São Fco.

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quinta-feira, 28 de abril de 2011

Duas boas decisões no STF



Da Folha de hoje.

"O STF (Supremo Tribunal Federal) rejeitou ação de cinco governadores que pedia a declaração de inconstitucionalidade de uma lei federal que modificou a jornada de trabalho dos professores da rede pública de ensino.
Eles questionavam a lei 11.738, de 2008, que instituiu a dedicação de um terço da jornada de trabalho de 40 horas por semana para atividades extraclasse, estudo ou planejamento de aulas.
Isso quer dizer que a lei está em vigor, mas pode voltar a ser analisada no futuro, em caso de novo questionamento."

MEU COMENTÁRIO - No mesmo dia de ontem o STF decidiu manter a chamada dos suplentes do parlamento respeitando a ordem da coligação. Tomara que esta decisão signifique o fim da fúria legislativa do Supremo. Que a reforma política se faça pelo Legislativo, é o que o país precisa.

CONTARDO CALLIGARIS - Tudo ou nada



Na Folha de São Paulo de hoje.

"NINGUÉM TEM simpatia por Gaddafi, e todos concordamos: se a intervenção da Otan não tivesse protegido a cidade de Benghazi, as milícias do ditador líbio teriam perpetrado um massacre.

Por isso mesmo, desde que a Otan começou sua intervenção (cujo êxito ainda está incerto), as vozes de dissenso não discutem o mérito da ação; "apenas" levantam dúvidas sobre as intenções dos interventores: quais são seus "reais" motivos? Suspeitas levantadas:

1) As potências interventoras obedecem a interesses escusos: é o petróleo; é a cobiça neocolonialista; para algumas, é a proximidade de eleições domésticas e a necessidade de ganhar a simpatia da direita antiárabe.
2) Quando elas invocam grandes princípios, as potências estão mentindo. Prova disso: por que elas intervêm na Líbia e não em outros países que sofrem sob ditaduras tão ferrenhas quanto? Aparentemente, quando se trata de ditadores que são cúmplices ou aliados, as potências se esquecem facilmente de seus nobres ideais, não é?
3) Ao escolherem seus alvos, as potências se orientam, antes de mais nada, pela facilidade das operações. Gaddafi não tem amigos a fim de entrar em guerra para defendê-lo. Além disso, o deserto da Líbia facilita o bombardeio aéreo seletivo, e a proximidade com a Europa faz com que seja possível intervir a partir de bases da própria Otan, sem pedir a ajuda ou a autorização de ninguém. Se a Líbia estivesse no meio do continente africano e fosse coberta de florestas e montanhas, provavelmente, as potências fechariam os olhos, como de fato os fecharam no caso de Ruanda.

Pois bem, concordo com todas essas "suspeitas" e com mais algumas, mas pergunto: e daí?
Ao longo da história, muitas das melhores ideias avançaram graças a ajudas e alianças duvidosas. O ideal democrático e republicano apareceu e prosperou na guerra de independência dos Estados Unidos, exitosa graças também à ajuda da França de Luís 16, o qual certamente não simpatizava com os revolucionários e queria apenas dificultar a vida dos ingleses.

Alguns maldizentes contam, aliás, que a ajuda se deveu sobretudo a um caso entre a rainha Maria Antonieta e Thomas Jefferson, embaixador dos EUA em Paris. Pouco importa, o curioso é que tanto Luís 16 quanto sua rainha foram atropelados pelas ideias a cujo triunfo eles contribuíram.

O princípio de autodeterminação dos povos se afirmou na Europa do século 19. Ora, você acha que Napoleão 3º ajudou o Piemonte a formar a Itália porque acreditava nos ideais de independência nacional e vontade popular ou porque queria enfraquecer o Império Austro-Húngaro e também curtia a ideia de ganhar a Saboia e um pedaço de Liguria em troca pela sua ajuda?

Mais uma: a partir de 1920, mundo afora, as lutas sociais foram sustentadas pelo apoio econômico da União Soviética (note-se que o declínio das esquerdas europeias desde os anos 1990 coincide com o fim desse apoio).

Nada contra isso, os avanços obtidos foram preciosos, e eu adorava as edições gratuitas de Marx em capa dura, impressas em Moscou, assim como as férias pagas nos cursos intensivos para militantes na Iugoslávia. Mas, cá entre nós, você acha que a intervenção soviética era a pura expressão da nobre solidariedade internacional-socialista?

Em suma, as dúvidas levantadas quanto às intenções de potências interventoras não me escandalizam. Ao contrário, elas me levam a constatar a extraordinária e inquietante sedução que exerce, entre nós, o argumento do tudo ou nada.

Pelo argumento do tudo ou nada, uma ação só tem legitimidade moral se sua motivação for perfeitamente pura, sem mistura alguma com interesses e cálculos "oportunistas". Corolário: a pureza das intenções seria por si só garantia indiscutível de legitimidade moral. E essa é uma ideia que me dá calafrios.

"Omnia munda mundis", diz a epístola de Paulo a Tito: tudo é puro para os puros, ou seja (é fácil desenvolver), para quem age com intenções puras tudo é permitido, pois, para ele, tudo é moral.

Os impuros são minha turma: mesmo em seus piores momentos, são sensíveis à contradição, pois lidam sempre com a complexidade atrapalhada de suas próprias intenções e com a falta de legitimidade de seus atos. Enquanto os puros... Pois é, tente conversar com os puros."

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Eduardo Marinho fala sobre política, religião e outros temas



Ontem fomos com a primeira fase na atividade realizada pelo CAD, onde Eduardo Marinho, este sujeito do vídeo acima, esteve para trocar ideias com os acadêmicos. Programada para a sala 1 do bloco "O", acabou sendo realizada na praça aberta situada ao lado do bloco P.

