São Fco.

São Fco.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Campeão de xadrez em Brusque!


Essa é uma história que eu tenho que contar.

Era o ano de 1989. Eu tinha então 17 anos, fazendo estágio obrigatório do curso técnico em desenho e projetos que cursava na escola técnica da SATC. Como a SATC era muito prestigiada (fato que comprovei na prática), eu poderia escolher fazer estágio em muitos lugares do país. Eu queria sair de casa e, para não ir assim tão longe, optei por um estágio de seis meses em uma metalúrgica de extrusão a frio situada em Guabiruba, cidade vizinha a Brusque-SC.

Guabiruba era uma cidade com pouco mais de 3 mil moradores, TODOS  descendentes de alemães e preservando seus hábitos e idioma. Não havia nada para fazer na cidade. Nada mesmo. Nem ir a um boteco, pois o povo teimava em conversar entre si em alemão e eu ficava naquela dúvida cruel: estarão a zombar de mim?

Diante da total ausência do que fazer comprei dois livros de Idel Becker, livros para aprender a jogar xadrez. Um para iniciantes e outro somente de aberturas de partidas. Passava eu boa parte do meu tempo de ócio a ler os livros e decifrar os diagramas, que reproduziam grandes partidas de grandes mestres do jogo de tabuleiro tido como o mais difícil e propunham também problemas a serem resolvidos pelo leitor-aprendiz.

Muitas destas partidas eram às vezes reproduzidas quase até o final, deixando para o leitor a tarefa de descobrir como terminava. Nestes casos, depois do último lance vinha a recorrente expressão: "mate em tantos lances". Posso dizer que estudei os dois livros a fundo, mas não tinha com quem jogar pessoalmente. Era pura teoria.

Até que, na empresa em que trabalhava, fui convidado para jogar alguma coisa nas olimpíadas do SESI. Prontamente me inscrevi no torneio de xadrez, a ser realizado em apenas um dia na cidade de Brusque.

Chegado o dia do torneio lá estava eu. Não conhecendo ninguém, quieto no meu canto, escutei os outros competidores (que nitidamente eram velhos conhecidos de outros torneios) zombarem do fato de haver alguém representando a metalúrgica de Guabiruba: "quem será o alemão que largou a roça pra vir aqui jogar xadrez com a gente? Quaquaquaqua!". Fiquei na minha; afinal, eu nunca jogara uma partida a sério com um outro ser humano! (bom lembrar que em 1989 não havia internet. Somente depois deste torneio que descobri - e me inscrevi - que existia um Clube de Xadrez Epistolar Brasileiro - CXEB, com torneios regulares jogados por carta! O lema do CXEB é "Leva o xadrez, traz o amigo!", mas esta é outra história...)

Começa o torneio. Era uma torneio de mata-mata, com uns 16 competidores. Quem ganha segue, quem perde sai. Meu primeiro adversário começa de brancas e sai com um P4TD. Tive que me segurar. É um lance ridículo, de quem só sabe movimentar as peças. Ganhei fácilmente em mais alguns lances.

A segunda partida foi mais equilibrada. Saí de brancas (P4R) e depois de muito jogar (era um torneio sem uso de relógio) dei um xeque-mate no adversário.

E assim seguiu até que eu cheguei na final.

Meu adversário era um senhor, deveria ter passado um pouco dos sessenta anos. Eu não conhecia ninguém, mas podia imaginar que ele devia ser bom, pois estava na final (tinha alguma dúvida disso, pois eu também estava na final e era meu primeiro torneio. Depois vim a saber que ele era do clube de xadrez de Brusque e tal...).

Jogamos demoradamente, com muitos ao redor da mesa observando o desenrolar da partida. A partida seguia numa tensão incrível, crescendo à medida em que meu adversário não conseguia me derrotar facilmente. Quem estava entre conhecidos era ele, eu estava ali de franco-atirador, zebra total.

Até que chegou um momento em que eu estudei longamente a posição do jogo e vi que o tinha ganho. Sim, o lance era meu e eu estava numa daquelas posições-problema do livro do Idel Becker em que, conforme eu fosse jogando, meu adversário somente poderia jogar lances específicos e únicos. Fiquei extremamente nervoso e conferi umas 20 vezes mentalmente se era aquilo mesmo. Depois de muito pensar, joguei minha peça e lasquei: "mate em seis lances!".

Meu adversário ficou controladamente furioso. Depois vim a descobrir que, de certa forma, eu cometera uma pequena gafe. Apesar de recorrente nos livros que ensinam a jogar xadrez, a expressão "mate em tantos lances" não deve ser proferida no contexto de jogo. Além do mais, imagina se não fosse? Foi um episódio de excesso de confiança e ausência de autocrítica, aceitável para minhas primeiras partidas a sério.

Depois de uns eternos 20 minutos a conferir a posição, o senhor a minha frente bufou e me estendeu a mão, tombando delicadamente o rei sobre o tabuleiro. Assim ganhei meu primeiro e único torneio de xadrez!

Literatura liberta. Literalmente!



Notícia no G1 informa que o Estado do Ceará encaminhou projeto de lei para regulamentar dispositivo da Lei de Execução Penal que estendeu a remição da pena também para o preso que se dedique às atividades de estudo. No texto jornalístico, é informado que a leitura de 12 obras literárias poderá remir 48 dias de prisão dos condenados, desde que sejam aprovados no crivo de uma "comissão de remição da pena pela leitura" designada para tal tarefa. Isto já existe em outros lugares do país.

Minha primeira impressão sobre o tema é de aprovação. Minhas leituras de criminologia crítica me levam sempre a compreender que toda medida que provoque menos encarceramento é, em regra, bem-vinda. Mas tenho que confessar que minha experiência no campo educacional e uma vivência em especial na pós-graduação lato sensu, me levam a refletir sobre a viabilidade pra valer desta proposta. Eu chamo este episódio de "o dia em que eu dei nota 9,5 para o Celso Lafer".

