São Fco.

São Fco.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Vladimir Safatle - Escala F


na Folha de São Paulo de hoje.

"Na década de 50, o filósofo alemão Theodor Adorno (1903-1969) uniu-se a um grupo de psicólogos sociais norte-americanos para desenvolver um estudo pioneiro sobre o potencial autoritário inerente a sociedades de democracia liberal, como os Estados Unidos.

O resultado foi, entre outras coisas, um conjunto de testes que permitiam produzir uma escala (conhecida como Escala F, de "fascismo") que visava medir as tendências autoritárias da personalidade individual.

Por mais que certas questões de método possam atualmente ser revistas, o projeto do qual Adorno fazia parte tinha o mérito de mostrar como vários traços do indivíduo liberal tinham profundo potencial autoritário.

O que explicava porque tais sociedades entravam periodicamente em ondas de histeria coletiva xenófoba, securitária e em perseguições contra minorias.

O que Adorno percebeu na sociedade norte-americana vale também para o Brasil. Na semana passada, esta Folha divulgou pesquisa mostrando como a grande maioria dos entrevistados apoia ações truculentas como a internação forçada para dependentes de drogas e intervenções policiais espetaculares como as que vimos na cracolândia.

Se houvesse pesquisa sobre o acolhimento de imigrantes haitianos e sobre a posição da população em relação à ditadura militar, certamente veríamos alguns resultados vergonhosos.

Tais pesquisas demonstram como a idealização da força é uma fantasia fundamental que parece guiar populações marcadas por uma cultura contínua do medo.

É preferível acreditar que há uma força capaz de "colocar tudo em ordem", mesmo que por meio da violência cega, do que admitir que a vida social não comporta paraísos de condomínio fechado.

Sobre qual atitude tomar diante de tais dados, talvez valha a pena lembrar de uma posição do antigo presidente francês François Mitterrand (1916-1996).

Quando foi eleito pela primeira vez, em 1981, Mitterrand prometera abolir a pena de morte na França. Todas as pesquisas de opinião demonstravam, no entanto, que a grande maioria dos franceses era contrária à abolição.

Mitterrand ignorou as pesquisas. Como se dissesse que, muitas vezes, o governo deve levar a sociedade a ir lá aonde ela não quer ir, lá aonde ela ainda não é capaz de ir. Hoje, a pena de morte é rejeitada pela maioria absoluta da população francesa.

Tal exemplo demonstra como o bom governo é aquele capaz de reconhecer a existência de um potencial autoritário nas sociedades de democracia liberal e a necessidade de não se deixar aprisionar por tal potencial. "

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O custo humano embutido num iPad


Trecho de matéria do jornal O EStado de São Paulo

"Na última década, a Apple tornou-se uma das mais poderosas e bem sucedidas empresas do mundo. A Apple e suas congêneres do setor de alta tecnologia alcançaram um ritmo de inovação jamais observado na história moderna.

Contudo, os operários encarregados da montagem dos iPhones, iPads e outros aparelhos com frequência trabalham em condições terríveis, de acordo com empregados das fábricas, grupos de defesa dos trabalhadores e relatórios publicados pelas próprias companhias. Os problemas são tão variados quanto os ambientes de trabalho e os problemas de segurança - alguns mortais - são graves.

Os operários fazem horas extras excessivas, em alguns casos trabalham sete dias por semana e vivem em dormitórios superlotados. Alguns trabalham em pé por tanto tempo que suas pernas incham a ponto de quase não conseguirem andar. Empregados menores de idade ajudaram a fabricar produtos da Apple, fornecedores da companhia armazenaram inadequadamente lixo tóxico e falsificaram registros, segundo dados da empresa e grupos de defesa do trabalhador que, dentro da China, são considerados monitores independentes e confiáveis.

Mais preocupante ainda é o desprezo de alguns fornecedores pela saúde do trabalhador. Há dois anos, 137 funcionários de uma fornecedora da Apple a leste da China foram intoxicados depois de receber ordens para usar uma substância química venenosa para limpar as telas do iPhone. No ano passado, houve duas explosões em fábricas de iPad mataram quatro pessoas e deixaram 77 feridas. Antes mesmo destas explosões, a Apple havia sido alertada para as condições perigosas na fábrica de Chengdu.

A Apple não é a única empresa de produtos eletrônicos que opera dentro de um sistema de suprimento preocupante. Condições terríveis de trabalho foram documentadas em fábricas de manufatura de produtos para a Dell, Hewlett-Packard, IBM, Lenovo, Motorola, Nokia, Sony, Toshiba e outras.