Foi uma noite interessante. Sinto falta do clima de Universidade, da contestação, do debate livre de ideias. Cada vez mais parece que o espaço da reflexão se vê mais e mais circunscrito, quase ao ponto do sufocamento. Cada vez mais Universidade se resumirá a "passar a matéria" e "cumprir o horário". Os alunos de hoje carecem de um pouco de rebeldia criativa (não confundir com falta de polidez).

Com Boaventura de Souza Santos, penso que é necessário repensar a emancipação. A técnica pela técnica, algo em que a humanidade está se tornando quase perfeita, não é suficiente. O projeto de emancipação da modernidade (tomar o EStado, fazer a revolução) parece ter esgotado seu poder de sedução. Que fazer?

Nunca tinha ouvido falar do Eduardo. Por isso, escutei-o atentamente. Depois de ouvi-lo posso dizer que ele tem ideias com as quais concordo em grande parte. E que estas ideias não são novas. Se alguém quiser ler, encontrará muita literatura crítica que ajuda a compreender a realidade em que estamos inseridos. Mas, quem lê livros hoje em dia no Brasil?

Daí que o Eduardo parece, para alguns, uma novidade.

O que de mais proveitoso eu achei que ele representa é esta afirmação que a política não se esgota no que chamamos "política institucional". Podemos fazer (e, na verdade, sempre fazemos, mesmo quando ficamos inertes) política em nossa vida cotidiana. A política partidária não esgota a política. Por isso gosto da definição de democracia do Claude Lefort.

Parabéns ao CAD por te-lo trazido aqui. Se sua presença tiver motivado ao menos algum aluno a procurar um livro e se fundamentar na crítica social, já terá valido a pena. E existe uma literatura imensa à disposição de todos. Que ninguém fique com a falsa impressão de que, por não ter cursado uma faculdade, Eduardo tirou suas ideias de algum surto psicótico ou uma iluminação súbita. Podem ter certeza de que ele lê. E muito.

Admirável mundo novo?

Na Folha de São Paulo de hoje.

"Controle total da família.

O gerente comercial da Bosch, Marcos Menezes, 40, vai direto ao ponto: os atuais sistemas de segurança eletrônica já permitem não apenas antecipar-se aos movimentos dos bandidos, flagrando-os quando tentam entrar onde não foram chamados. Se aplicados aos locais de moradia, permitem que se configure -o termo é dele- "um verdadeiro dispositivo de gestão familiar".

"Não é mais necessário perguntar ao porteiro a que horas o técnico da televisão entrou em casa -e que horas ele saiu; ou se a babá foi embora mais cedo. Também não será mais preciso indagar ao filho a que horas ele voltou para casa, e quem estava com ele." Basta programar o sistema de análise da câmera de segurança para que envie essas informações por e-mail ou torpedo para o pai ou mãe do garotão. Adeus, desculpas esfarrapadas.

A Folha pergunta se não seria mais eficaz e barato pegar o celular e perguntar ao porteiro ou ao filho. O vendedor dá uma piscadela: "O que seria mais objetivo? Isso é gestão familiar. Todo mundo remoto e todo mundo on-line ao mesmo tempo".
Um sistema de controle inteligente de portaria e garagem, capaz de registrar e armazenar 100 mil transações (entradas e saídas) sai a partir de R$ 13 mil.

"CRIMES AMERICANOS"
Na Feira Internacional de Segurança, que ocorre até amanhã no Pavilhão Verde do Expo Center Norte, os grandes exibidores decretaram obsoletos aqueles circuitos internos de vídeo que mal capturavam os vultos dos personagens em uma cena.
As novas camerazinhas de segurança já são capazes de captar imagens em HD ou alta definição. Preços: a partir de R$ 800.

"Sabe aquelas cenas de crimes americanos que passam na TV e que parecem filmes, tal a qualidade das imagens? Vai dar para fazer igual aqui", diz um expositor.
Essa alta resolução está acoplada a sistemas de análise que transformaram os equipamentos em verdadeiras sentinelas. Mesmo que o porteiro esteja sonolento, que não esteja nem aí para o monitor do circuito de vídeo.

Pode-se programar as câmeras para cumprir várias funções: detectar um intruso, fazer a identificação facial (a partir de um banco de dados previamente compilado), contar os presentes em um local, perceber furtos -e para emitir alarmes todas as vezes em que uma situação crítica se apresente.

Sabe aquele namorado da sua filha, que você considera péssima influência? Basta programar a câmera para gerar um aviso sempre que ele entrar na sua casa.
Pode ser um sinal sonoro ou luminoso, para afastar o invasor, pode ser um aviso na central de polícia, na portaria ou no celular do proprietário do imóvel.

No estande da Panasonic, o engenheiro eletrônico Luís Sergio Correia avisa que em alguns meses um novo software permitirá ao sistema inteligente discriminar visitantes por sexo e faixas de idade, além de gerar gráficos com com essas informações (quantidade de pessoas, fluxo por horário). Serve para controlar as baladas no salão de festas no condomínio.

As novas câmeras analíticas não aceitam o desaforo de terem suas lentes cobertas ou destruídas, para que uma cena não seja registrada. Mandam avisos quando algo tampa seu campo de visão.
Trata-se de um mercado que no ano passado movimentou cerca de R$ 710 milhões, segundo a Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica). Em 2008, foram R$ 130 milhões.

Tem para todos os gostos. Um equipamento de reconhecimento facial (preço: R$ 8.000) acoplado a uma porta, por exemplo, só permite o acesso de indivíduos cujos rostos tenham sido previamente registrados.

Detalhe: o aparelho não se deixa enganar nem por barbas postiças nem por perucas nem por lentes de contato nem por fotografias.
"

domingo, 24 de abril de 2011

EUA e o golpe de 64



Na foto acima, o Presidente João Goulart cumprimenta o presidente dos EUA.

Na Folha de São Paulo de hoje.

"Em apoio ao golpe de 1964, a Casa Branca estava decidida a rever as relações econômicas com o Brasil para enfraquecer o governo do presidente João Goulart.
A informação consta de documentos secretos liberados pelo governo norte-americano e obtidos pela Folha.