Há mais de dez anos eu lecionei disciplina de teoria do direito numa turma de especialização em uma fundação educacional em Santa Catarina. Nesta turma, três circunspectos delegados de polícia da região. Ao final da disciplina, encaminhei a avaliação como de costume, a entrega de ficha de leitura de um livro do italiano Norberto Bobbio. Com as fichas em mãos, passei á correção. Os trabalhos seguiam de regulares a bons, até que uma das fichas me chamou a atenção. Era um ótimo texto; na verdade o texto era perfeito. Em linguagem fluente, o autor não apenas resumia a obra do mestre de Turim, mas o contextualizava dentro de sua biografia e da evolução da teoria do direito positivista em que se inseria.

Fiquei num rápido dilema: procuro no "google" para ver se é plágio ou não? Decidi dar um voto de confiança ao aluno-delegado e segui em frente nas correções, atribuindo-lhe nota 9,5.

Qual não foi minha surpresa quando deparei-me, em seguida, com uma ficha-resumo em tudo igual á anterior! Bom, chegara a hora de deixar os pudores pedagógicos de lado e ir ao google ver de onde saíra aquele ótimo texto. Tratava-se de uma resenha de ninguém mais, ninguém menos que Celso Lafer, então ministro de Relações exteriores de FHC! Era a ficha do outro delegado, e logo fui atrás do colega faltante, igualmente "inspirado" no embaixador brasileiro. Que fazer? Zero pra todo mundo, é claro.

Mas, como educação e negócios não rimam mesmo, lá vem a direção da instituição, apelar para que eu relevasse o plágio descarado dos chefes de polícia e oferecesse uma nova oportunidade. Contrariado e após muitos apelos, indiquei nova ficha de leitura, de um texto três vezes maior, em castelhano, sobre teoria dos sistemas. Livro recente, para que não pudessem achar tão facilmente uma resenha à mão para cometerem novo ilícito na minha cara.

Passados alguns dias, três resenhas novas em minhas mãos, uma diferente da outra, sobre o livro de Pedro Nava. Nota para todos, episódio a ser superado.

Dois anos depois, numa conversa informal com um ex-aluno, fico sabendo de um novo dado do episódio: os delegados encomendaram com este ex-aluno a feitura das fichas de leitura!

Conto este episódio pois ele se relaciona de alguma forma com a notícia da remição pela leitura. É sensacional que os presos possam ler nas prisões, é mesmo incrível que a um tempo se libertem dos grilhões físicos bem reais das masmorras brasileiras e também tenham a oportunidade de libertar sua mente por meio do grande ganho que terão com as leituras que farão (espero que tenham acesso a uma boa literatura: quem formará a biblioteca? Já pensou ter que ler apenas Paulo Coelho? Punido duas vezes? Maus tratos? hehe).

Mas vejam que sociedade a nossa... Suponhamos que meus alunos-delegados tenham feito o que fizeram (plágio) por falta de tempo para os estudos. Não problematizemos este aspecto. Então, temos delegados tão ocupados prendendo gente que não têm tempo para leitura e trabalhos acadêmicos. Por outro lado, os presos que tiram o tempo destes delegados vão ter tempo e valorização da atividade da leitura depois de encarcerados, numa situação que parece paradoxal.

 Mas, apenas parece paradoxal. Os delegados não deixaram de fazer a ficha por falta de tempo, mas dentre outras coisas pela falta de compromisso com sua formação acadêmica, a especialização sendo vista como apenas uma forma de pegar um certificado para progredir no plano de carreira. (aliás, tempos depois, alguém percebeu esta demanda na região e montou uma nova empresa de ensino com cursos praticamente de fachada, em que professores faziam que lecionavam e alunos fingiam que estudavam. Deu em muitos processos tramitando no judiciário.)

Vou torcer para que os presos realmente leiam seus livros, abrindo sua mente para todo o universo que a literatura proporciona a todo aquele que tem a oportunidade de se dedicar a ela, como a outras artes.

A moral desta história, se é que tem alguma, é apenas a de ilustrar o mecanismo de seletividade inerente ao sistema penal. Mecanismo que explicita seu funcionamento político direcionado a segmentos politicamente escolhidos, pois, como já o mostrou Machado de Assis n'O Alienista, se apertar o critério vai todo mundo pro xadrez!


quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Vega Sicília 1985

Outro dia passei na livraria da Travessa, no centro do Rio, voltando de uma atividade profissional na Faculdade Nacional de Direito. Comprei uns livros, almocei e voltei pra casa, atravessando a bela baía da Guanabara num catamarã rápido que me deixou na estação de Charitas, bairro de Niterói.

Chegando em casa, vi que uma revista de cortesia da livraria acompanhava meus novos livros. Pegando-a para ler, chamou-me a atenção um texto no final, em que um colunista fixo contava sua aventura (desventura é melhor) com um vinho Vega Sicília que ganhara quando de uma viagem ao exterior. A desventura está no fato de ele não ter podido apreciar seu regalo, pois sua mulher, sem que ele soubesse, serviu as duas garrafas preciosas a um grupo de amigos já bêbados que não teriam notado a diferença entre o que bebiam e um outro vinho qualquer.

Esta narrativa me evocou imediatamente minha própria experiência com um Vega Sicília, em uma noite do início de junho de 2006. Estava eu então na companhia de um grande amigo meu, juiz de direito e que fora também meu professor e era então professor de um curso de direito que eu então coordenava, na cidade de Criciúma.