Executivos da Apple dizem que a companhia adotou medidas importantes para melhorar as fábricas nos últimos anos. A empresa criou um código de conduta para seus fornecedores, detalhando os critérios a serem obedecidos em termos de trabalho e segurança. A empresa organizou uma campanha de auditoria. Abusos foram descobertos e correções foram exigidas.

Mas os problemas importantes continuam. Mais da metade das fornecedoras inspecionadas pela Apple violaram pelo menos uma norma do código de conduta a cada ano desde 2007, de acordo com relatórios da Apple."

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Janio de Freitas - O que houve em Pinheirinho?



Na Folha de hoje.

"A ação realizada pelo governo paulista por intermédio de sua Polícia Militar em Pinheirinho, São José dos Campos, usou o nome técnico de "reintegração de posse". Algum juiz chamaria, com base no direito que aprendeu, de reintegração de posse o que houve em Pinheirinho? Ou haveria como fazê-lo com base nos artigos e princípios reunidos pela Constituição?

Se o nome técnico de reintegração de posse é insuficiente para designar a ação realizada em Pinheirinho, o que houve lá, com a utilização abusiva de um mandado judicial, ato tecnicamente legítimo de um magistrado?

O ataque foi às seis da manhã. Para surpreender, como se deu, os ocupantes da ex-propriedade de Naji Nahas ainda dormindo ou nos seus primeiros afazeres pessoais.

O governo Alckmin e o prefeito de São José dos Campos, ainda que há muito sabedores de que a reclamada reintegração exigiria a instalação das 2.000 famílias desalojadas, não incomodaram nesse sentido o seu humanitarismo de peessedebistas.

Sair para onde? -Eis o impulso da resistência dos mais inconformados ou menos subjugados pelos séculos de história social que lhes cabe representar.

Não posso dizer o que acho que devessem fazer já à primeira brutalidade covarde da polícia. Seja, porém, o que for que tenham feito, o direito de defesa está na Constituição como integrante legítimo da cidadania. E se foi utilizado, duas razões o explicam.

Uma, a ação policial de maneiras e formas não autorizadas pelo mandado de reintegração de posse, por inconciliáveis com os limites legais da ação policial.

Segunda razão, a absoluta inexistência das alternativas de moradia que o governo Alckmin e o prefeito Eduardo Cury tinham a obrigação funcional e legal de entregar aos removidos, para não expulsar, dos seus forjados tetos para o danem-se, crianças, idosos, doentes, as famílias inteiras que viviam em Pinheirinho há oito anos.

Atendidas essas duas condições, só os que perdessem o juízo prefeririam ficar na área ocupada, e alguns até resistirem à saída. Logo, ficam ali caracterizadas as responsabilidades de quem faltou com seus deveres e, por ter faltado, recorreu à arbitrariedade plena: tiros e vítimas de ferimentos, surras com cassetetes e partes de armamentos (mesmo em pessoas de mãos elevadas, indefesas e passivas, como documentado); destruição não só das moradas, mas dos bens -perdão, bem nenhum- das posses mínimas que podem ter as pessoas ainda carentes de invasões para pensar que moram em algum lugar.

O que houve em Pinheirinho, São José dos Campos, SP, não foi reintegração de posse.

Essa expressão do direito não se destina a acobertar nem disfarçar crimes. Entre eles, o de abuso de poder contra governados. "

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Cumprir o direito também é zelar pela dignidade humana

Peguei do Sítio Terra Magazine.

"Alguém pode supor que exista um desejo incontrolável de famílias inteiras ocuparem terrenos abandonados sem qualquer infraestrutura?

Que milhares e milhares de pessoas montem à toa moradias precárias em morros, mananciais e beiras de estradas, sem água, esgoto ou outros aparelhos indispensáveis para a habitação?

O que está acontecendo há muitos anos, a olhos vistos de todos os governos, é o resultado dramaticamente humano daquilo que os gestores costumam denominar de déficit habitacional - e em reação, um estado de necessidade atabalhoado de quem não consegue construir melhores alternativas.

Ele não é bonito, não é cheiroso e não tem como ser respeitoso.

Ele é fruto, sobretudo, do descaso que a sexta economia do mundo ainda tem com quem dela faz parte.

Desemprego, subemprego e marginalização vão expelindo cada vez mais as pessoas para lugares inóspitos, enquanto hectares e metros quadrados se mantêm virgens em estratégicas reservas de especulação rural e imobiliária.

Que tipo de desfecho situações como essas podem desaguar ao longo do tempo?

A comunidade de Pinheirinho estava instalada no terreno de uma massa falida há mais de oito anos. Edificou-se como um bairro, irregular como tantos outros no país. Houve tempo para que os condutores das políticas habitacionais resolvessem a situação.