Os papéis relatam uma reunião na Casa Branca em 28 de março de 1964, três dias antes do golpe, com conselheiros diretos do presidente Lyndon Johnson e agentes de alto escalão da CIA.

Esse encontro ocorreu após o recebimento de mensagem do então embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon, com detalhes e pedidos para possível participação norte-americana no golpe para derrubar Jango.

Essa participação ficou conhecida como "Operação Brother Sam": o governo dos EUA discutiu a possibilidade de enviar navios, combustíveis e armamentos para auxiliar os militares golpistas.

Novos documentos mostram que os planos dos EUA não tratavam só de apoio militar. Um dos textos, que resume a reunião do dia 28, diz que a Casa Branca deveria telegrafar a Gordon: "Queremos que o embaixador reveja nossas relações econômicas e financeiras com o Brasil e nos recomende quais ações devemos tomar".

No mesmo dia, esse telegrama é enviado ao Brasil e fala em medidas concretas, como abandonar ou modificar negociação sobre a dívida brasileira e repensar as taxas de importação de café.

A Casa Branca questiona se deveria "abandonar, reduzir ou modificar de alguma forma a estratégia de negociação da dívida para evitar fortalecer o prestígio de Goulart". E mais: "Devemos segurar a aprovação ou o anúncio de empréstimos assistenciais? Outras medidas não militares são desejáveis para polarizar mais a situação em detrimento de Goulart?"

Gordon pediu o envio de armas sem identificação serial ou fabricadas fora dos EUA. A Casa Branca, porém, viu dificuldades em fornecer armamento "que não fosse depois atribuído a uma operação secreta dos EUA".

Um dos memorandos do Estado-Maior americano, datado de 31 de março, detalha ordens de envio de força-tarefa naval para a região de Santos para "estabelecer presença dos EUA nesta área".

Também neste caso aparece a preocupação de não expor os EUA: "Não sabemos se podemos oferecer disfarce plausível para a força naval".

As medidas não chegaram a ser executadas, porque Jango não resistiu ao golpe."

MEU COMENTÁRIO - Em outra notícia no mesmo caderno, a FSP revela que o o governo dos EUA pediu reportagens favoráveis ao golpe aos jornais americanos e foi atendido. Pergunta: quando vão fazer a autocrítica?

Previdência e efeito Viagra


Hoje, na Folha de São Paulo:

""Viúvas jovens" inflam o deficit da Previdência

DE BRASÍLIA

No Ministério da Previdência, relatos indicam a concessão indiscriminada de pensões por morte.
Mais de um técnico da pasta contou a história de um trabalhador que se casou com uma jovem tendo contribuído só uma vez para o INSS: após sua morte, a viúva passou a receber a pensão pelo resto da vida.

Para coibir situações similares, a ideia é exigir um tempo mínimo de união.
A proposta de fixar uma carência de contribuição pretende evitar exemplos de casamentos arranjados para obtenção de pensões.

Integrantes da Previdência citam grupos de advogados que percorrem hospitais promovendo casamentos com pacientes terminais. Há ainda situações em que contribuintes idosos adotam menores como netos ou sobrinhos, para que estes recebam a renda mensal até completar 21 anos.

A ausência de limites multiplica as distorções. Nos últimos anos, cresceu o percentual de homens mais velhos casando com mulheres abaixo dos 40 anos. O ministério passou a se preocupar com o impacto do fenômeno "viúva jovem" sobre as contas públicas.

Pelas regras atuais, essas beneficiárias recebem o abono mensal pelo resto da vida sem perder o direito mesmo que se casem novamente ou sejam financeiramente independentes. O objetivo é fixar um limite para receber o benefício."

sexta-feira, 22 de abril de 2011

RUY CASTRO - O macaco tá certo

na folha de hoje.

"RIO DE JANEIRO - Nesta terça-feira, o Tribunal de Justiça do Rio concedeu habeas corpus a 40 policiais civis e militares acusados de formação de quadrilha armada, peculato, corrupção passiva, comércio ilegal de armas de fogo, extorsão qualificada, associação com a milícia e outras atividades não regulamentares. Eles agora responderão a essas acusações em liberdade. Pior para a Operação Guilhotina, desfechada em fevereiro pela Polícia Federal para sanear o aparelho.

No mesmo dia, uma juíza, também do Rio, negou o pedido de prisão preventiva do pedreiro Luiz Carlos Oliveira, 50 anos, que confessou ter degolado, com um caco de garrafa, a universitária Mariana Gonçalves dos Santos, 21, dentro de uma escola em Campo Grande, no dia 7 de março. Em suas sentenças, lavradas em legalês arcaico, os juízes alegaram não ser necessário manter em prisão cautelar tanto os 40 policiais quanto o degolador.

Por coincidência, ainda nesse dia -um dia cheio-, e sempre no Rio, o Tribunal de Justiça negou o habeas corpus que permitiria ao chimpanzé Jimmy, 27 anos, se mudar do zoo de Niterói, onde vive numa jaula, para o Santuário dos Primatas, em Sorocaba (SP), onde seria mais feliz. O argumento foi o de que, embora compartilhe 99,4% do DNA humano, Jimmy não é gente, donde inabilitado para beneficiar-se de um habeas corpus.

Enquanto isto, o ex-médico Roger Abdelmassih, 67, condenado a 278 anos de prisão por estupro e violento atentado ao pudor contra 60 mulheres em sua clínica em São Paulo e, naturalmente, foragido, anuncia de alguma parte que sua mulher, de 32 anos, está grávida e que ele será pai de gêmeos.

Um antigo programa de TV de Jô Soares, "O Planeta dos Homens", tinha um bordão: "O macaco tá certo". Vide Jimmy. Interrompeu sua evolução na hora H para conservar o 0,6% de características que o distinguem dos humanos."

quarta-feira, 20 de abril de 2011

TJ diz que macaco não é gente e o mantém em zoo


Na Folha de hoje.