A ocasião para beber o vinho tido como o melhor da Espanha era o jantar de despedida; depois de 17 dias na capital da Cataluña eu iria embarcar para o Brasil às 06:00h da manhã seguinte, e meu amigo me levou a um clube fechado em que há um restaurante e, importantíssimo detalhe, os vinhos são vendidos a preço de loja, não de restaurante.

Abrimos com um pão catalão, que vem a ser um pão delicioso de fatias firmes em que se esfrega alho, tomate e azeite, podendo-se colocar uma fatia de jamón em cima e mandar ver. Meu amigo, olhando a carta de vinhos bateu o martelo: vamos tomar um Vega Sicília! A garrafa escolhida foi uma de 1985.

Foi o vinho mais especial que já tomei. Realmente uma experiência memorável, tomar aquele vinho em Barcelona. Enquanto bebia, pensava no fato de aquele vinho ter sido engarrafado no longínquo ano de 1985: uma verdadeira cápsula do tempo. Em 1985 eu nem sequer pensava em cursar direito, estando eu no primeiro ano do que se chamava á época "segundo grau", me decidindo com 14 anos de idade em cursar desenho e projetos na Escola técnica da SATC. Duas décadas tinham se passado e aquele vinho estava ali, delicioso!

Depois dele veio outra garrafa, cuja marca não me recordo, um outro ótimo vinho de 1996.

Chegando no apartamento do meu amigo, ficamos a conversar até as três horas da madrugada, derrubando meio litro de uma ótima vodka que eu trouxera direto da Letônia, onde em um pulo rápido de 4 dias eu visitara outro grande amigo que reside no Báltico até os dias atuais.

Pensei eu: que boa medida, encher a cara até a hora do voo e dormir durante toda a viagem, acordando refeito apenas no aeroporto de Guarulhos. Que engano!

Passei mais de dez horas de voo numa ressaca danada, pensando o que seria daquele tubo de metal a 7 mil metros de altura se todos os demais passageiros estivessem na mesma condição debilitada que eu!

Passada a viagem interminável, ficou a memória de um vinho incrível saboreado como se deve: entre bons amigos.
  

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Plebiscito e referendo!

Em resposta às manifestações de junho de 2013 a presidência da República construiu duas respostas de longo prazo no plano político. Primeiro, sugeriu uma reforma constitucional exclusiva, articulada com um plebiscito, para promover a reforma política. Depois, aprovou por meio de decreto da Presidenta a Política nacional de Participação Social, que na verdade apenas dá uma feição mais orgânica ao que já existe, pois a Constituição vigente e diversos diplomas legais específicos institucionalizam no Brasil uma democracia participativa..

Em setembro tivemos os movimentos sociais organizando um plebiscito nacional sobre a reforma política. 7,4 milhões de pessoas votaram pelo SIM.

Dilma ganhou, num quadro em que o Congresso Nacional manteve sua configuração habitual, marcada pela não hegemonia clara do partido do poder federal e uma polifacética configuração com 28 partidos políticos no total. Passada a eleição Dilma fala em plebiscito. Líderes do Congresso respondem: referendo!

Não há uma dicotomia necessária entre plebiscito e referendo. Eu até diria que o melhor mesmo seria articular os dois; seria o mais democrático: o povo escolhe num plebiscito que quer manter o voto obrigatório e quer cláusulas de desempenho e sistema proporcional com lista fechada, por exemplo. Dá-se o tempo para nossos legisladores trabalharem na concretização destas propostas e depois o povo soberano aprova ou reprova o trabalho do CN. Do ponto de vista democrático é o melhor caminho.

Já passou da hora de nossos políticos concretizarem o que a Constituição instituiu em 1988: a democracia se exerce pelos representantes ou diretamente. Ponto final. Esta semana mesmo os Estados Unidos da América estão votando para câmara e senado e mais de 140 plebiscitos!

Se junho de 2013 pode nos dizer alguma coisa é que esta captura da política pelos políticos profissionais como algo seu exclusivo já não tem mais nenhum cabimento.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Razões de uma derrota



Uma eleição é sempre um conjunto de detalhes a influenciarem o resultado final. Quero registrar uma percepção que tive do processo, vendo seu desenrolar a partir da posição de professor universitário em um curso de direito.

No início do processo eleitoral era nítido que os jovens tinham dificuldade em manifestar seu apoio a Dilma e ao PT. Para quem tem 18 anos, o PT é um partido do poder. Não existe neles a memória das lutas na redemocratização. Os jovens de esquerda manifestavam-se com mais tranquilidade em seu apoio ao Psol, principalmente.

Mas, Aécio Neves ajudou muito a mudar isto no segundo turno. Ele recebeu apoio de tanta gente repudiada pela juventude que facilitou e muito a vida de Dilma. Quando ficou claro que Malafaia, Bolsonaro, Feliciano e outras figuras do reacionarismo mais tacanho estavam com ele, ficou fácil perceber o lado certo na disputa.

Também não ajudou em nada indicar desnecessária e antecipadamente seu ministro da Fazenda, que desastradamente afirmou coisas como "o salário mínimo está muito alto".

Mas a maior gafe fica para o FHC e seu comentário sobre serem os eleitores do PT os mais desinformados. Ofender o auditório é erro argumentativo gravíssimo.

Que bom, continuem assim!


Continuidade do Projeto democrático popular



Feliz.

Feliz com a vitória da Dilma, quarta vitória consecutiva do Partido dos Trabalhadores para a Presidência da República. Vitória maiúscula, com mais de três milhões de votos de diferença e, gostinho especial, ganhando na casa do adversário: Minas Gerais.

Esta eleição foi muito mais qualificada politicamente que a última. Em 2010, no final, o José Serra apelou para a questão do aborto e o debate foi para direções muito secundárias no que diz respeito a uma eleição presidencial. Em 2010 a Dilma era também a candidata do Lula, não tinha um voo próprio.