Mas o bairro foi abaixo e o máximo que os moradores puderam fazer, e mesmo assim, sob violência, foi 'apreciar a demolição', como já previa Adoniram Barbosa.

Como o Pinheirinho, certamente existem várias outras situações que em breve chegarão a seu limite, quando só então as desgraças vão parecer inevitáveis.

O Judiciário por si só jamais vai conseguir resolver problemas sociais em ações de despejo ou reintegração.

Da mesma forma que a polícia é incapaz de resolvê-los na base de tiros ou cassetetes, mesmo que a PM paulista esteja cada vez mais se acostumando a se impor desta forma a estudantes, favelados e viciados.

O que podemos é estar atentos aos danos que são causados pela ação fria do direito e aprender a criar alternativas que preservem a dignidade humana.

Há sentenças do próprio Judiciário paulista que já reconheceram em situações de ocupação de muitas famílias, uma espécie de desapropriação indireta, que se resolve com indenização do poder público, justamente quem se omitiu na questão habitacional.

É certo que o direito tutela a propriedade privada. Não vai deixar de fazê-lo.

Mas, e isso deve valer para operadores dos diversos poderes, não existe apenas para esse fim.

Logo no artigo 1º, nossa Constituição impõe a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República.

Não se restringe a um mero estandarte ou letra morta de pura poesia. Mais ainda do que uma regra, é uma orientação que serve a todos, dos legisladores aos juízes.

Cada vez que um maltrapilho perde a liberdade pela subtração de bagatelas, diante da tutela incondicional da propriedade, por exemplo, um pouco da dignidade humana é ferida.

Os doutrinadores e a jurisprudência podem até divergir sobre os limites e a dimensão de seus reflexos nas relações jurídicas.

Mas é difícil concluir que, quando mais de cinco mil pessoas, entre homens, mulheres e crianças, são tiradas abruptamente de residências onde vivem há anos, para o nada, a dignidade humana se mantenha incólume. "

Marcelo Semer é Juiz de Direito em São Paulo. Foi presidente da Associação Juízes para a Democracia.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Lenta, mas consistentemente, a direita brasileira sai do armário



Um dos maiores problemas políticos que a democracia brasileira vivencia nos dias de hoje, na minha opinião, é a falta da explicitação do antagonismo político. A democracia necessita deste antagonismo, afirma Chantal Mouffe. Serra perdeu a eleição para Dilma, mas o grave para o país foi que a campanha por ele conduzida não produziu um discurso alternativo aos que estão no poder.

O papel de formulador deste posicionamento de oposição ao governo federal foi delegado - na prática - pelos partidos conservadores à grande mídia, permanecendo os partidos de direita em silêncio que constrange a democracia brasileira. A fundação do PSD acentuou esta tendência de adesismo desavergonhado ao governo federal.

Mas as ações recentes registradas em São Paulo mostram algo que pode ser uma novidade política. São Paulo, governada pelo PSDB há muitos anos, parece querer assumir explicitamente a linha "lei e ordem" em primeiro lugar. Polícia no movimento estudantil da USP, polícia na cracolândia e agora polícia na desocupação violenta em São José dos Campos.

É evidente que pessoalmente repilo a tradição conservadora autoritária brasileira de tratar os movimentos sociais e as questões sociais de modo geral como exclusivamente um caso de polícia. Mas é certo que com estas ações o governo paulista busca se reconectar com os setores da população que aplaudem esta visão, o que significa um aumento na possibilidade de distinguirmos os projetos políticos em jogo no Brasil atual.

Mouffe fala que quando todos os projetos políticos parecem indistintos numa dada sociedade democrática, é a própria democracia que fica posta em risco de ser extinta. As atitudes do governo de São Paulo ajudam a entender que existe um Brasil que é a favor do diálogo e da emancipação humana, enquanto persiste um Brasil do "prendo e arrebento".

sábado, 21 de janeiro de 2012

Dave Brubeck with young Russian violinist



Peguei do Blog do Luis Nassif. Lindo momento de improvisação com o pianista de jazz Dave Brubeck.

Sensacional.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

A covardia do comandante Schettino nos envergonha de nós mesmos - CONTARDO CALLIGARIS


Na Folha de hoje.

""O covarde morre mil vezes, o corajoso, uma vez só" é a frase com a qual Julio César se despede da mulher, Calpúrnia, quando ela tenta convencê-lo a não ir para o Capitólio no dia em que ele será assassinado. Isso, segundo Shakespeare.