"Após mais de três horas de debates, com referências a intelectuais como o filósofo italiano Norberto Bobbio e o australiano Peter Singer, professor de bioética da Universidade de Princeton.

Ao final, os desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Rio decidiram ontem que chimpanzé não é gente, apesar de seu DNA ser 99,4% igual ao dos humanos, segundo o relator do processo, e negaram pedido de habeas corpus a Jimmy, um chimpanzé de 27 anos.

O primata vive há cerca de 12 anos no Zoológico de Niterói. A intenção dos ambientalistas que entraram com o pedido é transferir Jimmy para um santuário em Sorocaba (99 km de SP).
Os 30 autores do pedido - quatro professores universitários dos EUA, um representante do Greenpeace, entre outros- argumentavam que, vivendo em uma jaula com pouco mais de 60 m2, o Jimmy estava privado de seu direito à liberdade de locomoção e à vida digna.

No entender do relator do processo, desembargador José Muiños Piñeiro, "chimpanzé não é alguém". "[Norberto] Bobbio escreveu que uma tendência de evolução pode nos levar a reconhecer os animais como titulares desse direito, mas por enquanto temos que seguir o que diz a Constituição", disse.

Defensor de Jimmy, o advogado Daniel Braga Lourenço afirmou que negar seu direito é fazê-lo passar pela "mesma discriminação que índios, negros e mulheres já sofreram".
Já o advogado Fernando Fragoso, representante do zoológico, argumentou que, se tivessem o direito a habeas corpus, os animais deveriam ter deveres também. "Então poderíamos criar o crime do "macaquicídio", caso um deles matasse alguém", disse.
Os advogados de Jimmy, que vai continuar no zoológico, vão recorrer ao STF."

Só digitalizar processos não agiliza Justiça, afirma estudo

Na Folha de hoje.

"Apontadas como soluções para agilizar o Judiciário, a digitalização dos processos e a contratação de mais servidores não são eficientes sem a reestruturação das varas.
A conclusão é do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em estudo sobre o custo de ações de execução fiscal, que permite a cobrança de créditos da União, na Justiça Federal.

Segundo o levantamento, não há variação de desempenho entre as varas que usam autos físicos ou digitais.
No trabalho de campo, os pesquisadores observaram que a digitalização não foi acompanhada de treinamentos nem de mudanças na organização da instituição.
Além disso, a economia de tempo com a extinção de procedimentos burocráticos foi substituída por novas tarefas, como o escaneamento dos documentos.

O estudo, porém, adverte que a conclusão pode ser resultado da baixa presença de ações digitalizadas na amostra e que só uma análise específica apontaria de fato a eficiência da digitalização e as reais causas.

A quantidade de servidores por processo na vara também não influencia no tempo de duração da ação, demonstrando que a contratação de mais gente não é a solução.
"Os resultados indicam a falência dos padrões de organização e a necessidade imperiosa de novos modelos de gestão", diz o estudo.

As primeiras conclusões, divulgadas no começo do mês, apontaram que um processo de execução fiscal na Justiça Federal leva em média oito anos e custa R$ 4.368. A pesquisa analisou 1.510 processos concluídos em 2009 em 184 varas de 1º grau em 124 cidades.
"

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Tratamento diferenciado?



Aécio Neves é o sujeito da foto acima. Político mineiro, ex-deputado, ex-governador, agora senador. Sobrinho de Tancredo Neves, sente-se fadado à Presidência da República. Se José Serra deixar, ele a disputará em 2014 pelo setor conservador.

Ele foi parado na madrugada em uma "blitz" policial e negou-se a fazer o teste do bafômetro. Os policiais constataram que sua carteira de habilitação estava vencida. Pergunta-se: como a mídia reagiria se fosse o Tiririca? Assim, discretamente?

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Ah! os médicos...

Da Folha de São Paulo de hoje.

"TALITA BEDINELLI
DE SÃO PAULO

A ANS (Agência Nacional de Saúde) proibiu ontem que planos de saúde bonifiquem médicos que pedem menos exames a seus pacientes.
A prática, conhecida como "consulta bonificada" ou "pagamento por performance", tem sido denunciada pelos médicos dos convênios.

Ela funciona assim: o plano faz um contrato para que o médico peça menos exames. Em troca, eles recebem no final do mês um preço melhor pela consulta ou até bonificação em dinheiro.

"A prática é antiética. É uma tentativa de tentar obrigar o médico a não pedir exames. Sempre que se tentar vincular o ganho médico com o lucro que ele dá para a empresa [de convênio], é péssimo para o paciente", afirma Florisval Meinão, diretor da AMB (Associação Médica Brasileira).

Conselhos de medicina já proíbem a prática, diz ele.
Mas agora, com a súmula da ANS publicada ontem no "Diário Oficial", as empresas que aderirem à prática serão punidas com advertência ou multa de até R$ 35 mil.
Na decisão, a agência considerou que "os exames diagnósticos complementares têm por objetivo proporcionar o adequado diagnóstico de patologias e orientar o tratamento dos pacientes".

A ANS não soube informar ontem quantas denúncias foram feitas em relação a isso.
Mas uma pesquisa do Datafolha encomendada pela APM (Associação Paulista de Medicina) mostrou, no final de 2010, que 80% dos médicos entrevistados diziam que todos, quase todos ou a maioria dos planos interferem na autonomia do médico.
Limitar o número de exames ou procedimentos foi uma das interferências mais comuns descritas."

MEU COMENTÁRIO - Será que os médicos também têm algum tipo de benefício da indústria farmacêutica quando receitam remédios de marca? Será que seria este o motivo de alguns deles serem contra os medicamentos genéricos?

PSD?



Ontem foi fundado o PSD, o mais novo partido político brasileiro.

Seu maior líder é Gilberto Kassab, o da foto acima, com o microfone.

Nas suas palavras, o PSD não é de esquerda, direita, nem de centro. Também não é situação nem oposição. Muito pelo contrário, poderíamos acrescer sem aumentar a falta de sentido...