Nesta eleição o eleitorado se dividiu claramente diante de um quadro nítido de dois projetos diferentes para o país: o do PT, mais à esquerda; e o do PSDB, perceptivelmente mais situado à direita no espectro ideológico. Foi também o processo em que Dilma ganhou vulto próprio, se estabeleceu como liderança nacional. Lula estava ao lado, com forte apoio, mas não era mais "o cara" da eleição.

Esta eleição tem um significado que extrapola a dimensão do país. No jornal "El país", espanhol, nas vésperas do dia da eleição seus colunistas não esconderam o entusiasmo com a perspectiva de derrota do PT e vaticinaram o fim do ciclo de importância das esquerdas na América Latina (sua ex-colônia). Que bom que erraram. Experiências riquíssimas em países como Bolívia, Uruguai, Equador, Chile e Venezuela ganharam um apoio discreto, mas importante. A vitória do PSDB significaria alinhamento automático com os interesses dos EUA, que não vê com bons olhos estes exercícios de autonomia que têm sido implementados naquilo que historicamente consideravam seu quintal.

A notícia ruim é que um sentimento antipetista recrudesceu em uma parcela importante da população. Aécio "entrou nessa", ajudando a fanatizar uma massa reacionária que só faz aumentar um ódio irracional contra o PT. O "dia da libertação" não foi domingo, como ele pregara. Ficou para 2018. Será ele o candidato? A campanha nacionalizou o nome dele, mas também escancarou suas múltiplas fragilidades. Ele é um candidato com muitos flancos a serem explorados no que Perelman chama de "ethos do orador". Eu não me espantaria se em 2018 Alckmin se apresentasse. Ele não tem os problemas de Aécio e, para o país, seria um nome muito mais gabaritado. Isso em caso de derrota do PT, o que não é possível antever.

Triste foi ver Santa Catarina consolidar seu posicionamento conservador. Na minha cidade natal, Criciúma, novamente o PSDB fez mais que dois por um: 75000 a 35000. Fiz um outro post mostrando como minha cidade deixou de votar majoritariamente no PT nos anos 90 e virou completamente a partir da eleição de 2006. 

Criciúma é uma cidade com tradição de lutas populares, lugar de sindicatos combativos, o maior deles o da categoria dos mineiros de carvão. É incrível que tendo eleito um prefeito do PT em 2000, tendo dado vitória a Lula em 1994, 1998 e 2002, e tendo reeleito este prefeito em 2004 (cassado pela justiça eleitoral num episódio cercado de aspectos duvidosos), acabou por se consolidar como lugar predominantemente conservador. Seu último vexame foi em 2012, com a eleição dos 80% de votos anulados, dados a um candidato "ficha-suja" do PSDB (vindo do PFL).

Cito Criciúma porque vendo esta pequena cidade industrial  tento compreender este processo que o André Singer bem registrou em seu livro sobre o lulismo, de migração do eleitorado do PT. É um estudo de caso deste fenômeno, sem dúvida.

O desafio do PT é resgatar este eleitorado perdido em seus 12 anos de governo. Esta deveria ser uma estratégia prioritária.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Depois das eleições




Faltam poucos dias para as eleições de segundo turno para a presidência da República. As pesquisas e o clima eleitoral  indicam uma eleição disputadíssima. Talvez a diferença entre vencedor e vencido passe pouco de um milhão de votos, o que é um placar apertado para um total de 140 milhões de eleitores. É um cenário ideal para alguém mal-intencionado que estivesse disposto a fraudar o resultado da eleição, pois um quadro onde tudo é possível torna uma fraude verossímil. Mas não há indícios sérios de que isso venha ou mesmo possa ocorrer. Mais produtivo é refletir sobre os dois cenários que hoje se apresentam como possibilidades concretas.
Aécio vence. Não será uma grande surpresa. O partido que ele integra há muito tempo é um partido que possui quadros confiáveis, preparados, acostumados à gestão pública. Pessoalmente, para ele, a presidência teria chegado precocemente. Do que vi na campanha, Aécio não está ainda preparado para um tão elevado posto, devendo passar por um período de adaptação de seus hábitos de vida imaturos para a sisudez que o cargo impõe. Certamente serão anos de uma mudança importante  na condução do Governo, pois o PSDB defende menos Estado, e isto terá muitas implicações em diversas dimensões da vida nacional. Por outro lado, por tudo que temos aprendido dela, Dilma deverá ser uma “boa perdedora”. Deverá reconhecer o resultado e desejar um bom governo a Aécio. Como não é líder partidária, deverá ser a primeira ex-presidente que agirá de acordo com a liturgia imaginada da função, podendo em médio prazo se afirmar como dotada de boa dose de autoridade moral.
Uma alteração fundamental na derrota de Dilma são as consequências da saída do PT do governo. O maior e mais consistente partido brasileiro terá uma grande oportunidade de avaliar seu papel e suas estratégias depois de 12 anos de governo. Acredito que, para o PT, seria melhor perder do que ganhar. É que nestes doze anos o movimento de evolução do partido é sempre o de perda de consistência ideológica rumo à transformação num partido tradicional brasileiro (o que quase ele já é integralmente). Seria uma ótima oportunidade de, com suas lideranças fora da gestão federal, provocar uma interrupção nesta transmutação negativa que tem consequências importantes para o processo democrático brasileiro. A derrota do PT também traria um efeito imediato: uma nova ebulição dos movimentos sociais, que se veriam imersos novamente em sua dimensão contestatória e reivindicativa em sua plenitude, sem o efeito anestésico que a presença de parceiros de luta na máquina do Estado acaba por produzir.
Dilma vence. Igualmente não será uma grande surpresa. O PT retardará em quatro anos sua autocrítica necessária enquanto partido político. Será ruim para o PT naquela supracitada dimensão mais profunda, mas será melhor para o país no meu ponto de vista. Torço para mudanças no país, mas no sentido de aprofundar o processo democrático e de diminuir as desigualdades sociais: mudar por mudar nunca é o caso. Neste sentido o Brasil ganha com mais 4 anos de PT na gestão federal. Mas o país sai rachado desta eleição.