A frase significa que o covarde teme por sua vida. Isso é o que o define: ele enxergará mil vezes a possibilidade de sua morte, antes de esbarrar nela de fato. O corajoso só se preocupará quando for mesmo a hora.

A frase de Hamlet, segundo a qual a consciência nos torna covardes, não se afasta muito da de César: ser corajoso seria agir por alguma razão mais importante do que a própria fantasia do que nos espera depois da morte.

Duas observações:

Primeiro: é provável que o corajoso receie perder a vida tanto quanto o covarde, mas aja apesar desse medo -porque, para ele, algo é mais importante do que sobreviver. Citação por citação, Catherine, em "Adeus às Armas", de Hemingway, propõe uma resposta à frase de Júlio César: "O corajoso, se for inteligente, talvez morra 2.000 vezes. Só que ele não vai mencionar nenhuma delas".

Segundo: aparentemente, saber o que é um covarde se torna, na modernidade, questão crucial. Por que será?

Nós, modernos, passamos a prezar singularmente nossa sobrevivência. Mesmo quando acreditamos no além, achamos que o término de nossa vida terrena é o fim de tudo o que importa.

Tanto faz que nossas ideias triunfem, nada compensa o fim de nossa existência -salvo, em parte, nossas crianças, que amamos selvagemente por serem nossa única esperança de certa continuação.

Em suma, inelutavelmente, por prezarmos tanto nossa vida individual, temos uma predisposição cultural à covardia, pois não há nada, em tese, cuja sobrevivência nos importe mais do que a nossa. A vantagem dessa covardia cultural é que ela nos dá o tempo necessário para pensar e pesar as causas pelas quais poderíamos nos arriscar a perder a vida.

O resultado é positivo, à primeira vista: covarde, para nós, hoje, é quem foge de um perigo que a maioria consideraria justo correr. Ou seja, nossa covardia cultural faz com que nos engajemos de maneira seletiva.

Por exemplo, os pacifistas que se recusavam a servir no Exército dos EUA durante a Guerra do Vietnã não pareciam ser covardes; numa guerra justa, como a Segunda Guerra Mundial, eles teriam servido com gosto.

Obviamente, essa não era a opinião de muitos psiquiatras do Exército e da Marinha dos EUA, os quais achavam que o pacifismo de grande parte desses recrutas, quando não era mentira, era formação reativa -um jeito de racionalizar com belas palavras seu medo de arriscar a vida pelo seu país.

A verdade está sempre no meio: devia haver, no lote, pacifistas e bundas moles.

Mas vamos ao capitão Schettino, do Costa Concordia. Ele é objeto de execração porque seu comportamento retrata um traço cultural que todos compartilhamos.

Schettino colocou sua própria vida acima da vida de sua tripulação e de seus passageiros, assim como acima do código de honra da marinha -nisso, ele encarnou o espírito dos nossos tempos e, literalmente, ele nos envergonha de nós mesmos.

A frase do comandante De Falco, da capitania do porto de Livorno, "Vá a bordo, caralho", parece expressar a vontade de termos todos um De Falco que nos fale e nos lembre de que talvez haja, às vezes, algo mais importante do que a nossa pele.

Suspeito que Schettino seja especialmente detestado porque ele desperdiçou uma excelente e fácil ocasião para sair de herói na foto, sem grande custo (e para compensar assim sua incompetência, responsável pelo naufrágio).

Schettino não corria risco de vida. No pior dos casos, seria o último a cair no mar. E daí? Por frio que seja o Tirreno no inverno, um nadador medíocre chegaria tranquilamente à costa da ilha de Giglio.

Ora, na conversa telefônica com De Falco, Schettino responde à ordem de voltar a bordo (de onde nunca deveria ter saído), com esta explicação: "Mas aqui está tudo escuro". De Falco rebate debochando daquele medo infantil: "O que é, Schettino, está tudo escuro, e você está a fim de voltar para casa?".

Na conversa, essa é a parte "pior". Tudo bem, Schettino não colocou nada acima de sua própria vida, não "cresceu" na circunstância, mas, além disso, ele encolheu -ficou esperando que um adulto o pegasse pela mão e o tirasse do escuro.

Imagino o sentimento dos italianos: numa época em que precisamos tanto de liderança, será que nossos "capitães" são todos Schettinos? Ninguém consegue ser o adulto com quem podemos contar no escuro e no perigo?

Segundo Hegel, a origem da liderança está na coragem de colocar a vida em risco. Quem se expõe à possibilidade de morrer se torna mestre. E os outros, os que preferem preservar sua vida, escravos.