Que esperar disso tudo?

CONTARDO CALLIGARIS - Realengo


Na Folha de São Paulo de hoje.

"1) EM MARÇO de 2009, em Wendlingen, Alemanha, um jovem de 17 anos entrou no colégio do qual ele tinha sido aluno e começou uma matança que terminou com seu suicídio e custou a vida a 15 pessoas.

Na época, notei que, para os suicidas-assassinos de massa, encarnar o anjo da morte é sempre uma demonstração pública. E perguntei: uma demonstração de quê?
Pois é, num mundo dominado por máscaras e aparências, talvez os únicos eventos que se destaquem por serem indiscutivelmente reais sejam o nascimento e a morte. Nessa ótica, as meninas, para nos obrigar a levá-las a sério, podem engravidar e dar à luz. Quanto aos meninos, o que lhes sobra para serem levados a sério é morrer ou matar.

Por isso as meninas pensam no amor, e os meninos, na guerra; as meninas sonham em ser mestres da vida, os meninos sonham em ser mestres da morte.
Em suma, atrás da singularidade das razões de cada um, os suicidas-assassinos (todos homens) parecem agir na tentativa desesperada de se levarem a sério e de serem, enfim, levados a sério: "O mundo me despreza e me desprezará mais ainda, mas, diante de meu ato mortífero, não poderá negar que sou gente grande, um "macho de respeito'".

Mais um detalhe. Cada vez mais, a preservação da vida parece ser nosso valor supremo. Todos estão dispostos a qualquer coisa para não morrer; não é estranho que, de repente, aos olhos de alguns, a verdadeira marca de superioridade pareça ser a facilidade em matar e se matar.

2) É possível que a vida escolar de Wellington, o assassino de Realengo, tenha sido um suplício. Mas a simples vingança pelo bullying sofrido não basta para explicar seu ato. Eis um modelo um pouco mais plausível (e infelizmente comum).

Durante sua adolescência, um jovem é zombado pelos colegas e, sobretudo, pelas meninas que despertam seu desejo. Para se proteger contra a recusa e a humilhação, o jovem se interdita o que ele deseja e que lhe está sendo negado: "As meninas que eu gosto riem de mim e de meu desejo por elas; para não me transformar numa piada, farei da necessidade virtude: entrarei eu mesmo em guerra contra meu desejo. Ou seja, transformarei a exclusão e a gozação num valor: não fui rechaçado, eu mesmo me contive -por exemplo, porque quero me manter ilibado, sem mancha".

Wellington, o assassino de Realengo, na sua carta de despedida, pede para não ser contaminado por mãos impuras. Difícil não pensar no medo de ele ser contaminado por suas próprias mãos, e no fato de que a morte das meninas preservaria sua pureza, libertando-o da tentação.

A matança, neste caso, é uma maneira de suprimir os objetos de desejo, cuja existência ameaça o ideal de pureza do jovem. Ora, é graças a esse ideal que ele transformou seu fracasso social e amoroso numa glória religiosa ou moral. Como se deu essa transformação?

Simples. Para transformar os fracassos amorosos em glória, o fanatismo religioso é o cúmplice perfeito. Funciona assim: você é isolado? Sente-se excluído da festa mundana? Pois bem, conosco você terá uma igreja (real ou espiritual, tanto faz) que lhe dará abrigo; ajudaremos você a esquecer o desejo de participar de festas das quais você foi e seria excluído, pois lhe mostraremos que esse não é seu desejo, mas apenas a pérfida tentação do mundo. Você acha que foi rechaçado? Nada disso; ao contrário, você resistiu à sedução diabólica. Você acha que seu desejo volta e insiste? Nada disso, é o demônio que continua trabalhando para sujar sua pureza.

Graças ao fanatismo, em vez de sofrer com a frustração de meus desejos, oponho-me a eles como se fossem tentações externas. As meninas me dão um certo frio na barriga? Nenhum problema, preciso apenas evitar sua sedução -quem sabe, silenciá-las.
Fanático (e sempre perigoso) é aquele que, para reprimir suas dúvidas e seus próprios desejos impuros, sai caçando os impuros e os infiéis mundo afora.

Há uma lição na história de Realengo -e não é sobre prevenção psiquiátrica nem sobre segurança nas escolas. É uma lição sobre os riscos do aparente consolo que é oferecido pelo fanatismo moral ou religioso. Dito brutalmente, na carta sinistra de Wellington, eu leio isto: minha fé me autorizou a matar meninas (e a me matar) para evitar a frustrante infâmia de pensamentos e atos impuros. "

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Desarmamento



Há alguns anos passei por um dilema danado. Tinha que votar, sim ou não, no referendo sobre o desarmamento. Havia razões boas para ambos os lados. Como decidir?

Sou um pacifista. Sou absolutamente contra a violência, não apenas envolvendo armas de fogo, mas qualquer forma de violência. Nunca praticaria artes marciais. Mas, sou consciente que o meu desejo não muda o mundo. Assim, é fato que apesar de muitos desejarmos um mundo de paz, o mundo de verdade é mais complexo e sempre apresentará a violência como uma de suas realidades.

Que bom se ao votarmos num plebiscito a gente pudesse mudar, com um aperto de botões, a natureza humana. Se proibir a fabricação de armas trouxesse consigo o fim da violência humana, nossa, que beleza. Eu votaria junto. Mas isso não vai acontecer.

Existe um argumento forte a favor do comércio legal de armas: "a proibição do comércio legal de armas, como armas continuarão a ser fabricadas em algum lugar, não atinge aqueles que queiram ter este tipo de supremacia sobre os demais, impedindo o cidadão regular de se defender, em querendo."

Mas, não foi este argumento que decidiu o meu voto. Acabei votando contra a proibição por um motivo mais complexo, que envolveu minhas leituras de criminologia crítica. É que a coibição da venda de armas envolveria a criminalização das condutas e a gente já sabe onde isso vai dar: mais água no moinho de um sistema penal de eficácia invertida. Meu lado minimalista penal falou mais alto.