A margem da vitória será apertada, já disse acima, mas mais que isso, a postura de Aécio como candidato de oposição insuflou a atitude antipetista reinante em parcela significativa da sociedade brasileira, em especial nas camadas superiores (superioridade em sentido econômico) da pirâmide social. Aécio tem dito que domingo será o dia da libertação, dia em que o Brasil vai se libertar do PT. Espero ansiosamente sua fala após serem publicados os resultados com a notícia da vitória de Dilma. Ele, que tem um futuro todo pela frente, bem poderia pensar como estadista e (1) reconhecer tranquilamente o resultado e (2) emitir um discurso de reconhecimento das virtudes de seu oponente. Existe muito ódio de parte a parte que emergiu nestas eleições. Cabe às lideranças de ambos os bandos em disputa jogar água nesta fervura, aplacar os exaltados ânimos.

A eleição, o processo em todas as suas dimensões, só evidenciou que o Brasil vive hoje um momento de auge de suas instituições democráticas e republicanas. A pluralidade de forças políticas que emergiu das urnas vitoriosa, assim como a ampla liberdade com que a disputa se desenvolveu em todo o país, evidenciam que a expressão “ditadura petista” não possui o menor fundamento na realidade.
A verdade é que as dimensões e a especial forma federativa que o país apresenta facilitam a acomodação das lideranças políticas das mais diversas colorações ideológicas. Como a política tradicional brasileira é muito dependente da ocupação de cargos remunerados no aparelho do estado (verdade para a direita e esquerda), o fato de que existem além da presidência da República mais 27 estados-membros e outros mais de cinco mil municípios proporciona uma situação desfavorável à degeneração do agonismo em antagonismo.  Se Aécio perde, o PSDB ainda tem São Paulo. Se Dilma perde, o PT ainda terá Minas e Bahia, para citar exemplos. É um fator que arrefece os ânimos e ajuda a manter a disputa em termos adversariais, onde o objetivo democrático é derrotar o adversário, não eliminar um inimigo.
Elio Gaspari afirmou bem: a eleição de domingo é um plebiscito sobre mais 4 anos de poder federal para o PT. Os analistas políticos têm afirmado que quando existe reeleição, o que de fato sucede é que o governante recebe um mandato de oito anos com um plebiscito na metade, para autorizar a continuar ou não. E os números mostram que a regra é a manutenção do gestor.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Maturidade política no processo eleitoral brasileiro



O primeiro turno já foi. Dilma e Aécio, enfim!
Sem novidades no plano nacional, teremos novamente uma disputa entre PT e PSDB. Um grande sinal de maturidade política da democracia brasileira.

Todos os demais candidatos, ainda que não se possa retirar a legitimidade de se apresentarem ao pleito, configuravam enormes aventuras políticas. Alguns ultrapassavam as raias do ridículo, caso do Levy Fidelix e de José Maria Eymael. Somente a falta de saudáveis mecanismos de cláusula de desempenho explicam a dimensão sobrevalorizada que estas figura acabaram tendo na eleição.

A aventura maior de todas, Marina Silva II, também passou. Marina, no formato que acabou se apresentando candidata (sem partido, fatalidade envolvida, discurso confuso e amadorismo total na condução política da candidatura), realmente não merecia mais tempo da consideração a sério dos eleitores brasileiros.

Restaram Dilma e Aécio. Ufa! Não precisamos mais temer o inesperado, a improvisação, a brincadeira com coisas sérias. Ambos pertencem a duas agremiações partidárias conhecidas, estão nelas há tempo considerável, que apresentam quadros necessários para dar conta da tarefa de administrar um país como o Brasil.

E mais, as colorações ideológicas se descortinam no embate eleitoral, ganhando contraste e definição clara para que os eleitores possam escolher que futuro querem para o Brasil.

Esquerda e direita democráticas, em síntese.

No contexto geral, o que se percebe foi o aumento da fragmentação partidária no Congresso Nacional, tendo os maiores partidos, PT e PMDB, diminuído suas bancadas na Câmara. Vai ser um pouco mais difícil governar (mais ainda se for o PSDB o vencedor).

Já se fala que o campo conservador aumentou sua bancada no CN. Isso constitui um freio decisivo para as ações de um segundo governo Dilma, que terá que novamente se modular diante da representação popular da próxima legislatura. Em caso de vitória de Aécio, que nesta campanha está se fazendo acompanhar de muitos rostos do reacionarismo autoritário brasileiro, o quadro se afigura anunciador de importantes retrocessos, em diversos aspectos da vida política e social do país.

Nos Estados, confirma-se a tradição plural do país, que ficou obscurecida nestes últimos 20 anos de fla-flu PT-PSDB na disputa federal.  Diversos partidos tiveram vitórias nos estados, até mesmo o pequeno mas aguerrido PCdo B levou o governo estadual do Maranhão.

Estas duas semanas serão decisivas para o futuro do país. Oxalá não retrocedamos na construção duramente feita nos últimos doze anos.

O Brasil precisa aprofundar seu processo democrático e intensificar as políticas públicas de inclusão social e redução das desigualdades sociais. Cumprir a constituição federal vigente, nascida da superação de um enorme trauma político, a ditadura militar.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Fidelixação da política

Escrevo logo após o debate presidencial ocorrido na rede Record de televisão. Num debate em que candidatos inexpressivos eleitoralmente (detesto a expressão "nanicos") participam e acabam atrapalhando o debate que importa, entre os postulantes para valer mesmo, brilhou negativamente já na madrugada desta segunda-feira o candidato perpétuo do aerotrem, Levy Fidelix.