Os escravos, como Hegel previa, tomaram conta da terra, e é ótimo que assim seja. Mas resta a sensação bizarra de que não haja mais ninguém como o mestre antigo, ninguém disposto a encarar a morte -para nos defender, por exemplo. "

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Lasciate ogni speranza...



O declínio da Rede Globo, notório e constante há alguns anos, deleita a todos os que sabem da sua história de comprometimento carnal com a ditadura militar recente e suas práticas recorrentes de manipulação da massa popular.

A sensação é a mesma em relação aos EUA, a grande potência que praticou inumeros atos reprováveis na história recente, sendo Iraque e Afeganistão apenas as guerras mais frescas, não as últimas.

Mas, se por um lado é bom ver um gigante ruir, o realismo impõe enxergar que o que aparece como sucessor não é necessariamente algo melhor. A China é uma ditadura fechadíssima.

Tal como no cenário internacional, onde o ruim pode ser sucedido pelo péssimo, quem ameaça a supremacia da Globo é a Record, cujos donos são os bispos da Universal. Por isso o cenário de futuro próximo parece estar bem representado na frase que Dante Alighieri fixou na porta do seu Inferno: abandone toda esperança vós que entrais...

Livro bom



Acabei de ler o livro cuja capa está ao lado. Trata-se de romance do Edney Silvestre, jornalista da Rede Globo, que apresenta um programa de literatura na GloboNews.

É uma história de sequestro que se passa nos anos Collor, envolvendo personagens ligadas ao governo corrupto daquele período.

Excelente livro, recomendo, o autor sabe contar uma história de ação. Até no finalzinho surpreende. Muito bem escrito.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Costa Concórdia e estupro no BBB12




Os navios de cruzeiro são gigantes. Os navios de cruzeiro são dotados da mais avançada tecnologia existente. Seu tamanho e demais características tornam-nos aos nossos olhos máquinas inexpugnáveis. Mas os fatos recentes mostraram que mesmo um colosso pode naufragar quando falta juízo a quem comanda.

Não assisto à TV aberta. Quando assisto TV, o faço sempre consciente de que TV é apenas entretenimento, podendo ser educativa muito raramente. Mas há bons entretenimentos e maus entretenimentos. BBB é péssimo entretenimento para mim. Por isso não o assisto. Mas foi impossível não saber que talvez tenha acontecido algo grave no estúdio (aquilo não é uma "casa", é um estúdio) onde é realizado o programa.

Minha primeira reação quando soube do ocorrido foi me negar a ser massa de manobra da manipulação dos meios de comunicação: estas pessoas são capazes de tudo para alavancar uma audiência, inclusive de simular um crime. Mas o rapaz foi expulso, a polícia bateu no estúdio e a coisa ficou mais séria.

A explicação da Globo foi a seguinte: não ocorreu nada (tá...), o que ocorreu (como assim?!?) foi com o consentimento dos dois "brothers" (há uma insinuação incestuosa aí, FREUD?) e (somente) Fulano foi expulso por conduta indevida!

É claro que não se pode exigir dos expectadores deste tipo de programa, que sustenta sua altíssima audiência e lucros num apelo permanente ao exercício das nossas mais baixas pulsões, que queiram entender toda a ilogicidade contida na declaração final da rede Globo.

Foi mais uma manipulação grosseira da Rede Globo. Sua história está recheada de episódios deste tipo. Esconder a campanha pelas diretas em 1984 e manipular o debate final em 1989 são os casos mais famosos. A articulação com outros meios de comunicação para fazer política conservadora cotidiana e camufladamente em seus jornais é o feijão com arroz. O uso do cachimbo entorta a boca, diz o velho ditado.

Como o ser humano é o que é, a coisa vai passar. Ao contrário do comandante Schettino, que acertou uma pedra em cheio, os diretores da Globo conseguiram apenas "tirar um fino" da tragédia organizacional. Sem arrombar o casco, "La nave vá", com mais audiência voyerista e com uma certa ressaca moral de ter passado dos limites, logo curável com a grana que entra independentemente de considerações éticas ingênuas.

As coisas já devem estar se ajeitando. Num mundo onde o que importa é a grana, até mesmo passar por estuprador em rede nacional pode virar uma oportunidade de fazer negócios. O pai já disse estar orgulhoso da filha. O malfadado programa vai dar ao público sua oportunidade de exercer - com inescondível prazer - seu falso moralismo, votando pela exclusão da não violada consentida num plebiscito redentor. São uns caras-de-pau! Todos.

Mas, que a globo olhe para a foto acima e lembre que ninguém é inexpugnável. Ninguém.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Literatura e remição



Na Folha de hoje.