Sarney e o plebiscito do desarmamento


Há alguns dias houve o massacre de adolescentes em Realengo/RJ. Um fato que a todos entristeceu e deixou perplexos. A busca de uma razão para o ocorrido é inerente a nossa condição humana, de seres pensantes, mas inútil. Não há, esta é a verdade, como prevenir que um fato como este se repita.

Estamos acompanhando os desdobramentos do ocorrido. Quero comentar um deles. Por iniciativa do presidente do Senado, senador José Sarney, o Legislativo pretende refazer a consulta sobre o desarmamento feita há alguns anos. Naquela oportunidade a população se manifestou claramente contra a proibição de venda de armas de fogo. (na foto acima, um retrato do artista quando jovem, com seus ídolos de juventude fixados na parede atrás dele).

Sou um defensor da utilização de mecanismos de deliberação direta conjugados à democracia representativa tradicional. Foi, em certa medida, minha pesquisa de mestrado. Mas, democracia direta tem que ser levada à sério. É necessário respeitar a vontade popular.

Não podemos aceitar que se ignorem milhões de votos com apenas um argumento, como o de que o que teria prevalecido na última consulta teria sido o lobby da industria das armas. Não posso ser a favor da democracia apenas quando a vontade do povo coincide com a minha. É errado sair dizendo que o povo não sabe votar quando os resultados não batem com o que penso.

A consulta anterior sobre este tema não tem cinco anos. Não se passou uma geração. Não deve ser refeita. Muito menos se deve fazer uma consulta popular no calor de um acontecimento da magnitude do que ocorreu em Realengo. As pessoas podem ser subjetivamente passionais, as instituições não.

É uma pena que a democracia semidireta não tenha se desenvolvido plenamente em nosso país. Poderíamos ter avançado muito em termos de cidadania política. As razões para isso são óbvias e a maior de todas encontra sua personalização na própria figura de José Sarney: o ranço autoritário (herança do regime militar) ainda presente na cena política brasileira.

Espero não ser submetido a esta palhaçada. Espero, acima de tudo, que a memória das vítimas seja respeitada.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Uma defesa de Bolsonaro - Helio Schwartzman


Na Folha On line de hoje.

"Com o atraso que se faz necessário para serenar os espíritos, comento o caso envolvendo o deputado Jair Bolsonaro, que, ao invectivar simultaneamente contra negros e homossexuais, despertou a sincera ira de amplos setores da sociedade. Evidentemente, estou entre os que acham que o mandatário tem o direito de dizer o que pensa, por mais politicamente incorretas, ofensivas ou imorais que sejam suas declarações. Aliás, surpreendeu-me o número de pessoas (incluindo algumas que eu respeito) que advogou pela abertura de processos criminal e por quebra de decoro contra o legislador.

Não sou fã da imunidade parlamentar, mas, se há uma restiazinha de sentido neste instituto, ela está justamente na blindagem de congressistas em relação aos chamados crimes contra a honra. E sair-se com casuísmos do tipo "a imunidade só vale para declarações relacionadas ao exercício do mandato" é uma patacoada. Tentar distinguir entre os "momentos parlamentares" e os não parlamentares na vida de um legislador é exercício fadado ao fracasso, e não só porque eles trabalham pouco. Quando deu a entrevista que deflagrou o escândalo, o intimorato Bolsonaro estava longe da tribuna; ainda assim só havia sido procurado pela mídia porque tem assento no Congresso Nacional. Esse é um "instante deputado" ou não deputado?

Faço minha uma frase do linguista e militante esquerdsista norte-americano Noam Chomsky: "Se você acredita em liberdade de expressão, então acredita em liberdade para exprimir opiniões que você não gosta. Stálin e Hitler, por exemplo, eram ditadores favoráveis à liberdade de exprimir apenas opiniões que eles gostavam. Se você é a favor da liberdade de expressão, isso significa que você é a favor da liberdade de exprimir precisamente as opiniões que você despreza".

Com efeito, ninguém precisa de licença ou autorização para dizer o que todos querem ouvir. Ou bem o instituto da liberdade de expressão existe para abarcar casos como o de Bolsonaro, ou ele se torna um penduricalho inútil na legislação, uma palavra de ordem no máximo.

E eu receio que tenha sido isto o que aconteceu: a liberdade de expressão acabou se tornando uma "idée reçue" (ideia aceita). Achamos que ela é importante porque todos dizem que é importante, mas o raciocínio para aí. Minha intenção é usar a coluna de hoje para tentar mostrar por que devemos defender o direito de um cidadão dizer o que deseja mesmo que o conteúdo de suas declarações nos repugne.

Parte da culpa pelo marasmo em que o conceito de liberdade de expressão caiu é da turma dos direitos humanos (na qual me incluo). Sempre que precisamos justificá-la, abraçamos a solução preguiçosa de fazer referência ao artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que a afirma. Podemos eventualmente avançar até os artigos 5º, IX e 220 da Constituição brasileira, ou à primeira emenda da Carta dos EUA, que também a mencionam, mas continuaremos não dizendo muito. Apenas citar as peças normativas que aludem à liberdade de expressão faz com que ela pareça um direito natural, e direitos naturais, lamento dizê-lo, são uma grande bobagem. Quer dizer, eles até podem fazer sentido para quem acredita num Papai do Céu que presenteia seus povos preferidos com tábuas de leis e garantias fundamentais, mas, se quisermos ser um bocadinho mais sofisticados do que isso, precisamos pensar direitos como regras positivas que se articulam em torno de intuições morais e princípios de organização social.

Numa simplificação grosseira, a liberdade de expressão deve constar de nossos sistemas legais porque ela satisfaz a teoria da justiça embutida em nossos cérebros e, igualmente importante, tende a tornar melhor as sociedades em que vivemos.