Perguntado pela candidata do Psol, Fidélix discorreu um rosário de estultices sobre a homossexualidade, valendo-se de expressões escatológicas que não fariam feio numa mesa de bar em que o estado etílico dos candidatos a machões já recomendasse a incidência da fiscalização dos funcionários da "lei seca".

Estes candidatos folclóricos depõem contra o processo democrático, ao tempo em que paradoxalmente atestam sua vitalidade. Se por um lado mostram que não é difícil ser candidato nas eleições brasileiras, parece bastar querer, por outra perspectiva o eleitor se impacienta com a perda de tempo de escutar pessoas cujo nível de conhecimento (não confundir com educação formal) e seriedade deixam muito, mas muito a desejar.

O eleitor deve ter calma. O fato é que a campanha realmente parece estar congestionada destes candidatos, cuja mensagem às vezes não passa de uma rima ou de uma feliz combinação de números. Isso é um efeito perverso de nosso sistema eleitoral, que é o proporcional (bom sistema) de lista aberta (aspecto ruim). A adoção da lista fechada acabará por decreto com este festival de figuras assustadoras/ridículas nas eleições proporcionais para os parlamentos.

Mas a história mostra que o eleitor depura tudo isto. No final das contas, a maioria dos que são eleitos são pessoas preparadas, com capacidade intelectual (de novo, não confundir com educação formal) e política de encarar as missões para as quais foram escolhidos. Se há candidatos terríveis no pleito, também há candidatos excelentes, que merecem toda a nossa atenção e voto.

Aqui no Rio de Janeiro eu não teria a menor dificuldade de definir meus votos. Há candidatos para os quais torço realmente para que consigam sua vaga no próximo domingo. Veja os casos do Wadih Damous (PT) e do Jean Willys (Psol). São candidatos em que se pode votar com segurança.

Em Santa Catarina, por exemplo, olhe o rol dos candidatos ao Senado: Paulo Bornhausen (agora na versão marino-socialista), Milton Mendes de Oliveira e Dario Berger. Você pode dizer muita coisa deles, discordar radicalmente como discordo de P.B., mas é um fato salutar que se trata de um grupo de políticos preparados e de trajetória consistente, seja pela direita, seja pela esquerda.

Voltando ao infeliz Fidelix, é fato que esta figura já deveria ter perdido sua oportunidade de nos aporrinhar. Em 1995, o Congresso nacional aprovou a Lei nº 9096/95, que dentre outras coisas estabeleceu a cláusula de desempenho para o funcionamento dos partidos políticos no Brasil.

Medida mais que salutar, ela deveria ter entrado em vigor nas eleições de 2006 e isso não ocorreu devido ao STF, que considerou esta medida inconstitucional. Que oportunidade perdida de consolidar nosso quadro partidário! Quando lembrarem do Fidélix em 2018 (ele já disse que concorrerá!), lembrem também do egrégio STF...

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Plebiscito popular constituinte e reforma política

Saíram os resultados da apuração do plebiscito sobre a constituinte da reforma política.
Segundo as diversas entidades que organizaram esta importante iniciativa democrática, votaram na consulta popular informal um total de 7.754.436 pessoas.

O que se pode dizer deste número? É expressivo? Atingiu o objetivo esperado ou não?

Quase oito milhões de pessoas é muita gente. Considerando que o plebiscito foi claramente boicotado pelos meios de comunicação tradicionais, o número de votantes obtido se afigura como uma vitória para seus organizadores.

Mas para tentar avaliar em cima de algo mais concreto, fui atrás do último plebiscito deste tipo ocorrido no Brasil. Trata-se do plebiscito sobre a ALCA, realizado na semana da pátria do ano de 2002. Naquele derradeiro ano do governo FHC, o debate sobre a adesão do Br
asil à ALCA era a pauta do momento, o país precisando decidir se atrelaria seus destinos definitivamente aos EUA ou se trilharia um caminho de autonomia em sua política externa (só esta lembrança já nos faz ver que os últimos doze anos valeram a pena, quando comparamos o destino do México, que aderiu ao NAFTA, com o do Brasil, que avança dentro dos marcos de uma diplomacia independente, mantendo MERCOSUL e experimentando nos BRICS).

Naquele plebiscito, então, foram 10.149.542 os votantes. Um número maior portanto, do que o obtido no plebiscito mais recente. Se pensarmos que houve aumento populacional nestes 12 anos e que a última consulta inovou com a coleta de votos na internet, os quase oito milhões ficam evidentemente um pouco menores.

Mas ainda assim é muita coisa. A consulta popular foi uma tentativa adequada e democrática de tentar dar vazão aos anseios dos eventos excepcionais de junho de 2013. Aquele povo todo na rua queria algo. EStava insatisfeito com algo e diante do quadro de estabilidade econômica e social que parece consolidado no país a pista mais consistente aponta para uma insatisfação com o sistema político.

Parece haver um consenso bastante abrangente sobre a necessidade de uma reforma política no país. É importante que se tenha em mente que em muitos aspectos nossas instituições jurídico-políticas são muito avançadas. O quadro institucional brasileiro aponta para uma democracia representativa combinada com instrumentos de democracia direta. Além disso, diversos são os dispositivos legais vigentes que instauram a democracia participativa em múltiplas instâncias da vida social brasileira.

Mas, é claro que é possível avançar. São muitas as propostas levantadas que poderiam fazer melhorar significativamente nossas instituições e a sociedade. É preciso estar atento para que a reforma vindoura seja para ampliar direitos, não para restringi-los.

Quem é contra os avanços sociais e não tem interesse na ampliação do poder popular certamente tentará minimizar o vulto das manifestações de junho de 2013 e os resultados do plebiscito popular constituinte. O fato, porém, é que estes dois eventos conjugados são fatos de imensa magnitude, mormente quando comparados a outros momentos da história nacional que foram considerados aptos a parir novas constituições.