"Os presos mais perigosos do país terão à disposição, ainda no primeiro semestre, títulos como "O Pequeno Príncipe", clássico de Saint Exupery, e "1001 Filmes para Ver Antes de Morrer", de Steven Jay Schneider.

Poderão escolher, ainda, a trilogia "Crepúsculo", de Stephenie Meyer, e "De Malas Prontas", de Danuza Leão.

Um programa do Ministério da Justiça vai distribuir 816 livros para as quatro penitenciárias federais do país.

O projeto, orçado em R$ 34.170, permitirá que detentos como Fernandinho Beira-Mar, condenado a 120 anos, reduzam sua pena. Por enquanto, duas concedem benefícios de redução da pena aos detentos-leitores: Catanduvas (PR) e Campo Grande (MS).

No Paraná, o juiz concede até quatro dias para quem, em até 12 dias, ler um livro e apresentar uma resenha.

Uma comissão avalia a resenha e, se considerá-la de boa qualidade, concede ao detento mais um dia de redução.

Os livros "Crime e Castigo", de Dostoiévski, e "Incidente em Antares", de Erico Veríssimo, foram obras trabalhadas na unidade, que tem 60 presos participando do projeto.

Em Campo Grande, são três dias de redução para cada 20 dias que o detento utilize para ler um livro e preparar uma resenha. A avaliação é feita por um juiz federal.

Segundo agentes penitenciários, Beira-Mar, que já passou pelas duas penitenciárias, é um "consumidor voraz" de livros. Já leu "O Caçador de Pipas", de Khaled Housseini, além de "Arte da Guerra", de Sun Tzu, e "Código da Vinci", de Dan Brown.

Quando chegou a Mossoró (RN), logo se inscreveu em um projeto da penitenciária com a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, chamado de "Filosofarte". Diminuía um dia de sua pena a cada três de leitura. "

MEU COMENTÁRIO: (1) na foto acima, o público-alvo do projeto, ansiosos por mais livros em suas salas de leitura.
(2) será que o Beira-mar seria capaz de cometer plágio em suas resenhas?

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Marcelo Serrado, o equivocado


Na Folha de hoje.

"Na década de 1920, a cidade de Berlim conheceu um dos períodos mais tolerantes da história em relação à homossexualidade.

Casais do mesmo sexo eram tratados com respeito, e a cultura homossexual era aceita sem constrangimentos. Essa situação propícia se manteve até a emergência de Adolf Hitler, que mandou dezenas de milhares de homossexuais para campos de extermínio, todos com um triângulo rosa no peito.

No Brasil, ocorre situação análoga. Lentamente, a conquista pela igualdade de tratamento para os homossexuais avança. Mas a luta é inglória. Quando se pensa que os avanços estão consolidados, surge um Silas Malafaia, um Jair Bolsonaro ou um Ives Gandra Martins para lembrar que a questão está longe de ser resolvida.

O último nessa linhagem de homofóbicos é o ator Marcelo Serrado, que interpreta o personagem homossexual Crô, na novela "Fina Estampa". Em entrevista à jornalista Mônica Bergamo, publicada na edição do último domingo deste jornal ("Arrasa, bii!"), Serrado expôs seu preconceito abertamente ao declarar que não gostaria de que a sua filha de sete anos visse um beijo gay na televisão.

Em sua conta no Twitter, o ator negou que fosse preconceituoso. Como se não querer que uma criança assista a um beijo gay nada tivesse de discriminatório. Exatamente como a senhora que diz que não é racista, mas que preferiria que a filha não se casasse com um negro.

A maneira como Serrado educa a sua filha é problema dele. Não se condena o teor de suas declarações preconceituosas, porque a homofobia ainda não é crime no Brasil.

O condenável em sua atitude é a negação do óbvio. Ele tem o direito de educar a sua filha como quiser, mas não pode enganar a população tentando descaracterizar a natureza do seu preconceito. Ou seja, Serrado é um homofóbico no armário. Precisa sair dele.

Serrado terá alcançado o auge da sua fama às custas da ridicularização dos homossexuais. Para ele, explorar a homofobia da sociedade brasileira deu certo. Para a Rede Globo, também, porque os índices de audiência da novela são altos. É triste, porém, que uma emissora de televisão preste tal desserviço à consolidação da cidadania.

A imagem desrespeitosa que a televisão brasileira difunde dos homossexuais pode dar lucro às emissoras e aos atores. No entanto, causa prejuízo ao Brasil como um todo, porque solapa os esforços do governo e da sociedade no combate ao ódio e à intolerância.