Em "On Liberty", um primoroso opúsculo de 1859 que anda lamentavelmente meio esquecido, o filósofo John Stuart Mill (1806-1873) diz quase tudo o que é preciso dizer sobre o assunto. Como todo bom liberal inglês, ele alerta para as injustiças que um governo pode cometer contra o indivíduo, mas lembra que o Estado não é o único perigo. A sociedade, através das "opiniões e sentimentos prevalecentes", pode converter-se num poder ainda mais opressivo que o do Estado. É o que Mill chama de "tirania da maioria". E a única forma de contrapor-se a ela (e às outras potenciais ditaduras que rondam à espreita) é conferir ao cidadão liberdades em seu grau superlativo. "Na parte que concene apenas a ele mesmo [o indivíduo], à sua independência, o direito é absoluto. Sobre si mesmo, o seu corpo e sua mente, o indivíduo é soberano".

O autor detalha um pouco mais o quadro, destacando a liberdade de pensamento (que, para ser efetiva precisa incluir as liberdades de expressão e de imprensa), a liberdade de buscar o que quer que apeteça ao sujeito, ainda que isso pareça imoral aos olhos de muitos, e a liberdade de reunião, isto é, de juntar-se a outras pessoas.

Mill, é claro, não era tonto. Ele logo percebeu que uma liberdade assim forte fatalmente entraria em conflito com outros direitos que devem ser preservados. Impôs, portanto, um único limite a essa liberdade: o princípio do dano. Para o filósofo, "a única situação em que o poder pode justificadamente ser exercido contra a vontade de qualquer membro de uma comunidade civilizada é para prevenir dano a outros".

Definir o que seja dano é evidentemente problemático. Mill, porém, tinha em mente perigos físicos muito concretos e não meras indignações e chiliques por parte de gente que se ofende com facilidade. Vale lembrar que o autor também abre uma exceção para que possamos impor nossa autoridade sobre crianças e pessoas privadas de juízo, mas apenas enquanto estas não puderem ser donas de seus próprios narizes.

As liberdades de Mill, notadamente a de pensamento, estão na base de muitas das instituições que definem a modernidade. Um exemplo é a liberdade acadêmica e, com ela, o desenvolvimento técnico e científico que hoje vivemos. Até podemos conceber que ciência seja produzida num contexto de censura a ideias, mas parece forçoso admitir que seu escopo seria menor e seu ritmo, mais lento.

De modo análogo, vários autores ligam a liberdade de expressão à própria noção de democracia. A razão mais óbvia é que, pelo menos nos livros-texto, um dos requisitos para o bom funcionamento da democracia é a existência de um eleitorado bem informado.

Já quase recorrendo à teoria dos jogos é possível também afirmar que a liberdade de expressão, ao assegurar que todos os temas possam ser discutidos e sob todas as perspectivas, ajuda a sociedade a encontrar o balanço entre mudança e estabilidade. Tome-se o caso da moral. Um debate aberto permite que se proceda ao ajuste fino entre a saudável contestação e o necessário consenso. Como eu escrevi neste mesmo espaço três semanas atrás: "A figura do 'dissenter', embora possa produzir fricções de alto custo emocional para todas as partes envolvidas, também costuma levar a maioria a reformular seus argumentos (ou projetos), de modo a responder a objeções percebidas como relevantes. Essa dinâmica fica particularmente clara em situações como a de tribunais colegiados e comissões legislativas. O 'do contra' aqui, ainda que possa provocar brigas homéricas, é um elemento fundamental para melhorar a qualidade do trabalho".

E vale lembrar que, para cada Bolsonaro ecoando ideias racistas e homofóbicas, existe também um sujeito progressista defendendo pontos de vista libertários e avanços sociais. Na média, quando todos podem falar livremente, é a sociedade que sai ganhando.

PS - Depois de uma defesa tão veemente do direito do deputado Jair Bolsonaro de dizer o que pensa, só me resta dizer o que penso dele: sujeitinho detestável! "

quinta-feira, 7 de abril de 2011

CONTARDO CALLIGARIS - Relativismo, em termos


Na Folha de São Paulo de hoje.

"NO VERÃO de 1966, em Roma, um dos meus amigos era chamado de Normale, pela turma inteira -apelido irônico, pois ele era totalmente dedicado à tarefa de ser "anormal".
Normale era filho de um pastor do centro-oeste dos EUA e fumava imensos baseados enrolados num papel bíblia que ele recortava e humidificava, para que queimasse devagar. Segundo ele afirmava, o papel provinha das Bíblias que seu pai lhe mandava regularmente, na esperança que ele se redimisse.

Nestes dias, no Afeganistão, homens-bomba mataram e feriram copiosamente para punir (?) um pastor que, na Flórida, diante de sua pequena congregação, processou, condenou e queimou o Corão (entenda: um exemplar do livro). Pensei que estava na hora de mandar Normale para lá -tanto para a Flórida quanto para o Afeganistão.
Na época, eu achava que a rebeldia generalizada de Normale era babaca. Hoje, comparada com a babaquice do pastor da Flórida e dos homens-bomba do Afeganistão, ela me parece ser uma nobre arma contra o obscurantismo.

Lançado de paraquedas nos ditos lugares, se ele não for massacrado, Normale poderia impor pelo escândalo alguns valores básicos de nossa modernidade, a começar pela primazia do espírito sobre a letra -fumar livros é desrespeitoso, mas o livro vale pelas ideias e não pelo papel.

Agora, atenção: no conflito entre Normale e o obscurantismo, para estar do lado de Normale, não preciso acreditar que a rebeldia seja um valor "natural" ou "mais evoluído" do que a obediência às tradições. BASTA-ME O FATO DE QUE A REBELDIA É O VALOR DE MINHA TURMA. Mais um exemplo.