Apenas para ilustrar literariamente um desses momentos, trago aqui o depoimento de um personagem de Machado de Assis, em seu livro "Esaú e Jacó":

"- Como diabo é que eles fizeram isto [proclamar a República em 15 de novembro de 1889], sem que ninguém desse pela cousa? refletia Paulo. Podia ter sido mais turbulento. Conspiração houve, decerto, mas uma barricada não faria mal."

Vamos "dar pela cousa" desta vez?   


quinta-feira, 4 de setembro de 2014

A energia política desperdiçada: Marina no poder

Junho de 2013.
Multidões nas ruas do Brasil.
Era uma massa difusa, com reivindicações diversas e muitas vezes inconciliáveis.
O sentido das reivindicações de junho ainda não se consolidou; é claro que não estava dado, pois é processo histórico e está em pleno materializar-se, nos entrechoques de um processo que não se isenta de contradições.
Mas aquilo era algo.
A foto impressionante da multidão na avenida Presidente Vargas não nos permite negar sua faticidade. Havia algo que unia todos os ali presentes: sua insatisfação com o estado de coisas. Era uma insatisfação política. (felizmente meus piores temores se mostraram infundados, quando em 2014 tentaram puxar em 31 de março, uma marcha que emulava os idos de 1964. Os que em junho de 2013 queriam a volta da ditadura eram poucos, verdadeiramente uns poucos gatos pingados).
Ainda creio que o principal fator das manifestações de junho de 2013 é o fator geracional. (a geração, minha geração, que saiu da ditadura querendo fazer política - explodindo na campanha das diretas e se enquadrando na constituinte - e para isto construiu o que mais próximo o Brasil já viu de um partido político, o PT, vê adentrar sem aviso na sua "zona de conforto" a nova geração, carregada do mesmo ímpeto de contribuir com um processo cujos limites entende ser possível superar)

Ali, em junho de 2013, poderia ter estado o misterioso Poder Constituinte Originário.

A resposta da Presidência da República, inicialmente perplexa diante da evolução rápida dos acontecimentos, foi honrosa e democraticamente apropriada: convoquemos uma assembléia nacional constituinte exclusiva para uma reforma política, articulada com a aprovação por meio de um plebiscito.

Diante desta proposta, que daria um sentido impressionante aos eventos de junho, todo o setor conservador se recolheu, compreensivelmente. Uma coisa era chacoalhar a árvore do governo indesejado, outra bem diferente aprofundar de verdade processos democráticos.

A grande mídia, ela própria questionada duramente nas manifestações como integrante do "estado de coisas" a ser superado, logo dirigiu a energia da massa (que se orgulhava ingenuamente de não ter líderes e hostilizava partidos) para um objeto palpável, uma tal de PEC 37, identificada como a origem de todos os males, a PEC da impunidade. Ah se os brasileiros realmente conhecessem o Ministério Público... (mas isso é outra conversa)

O Congresso rejeitou a PEC 37 e as coisas voltaram, em seu aspecto exterior, à normalidade. O Governo não insistiu realmente numa assembléia constituinte. Mas o governo sabia muito bem que aquelas manifestações tinham sido as primeiras daquela dimensão na redemocratização que tinham ocorrido sem a organização/articulação/participação do PT. Que seria de 2014?

O PT vacilou. vacilou como só um partido de esquerda no governo pode vacilar, dividido, no exercício da virtú, sem saber se a continuidade do seu empoderamento dependerá mais de aprofundar/radicalizar seu projeto idiossincrático ou de fazer concessões e se mostrar um leão de unhas aparadas, que no fundo não ameaça as bases em que sustenta o pacto político no Brasil. O decreto da PNPS faz parte deste vacilo, na forma em que se apresentou no cenário político.

A Copa do mundo passou e não influenciou em nada o processo político. Poderia ter ocorrido algo e as medidas governamentais foram do tamanho da ameaça de desestabilização (do Estado e do Governo, e penso aqui em especial nas intervenções repletas de ilegalidades em favelas e nas prisoes ilegais de líderes de manifestantes (ora, não eram movimentos horizontais?)). Mas, os grupos antissistema se reduziram a um número mínimo, incapazes de propor algo no cenário político complexo. O que apenas evidencia a dimensão impressionante das marchas de junho de 2013...

O processo eleitoral oficial começa. Quase uma dezena de candidatos, de diversas ideologias políticas, desde a direita até a esquerda revolucionária. Cenário morno. Dilma estava para levar a eleição no primeiro turno. Os eleitores não viam nos candidatos de oposição a expressão de uma alternativa real.

Eis que um avião cai em Santos. Marina Silva, a ex-petista sem partido (apenas provisoriamente abrigada no PSB), experimenta o que é cair nos braços da Fortuna. Não vacila um instante. O que vemos hoje é que estava preparadíssima para o seu desafio. Tem virtú. Mais que isso, tem carisma, o que falta a todos os demais candidatos neste pleito.

Hoje Marina está na frente das pesquisas. Seu crescimento é consistente. O principal motivo é que ela, a sua figura, conseguiu capturar em grande medida a energia que fluiu nas manifestações de junho de 2013. Ela estava com o discurso pronto, o do novo, da mudança "verdadeira", da superação de 20 anos da polarização PT-PSDB. Ela tinha o ethos certo para encarnar retoricamente este discurso. É frágil, humilde, "não se ajustou" nos partidos políticos tradicionais. O não-registro da sua rede (uma prova de sua incapacidade política efetiva) em sua figura atual se torna um trunfo, evidenciando sua inadaptação ao sistema político vigente (que se quer superar). E ela não tem somente o discurso. Como selou o pacto com as elites conservadores ligadas ao setor financeiro, ela tem estrutura para a campanha. Então ela tem carisma, discurso "certo" e estrutura. É uma fórmula decisiva.