A caricatura homossexual que Aguinaldo Silva compôs e que Marcelo Serrado se presta a interpretar, por exemplo, levará anos para ser desmantelada no imaginário da nação. Produzirá discriminação e gerará violência.

Em defesa da novela, poder-se-ia falar em liberdade de criação artística. No ataque, porém, é necessário recordar a noção de responsabilidade social, que as redes de televisão têm o dever de preservar.

Homossexuais caricatos sempre existiram. Não temos de negá-los. Pergunto-me, no entanto, em que novela ou reality show estarão os homossexuais comuns, que têm relações estáveis, acordam cedo para ir trabalhar e levam uma vida convencional. Eles também existem. São muitos. Pagam impostos e exigem respeito.

Ah, e beijam-se também, Marcelo Serrado, como qualquer ser humano normal. Querer ocultar esse fato de sua filha ou de quem quer que seja constitui homofobia, quer você queira, quer não.

ALEXANDRE VIDAL PORTO, 46, mestre em direito pela Universidade Harvard, é diplomata e escritor "

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Vladimir Safatle - A velha nova direita


Na Folha de hoje.

"Quando Sebastián Piñera ganhou a Presidência chilena, não foram poucos os que saudaram a sua vitória como a prova maior da vitalidade da democracia no país andino.

Empresário de sucesso, com imagem de homem eficaz e sem grande envolvimento visível com a ditadura de Pinochet, Piñera parecia uma reversão da onda esquerdista que domina a América Latina desde o início do século. Ele era o homem indicado para mostrar, à política latino-americana, a via da modernização conservadora.

No entanto nada deu certo. Depois de dois anos de governo, Piñera protagoniza a maior catástrofe da história da política chilena recente. Com níveis recordes de baixa popularidade, o presidente parece ter servido para mostrar como a direita latino-americana perdeu sua hora.

Desde o movimento dos estudantes chilenos que pediam educação pública de qualidade para todos -revolta esta apoiada por mais de 70% da população-, ficou visível como havia um grande descompasso entre o que o povo queria e o que o governo estava disposto a oferecer.

O povo pediu claramente serviços públicos de qualidade e disponíveis a todos. O governo, com seu ideário neoliberal envelhecido e ineficaz, continuou recusando-se a desenvolver as condições econômicas para o fortalecimento da função pública e para a liberação de largas parcelas da população pobre das garras dos financiamentos bancários contraídos para pagar a educação dos filhos.

Depois, diante da firmeza da revolta estudantil, só passou pela cabeça de Piñera reforçar o aparato de segurança e repressão, isso na esperança de quebrar as demandas sociais.

Discursos contra "nossos jovens que não foram bem-educados pelos pais e que agora querem tudo na boca" ou "os estudantes arruaceiros" e outras pérolas da mentalidade pré-histórica foram ouvidos. Prova maior da incapacidade de responder de forma política a problemas políticos.

Agora, como se não bastasse, seu governo teve de voltar atrás em uma tentativa bisonha de retraduzir a "ditadura militar" chilena em uma novilíngua onde ela se chama "regime militar". Prova indelével de que a direita latino-americana nunca conseguiu fazer a crítica e se desvencilhar de vez de seu apoio às ditaduras.

Quando o assunto volta à baila, eles agem com um estranho espírito de solidariedade, como vimos na votação feita pela Câmara Municipal de Porto Alegre para a modificação do nome de uma avenida que se chamava "Castello Branco". O pedido de modificação, feito bravamente pelo PSOL, foi arquivado.

Nesse vínculo ao passado e nessa inabilidade diante do presente, evidencia-se claramente como a nova direita latino-americana não conseguiu renovar seu guarda-roupa. "

sábado, 7 de janeiro de 2012

Caso de brasileiro derruba lei nos EUA

Na Folha de hoje.

"A Suprema Corte de Justiça do Estado americano de Massachusetts julgou inconstitucional anteontem a lei estadual que exclui imigrantes em situação legal do acesso a planos de saúde públicos.

Para a corte, a lei "viola seus direitos à igual proteção sob a Constituição de Massachusetts".

O brasileiro Samuel Gonçalves, que vivia no Estado e morreu de câncer em outubro de 2011 aos 23 anos, foi usado como principal exemplo pelo grupo de advogados que entrou na Justiça contra a lei.

Segundo o censo americano, o Estado abriga 73,5 mil brasileiros, uma das principais comunidades nos EUA.

A lei dando acesso público a planos de saúde foi aprovada em 2006 pelo então governado Mitt Romney, hoje pré-candidato republicano a presidente dos EUA.