Na Ilustrada de 30 de março, Luc Ferry, filósofo francês, apresentou seu livro "La Révolution de l'Amour" (Plon) lembrando que, no Ocidente, a passagem "do casamento arranjado por famílias ao casamento de amor" produziu uma revolução que vai além da vida amorosa. Valorizar os sentimentos acima da autoridade e das tradições familiares é um traço decisivo de nossa maneira de ser.

Até aqui, tudo bem. Gosto da modernidade ocidental tanto quanto Ferry e, como ele, considero que nossos valores devem ser promovidos e defendidos -não seria difícil me convencer a mandar a infantaria quando, em algum lugar do mundo, um Romeu, proibido de cortejar sua Julieta, pedir nossa ajuda.

Mas Ferry justifica nossa preferência cultural comum. Segundo ele, o fato de privilegiar os sentimentos nos levou a privilegiar a existência humana -a nossa e a de todos; com isso, aos poucos, desistimos de grandes ideias que pedem tributos de sangue e ficamos com a tranquila vontade de viver bem e em paz. Ou seja, nós somos os mais "humanos" de todos.

À diferença de Ferry, eu não preciso achar que nossos valores sejam os mais "humanos". Prefiro defendê-los simplesmente por eles serem os que parecem justos em meu foro íntimo. Ou seja, não quero estabelecer a "superioridade" de meus valores por algum critério que lhes seja externo. Sou relativista?
Sim, se isso quer dizer que, para mim, nossa cultura não é o suprassumo da essência humana. Mas não sou relativista se isso implica desistir de defender os valores de nossa cultura.

Em suma, o relativismo não significa que todos os valores se equivalem, mas que, para defender a cultura da gente, não é necessário nem é bom considerar que nossos valores sejam "naturais" ou "essenciais" e, portanto, estejam acima da diversidade dos tempos e dos costumes.

Por que não é bom? Simples: quando consideramos nossos valores como "naturais", paramos de enxergar que, como qualquer cultura, a nossa também é, antes de mais nada, um dispositivo de controle das mentes e dos corpos -ou seja, perdemos a capacidade de criticar nossa cultura.

Por exemplo, se acreditarmos que a modernidade ocidental é o fim triunfal da história, diremos que a primazia dos sentimentos nos libertou, enfim e de vez. Tudo de bom, não é?

Só que não é assim: saímos da ditadura das obrigações tradicionais para entrar na ditadura dos sentimentos, da autenticidade procurada, da confissão escancarada. Como Ferry, eu prefiro assim, de longe, e não me mudaria para nenhum outro tempo ou lugar. Mas, cá entre nós, este não é o fim nem o ápice da História.
Escrevi essas reflexões enquanto lia "Foucault, seu Pensamento, sua Pessoa", de Paul Veyne, (Civilização Brasileira), que é um livro justo e tocante. "

MEU COMENTÁRIO - Estou terminando de ler um livro do Luc Ferry, "Aprender a viver", que comprei em edição em língua espanhola. O título sugere um livro de auto-ajuda (argh) quando na verdade o autor faz uma ótima apresentação da filosofia para iniciantes, com uma abordagem leve e sedutora. Vale a pena.

Sistema criminal trata diferente ricos e pobres, afirma De Sanctis


Na Folha de hoje.

"O desembargador Fausto Martin De Sanctis, que atuou no caso Castelo de Areia, recusou-se ontem a falar sobre o julgamento do STJ que anulou os grampos da operação, mas disse que o sistema criminal do país vive uma situação de "dualidade de tratamento" entre ricos e pobres.

Folha - Como o sr. avalia a decisão do STJ que anulou os grampos da Castelo de Areia?

Fausto De Sanctis - Não posso falar sobre esse caso concreto, mas posso falar sobre o sistema criminal de um modo geral. Em várias situações o Supremo Tribunal Federal já legitimou interceptações após denúncias anônimas e prorrogações de interceptações por longos prazos.

A Justiça tem um compromisso, pois ela serve de estímulo ou desestímulo para outros órgãos de poder. Não se pode comprometer a imagem da Justiça como uma Justiça dual, que trata diferentemente pobres e ricos.

O grande desafio do Judiciário brasileiro é reafirmar o princípio da igualdade e não fazer reafirmações que passam de forma concreta a ideia de que o crime compensa para alguns. A dualidade de tratamento já foi discutida no passado e os países desenvolvidos já superaram essa fase. Mas parece que o Brasil não superou.

Qual será a repercussão desse julgamento para outros casos que tiveram interceptações após denúncias anônimas?

Não posso falar desse julgamento, mas é nítido para juízes criminais, Ministério Público, Polícia Federal e advogados o desestímulo institucional já existente. Tudo o que é feito é sempre interpretado de maneira favorável às teses provenientes daqueles que lucram muito com elas.

Não existem direitos sem deveres, mas parece que os deveres não são exigidos ou são muito bem flexibilizados em determinadas situações, o que é inconcebível.

O subprocurador que representou o Ministério Público no julgamento disse ser preciso reavaliar os cuidados nas apurações. O sr. concorda?

Não falo do fato concreto, mas acontece que há uma total desorientação da jurisprudência com relação aos trabalhos de apuração, porque a jurisprudência sempre permitiu interceptações por tempo indeterminado, denúncias anônimas e ações controladas.

A partir do momento em que determinados casos vieram à tona, e não estou falando da Castelo de Areia, a jurisprudência simplesmente vira e interpreta com rigor tal que não se tem como investigar ou processar, pois tudo leva à prescrição, à nulidade ou à inépcia da denúncia. "

terça-feira, 5 de abril de 2011

Dissertação defendida!



O moço sorridente na foto acima, ladeado por seus avaliadores na sessão de defesa de dissertação ocorrida ontem no CPGD-UFSC é Francisco Pizzeti, nosso ex-aluno, agora já mestre em direito.

Não pude estar presente na defesa, mas quero cumprimentá-lo aqui, pela rápida e brilhante trajetória de pesquisador na área do direito. Que seu exemplo seja seguido por outros alunos identificados com o aperfeiçoamento intelectual.

Parabéns e abraço do amigo!