem de votação nominal que descumpria o disposto no regimento da Câmara dos Deputados. Em cima da hora o astuto - a quem ninguém até aqui conseguiu pôr limites - percebeu o risco de ser admoestado pelo STF e reformulou malandramente suas disposições. Faria a votação alternada entre Norte e Sul, mas por bancadas estaduais, não por deputados, como reza o regimento. Na prática ele manteria o seu desígnio de tentar influenciar a votação, deixando o NE todo votando no final, quando o resultado da votação talvez já esteja selado.

A questão parece de menor importância, mas não é. Como a votação está apertada e indefinida, o encaminhamento da votação pode sim influenciar o resultado. Não por um "efeito manada" citado por alguns ministros, mas sim pelo cálculo frio de parlamentares de pouca fibra ideológica e consistência política, que na hora "h" podem ter o temor compreensível de ficar no lado perdedor. Muitos deputados tem este perfil. O nome do primeiro a votar já ilustra este quadro: Abel Galinha (quem?)

Vendo as manifestações dos ministros (destaque para Rosa Weber, nervosíssima, o que está fazendo ali?), impossível não lembrar todo o tempo da parábola kafkiana "Diante da lei", inserida no seu livro "O processo".

Nesta parábola um homem do campo procura a lei e chega até seus portões. No primeiro portão há um guarda que pede que ele espere, apenas descrevendo o que pode acontecer (possibilidade de coisas terríveis) se ele não esperar. O homem espera toda uma vida sem poder entrar "na lei".

Ontem o Supremo mais uma vez se portou como o porteiro da lei da parábola de Kafka. Quem acionou o tribunal o fez na esperança de que o tribunal os conduzisse até a lei e proporcionasse uma pequena dose de justiça em sua prestação jurisdicional. Mas os ministros (a maioria) agiram como o porteiro kafkiano, orientando o peticionário para que se sentasse e esperasse. Foi extremamente irritante acompanhar o falatório, em que parecia haver um esforço hercúleo para demonstrar a maior alienação dos fatos do momento histórico em Brasília.

A situação era clara para qualquer pessoa normal, ou seja, impedir que um homem processado criminalmente no STF mais uma vez atropelasse a Câmara dos Deputados em um momento decisivo e único, o da votação do impeachment dali a três dias. Para fazer isso o STF apenas precisaria fazer valer o texto claro do regimento, que fala de alternância de deputados e não de bancadas. O Supremo não fez isso, tratando a questão de forma diletante, como se se tratasse de uma mera interpretação de textos que permitiam mais que uma interpretação. Ao fazer isso deixou de mandar um recado a Cunha, orientando que se contivesse. E mandou o recado inverso: pode continuar com sua aguda astúcia que aqui você encontrará um auditório se fazendo de morto para não se comprometer.

(O STF também não atendeu à ação movida pela AGU, que indicava nulidades no processo até aqui realizado).

Hoje de manhã os jornais estamparam: "nova derrota do governo no STF!"

A parábola de Kafka nos fala disso, de um judiciário que apesar de estar aparentemente relacionado com  a lei, é o último lugar a que deveríamos ir para encontrá-la. Penso aqui na dimensão mais abrangente do termo "lei", aquele que remete inevitavelmente às ideias fortes de verdade e justiça.

Outro nascido em Praga, Hans Kelsen, bem enxergou esta questão. Toda a Teoria Pura do Direito é construída para explicar que o direito é uma estrutura política de tomada de decisões, somente isso. Ao prolatar uma sentença o judiciário cria uma norma, sendo apenas casual que seu conteúdo possa estar contido em uma norma geral superior a aplicar. Não existe uma razão jurídica quando se trata de entender o funcionamento do direito, afirma Kelsen, O projeto de um Estado de Direito, para Kelsen, não pode encontrar base apenas racional, sendo um projeto essencialmente político.

No transe em que nos encontramos nestes dias decisivos, em que um governo legitimamente eleito está diante da clara possibilidade de sofrer um golpe paraguaio (depois de meses a fio desestabilizado pela operação lava jato, sob a liderança de um juiz federal operando o trinômio prisão-delação-vazamento), Kelsen e Kafka nos aportam uma importante lição: quem se limitar a bater à porta da lei corre o risco de passar a vida conversando com o porteiro e morrer sem dela (a lei) ter sentido sequer o cheiro.