Mas três anos depois, em razão da recessão econômica do país, a Assembleia Legislativa do Estado excluiu do plano cerca de 26.000 imigrantes legais que tinham o "Greencard" (permissão residência) havia menos de três anos do programa mais abrangente, o Commonwealth Care.

Para atendê-los, foi criado outro, o Commonwealh Care Bridge, mais precário. O novo programa restringe uso a hospitais e médicos.

Imigrantes que tiveram a situação legalizada após 31 de agosto de 2009 não tinham direito a nenhum dos planos.

BRASILEIRO

O pai de Samuel, Juarez Gonçalves, pastor da igreja Metodista em Boston desde 2001, diz que o filho foi diagnosticado com câncer no pulmão em 2007 e tratado de 2008 a 2009 pelo programa Commonwealth Care.

Em 2009, já curado, foi transferido para o Commonwealth Bridge Care, mas conseguiu o direito de continuar as consultas trimestrais no mesmo hospital.

Em junho de 2011, porém, foi transferido para um plano que não tinha cobertura no hospital, o que atrasou em um mês sua consulta. Dois meses depois, foi diagnosticado com câncer no fígado.

"Não quero culpar ninguém pela morte do meu filho. Uma pequena demora talvez não alteraria o que aconteceu, mas não podemos ser inocentes. Houve o atraso de um mês para que ele fosse atendido e é necessário que se dê o suporte ao paciente", disse Gonçalves.

O caso de Samuel foi um dos usados pela organização de advogados "Health Law Advocates", responsável pela ação contra o governo.

A advogada Lorianne Sainsbury-Wong comemorou: "É discriminação prejudicar pessoas só porque não são cidadãos". "

MEU COMENTÁRIO - Para quem vive criticando o SUS vale a pena ver o filme do Michael Moore sobre o sistema de saúde privado estadunidense. É assustador.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Tribunal de SP vai investigar folha de pagamento de juízes

Na Folha de São Paulo de hoje

"A nova gestão do Tribunal de Justiça de São Paulo vai investigar os pagamentos feitos pelas administrações anteriores e apurar supostos casos de desembolsos ilegais ou feitos de forma privilegiada a magistrados da corte.

A medida foi anunciada pelo desembargador Ivan Sartori, que ontem tomou posse para presidir o TJ. Ele vai comandar o maior tribunal da América Latina, com mais de 19 milhões de causas em primeira e segunda instância, no biênio 2012-2013.

"Pedi um levantamento para o setor próprio de todos os pagamentos adiantados e indevidos. Isso vai ser entregue e vou instaurar um procedimento", afirmou Sartori. "Vou falar com os colegas, chamar um a um e vamos ver o que eles têm a dizer."

Um dos alvos será o pagamento de auxílio-moradia a um grupo de 17 desembargadores supostamente de forma privilegiada.

Cada um destes magistrados teria recebido de uma só vez cerca R$ 1 milhão. Os juízes do TJ, em geral, recebem a verba em parcelas.

CRISE

A investigação desses desembolsos pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em uma inspeção iniciada no dia 5 de dezembro, revelada pela Folha, levou o Poder Judiciário a uma crise.

Em 20 de dezembro o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski concedeu uma liminar para suspender a investigação no TJ paulista.

Lewandowski, que foi desembargador em São Paulo, está na lista de juízes que receberam os pagamentos. Ele diz que não se beneficiou da liminar pois não é e não pode ser investigado pelo CNJ.

Em defesa do ministro, a AMB (Associação dos Magistrados do Brasil) criticou a atuação do CNJ e pediu ao Ministério Público que investigue a conduta de sua corregedora, Eliana Calmon.

Sartori disse que serão analisados os pagamentos de licenças-prêmio, que foram calculadas levando em conta o período em que 22 desembargadores trabalharam como advogados, antes de ingressar no serviço público.

Indagado sobre juízes do Rio de Janeiro que teriam decidido abrir mão de seu sigilo fiscal e bancário em apoio ao CNJ, o novo presidente do TJ declarou:"Abro meu holerite, abro minha minha vida, abro meu imposto de renda. Não tenho o que temer, não recebi nada adiantado. O que não pode é alguém invadir o sigilo fiscal do outro sem ordem judicial. Isso não."

Para ele, os dados sobre movimentações financeiras atípicas pedidos pelo CNJ ao Ministério da Fazenda são sigilosos. O CNJ não considera que seu pedido configure quebra de sigilo.

Sartori fez uma defesa dos juízes de São Paulo. "Sabemos que aqui 99,9% dos colegas são honrados, que trabalham de sol a sol, enxugam gelo praticamente aqui no tribunal e merecem todo o nosso respeito." "