É preciso compreender profundamente que não há razão jurídica. Há poder. Mesmo no judiciário. Mesmo no STF, o "guardião da Constituição". Ontem o STF poderia (se quisesse, se tivesse a vontade de fazê-lo) ter adentrado na lei. Preferiu dar uma espiadela pela frestinha da grande porta e lá dentro viu Eduardo Cunha se movimentando freneticamente. Mesmo diante desta cena absurda (de um processado criminalmente estar desenvolto dentro dos portões da lei), o STF vacilou e preferiu se manter no papel de porteiro kafkiano.

Não espero nada do Supremo. Só torço que na próxima espiadela que os onze porteiros precisem dar eles encontrem por detrás do grosso portão não mais  Eduardo Cunha, Temer "et caterva", mas o povo eufórico que finalmente se recusou a ficar sentado ouvindo a arenga interminável.

terça-feira, 12 de abril de 2016

E não é que chegamos ao "impeachment"?

Ontem a comissão da Câmara dos Deputados aprovou o relatório que indicava a aceitação do "impeachment" da presidente da República.

Neste final de semana, tudo devidamente organizado por Eduardo Cunha, o plenário deverá decidir se o processo segue para o julgamento no Senado Federal. Sim, chegamos a este ponto.

Todos, menos aqueles que acreditam no Jornal Nacional, sabem que o que está em jogo é uma simples disputa não democrática pelo poder federal. O problema não é corrupção, o problema não é a economia. A questão toda é deflagrada pela quarta vitória seguida do PT para a presidência em 2014, com fortíssima possibilidade de continuidade com Lula em 2018. A oposição se assumiu plenamente udenista.

A novidade deste processo todo foi a substituição dos militares por integrantes do sistema de justiça. Juízes federais, policiais federais e membros do Ministério Público Federal, em consistente articulação com os principais veículos de comunicação tradicional do país, promoveram uma intensa atividade de desestabilização do Governo de Dilma Rousseff.

O uso "ad nauseam" do trinômio morista prisão-delação-vazamento, sempre em timing estritamente político (e não jurídico-processual) desafiou profundamente um governo que não soube responder à altura até o momento.

O governo, no segundo mandato, onde pôde, errou muito e feio. Falo da condução política. O poder da presidência da República foi se esboroando por dentro, ao ponto em que Dilma praticamente ficou sem condições de exercer a liderança política que o povo lhe conferiu legitimamente nas eleições de 2014.

Agora o processo parece já ter adquirido uma dinâmica própria. Setores da esquerda saíram em defesa do que afinal de contas é o seu governo, gostem ou não dele.

Do lado dos que querem defenestrar a presidente, o elenco é desalentador, a começar pela absoluta falta de uma liderança política digna que se ponha à frente dos eventos. Sim, a verdade é que Dilma está diante da possibilidade de ser derrubada por um grupo de políticos sob a liderança de Eduardo Cunha sob o discurso público do combate à corrupção.

Não merecíamos passar por isso tudo.

A derrubada da presidente precisa ser criticada por todos os democratas do país. Ainda que não se possa isentar Dilma de inúmeros erros na liderança política do processo desde sua reeleição, o fato é que estamos diante de um processo de desestabilização midiático-judiciária do governo, a ser arrematada possivelmente com uma manobra parlamentar denominada juridicamente como impeachment. Mas, apesar de algumas sutilezas e disfarces, o que temos é o velho golpe de Estado latino-americano. E, sendo golpe, sabemos como começa, mas não sabemos como termina.

Dilma deve ter a oportunidade de continuar seu mandato. Esta é a melhor solução para a "crise". Mas, se sobreviver ao impeachment, tem que entender, ela e o seu partido, o PT, que o desafio posto a sua frente é de enorme envergadura, não bastando portanto o valer-se dos mecanismos habituais para a condução política da presidência da República. Há que se repactuar o projeto político da esquerda imediatamente e sinalizar acordos consistentes e abrangentes para o futuro próximo, sob pena da completa exaustão do projeto político que o PT tão bem representou no início deste Século XXI.