A candidatura Marina captura a energia que estava flutuando por aí e parecia adormecida. Energia que o PT tenta apreender nesta semana da pátria, com a estratégia dos tempos em que era oposição, o plebiscito da reforma política. Uma excelente  e racional estratégia política democrática. Se milhões forem os que votarem no plebiscito, a expressão constituinte dos idos de junho de 2013 terão encontrado um canal de direcionamento produtivo e de invenção democrática, apto de fato a impulsionar um redesenho institucional que radicalize nossas estruturas democráticas vigentes.

Mas, e se não forem milhões a votar no plebiscito? E se a vacilação tiver feito passar o tempo da racionalidade, superado irreversivelmente pelo irracionalismo do Carisma?

Quanto tempo leva para se perceber que uma gramática política (fundada na falsa ideia do ganha-ganha e no "bode-na-sala") que funcionou por 12 anos pode ter parado de funcionar?

Pontos que estão no ar, esperando por eventos que lhe darão o sentido definitivo.

P.S.: Não tenho a menor dúvida de que, se ganhar a eleição, a vitória de Marina Silva ilustrará mais uma vez a fala do sobrinho (Tancredi) do personagem principal do livro "O Leopardo", de Lampedusa, algo como: "é preciso que tudo mude para que continue como está". No contexto em que sua candidatura se construiu vertiginosamente a partir de um evento fortuito, Marina é a maior aventureira do pós-ditadura militar.








quinta-feira, 27 de março de 2014

Atualidade de Antígona


Há 25 séculos uma tragédia grega era escrita sobre um tema que ainda é de uma atualidade perturbadora em nosso país. Antígona, de Sófocles, narra a história de uma irmã que quer sepultar seu irmão e morre por fazê-lo de acordo com sua consciência, contra as ordens do Estado.

Seus dois irmãos lutaram em campos opostos em um confronto civil na cidade-Estado governada pelo rei Creonte. Ambos morreram, mas o rei determinou para um dos irmãos o enterro como herói e para o outro, que lutava no campo oposto, determinou a proibição do seu enterro: "que seu corpo seja devorado pelas feras!"

Antígona, irmã de ambos, inconformada com o decreto de Creonte, viola a norma e sepulta o corpo de seu irmão, Polinices. Por fazê-lo, paga com a própria vida, pois a sanção para quem violasse o decreto real era a morte por encerramento em uma caverna.

O drama narrado nestas páginas do teatro clássico grego é profundamente atual no Brasil. Completando 50 anos do último golpe de Estado, ontem a mãe de Fernando Santa Cruz, aluno da faculdade de direito da UFF no início dos anos 1970, lançou livro em homenagem à memória de seu filho desaparecido desde então. Tal como na trama de Antígona, nega-se a família um direito articulado pela heroína como "natural": cessada a luta, que os familiares possam sepultar seus mortos de acordo com seus ritos próprios.

Neste sentido, a política da ditadura brasileira de ocultar os cadáveres de quem a combatia viola preceitos jurídicos internacionais. Agiu, portanto, o Estado brasileiro à época, fora da legalidade, uma vez mais. São dezenas os desaparecidos políticos da ditadura.

Impossível não lembrar que, além  destes desaparecidos historicamente identificados, o Estado brasileiro continua a produzir dramas sofocleanos. Penso no pedreiro Amarildo, da favela da Rocinha, morto nas mãos da polícia carioca no ano de 2013. Alguma relação entre este caso e os da ditadura?

É por isso que a luta pela memória dos acontecimentos decorrentes da ditadura militar afirma com clareza: “lembrar para que não se repita”. E não continue se repetindo. Fundamental para a democracia plena que queremos construir.




segunda-feira, 10 de março de 2014

Ótimo evento


Direitos Humanos & Trabalho

A criação dos Direitos Humanos garante a todo indivíduo direitos básicos relacionados a profissão que exercem, uma vez que possuem vínculo empregatício. Na China, muitos desses direitos são infringidos, fazendo com que frequentemente os empregados relatem condições precárias de trabalho, sem se quer tempo destinado ao descanso ou à alimentação. Os chineses são, na maioria dos casos, super explorados, cumprindo jornadas extenuantes sem poder reivindicar.
A partir desse ponto, a transgressão dos direitos dos trabalhadores na China deixa de ser um problema de ordem nacional para tornar-se global, já que esta mantém relações comerciais com as principais economias. Dessa forma, o fato da China não regulamentar o cumprimento da legislação trabalhista acaba por beneficiar a exportação de seus produtos, que possuem preços abaixo dos praticados no mercado, devido ao baixo custo de produção. Com isso, no que tange os Direitos Humanos, esse país não sofre nenhuma intervenção exterior, dado seu governo fechado e também na implicação do encarecimento desses produtos destinados à exportação, que aumentariam seu custo, deixando de ser vantajoso aos países compradores.
A situação dos trabalhadores chineses é, provavelmente, o maior
exemplo contemporâneo das consequências advindas de uma legislação trabalhista ineficaz e, acima de tudo, do descaso das autoridades. Entretanto, no Brasil há casos tão igualmente revoltantes que acorreram, e ainda ocorrem, graças à má fiscalização efetuada pelo órgãos governamentais responsáveis. A exploração de trabalhadores é apenas um dos problemas crônicos, relacionados ao desrespeito aos Direitos Humanos, que está presente em nosso país. Podemos enumerar tantos outros, tais como a falta do abastecimento de água à população do sertão nordestino e, até mesmo, as aglomerações urbanas presentes nas periferias das grandes metrópoles brasileiras, a impossibilidade de acesso à educação de base por crianças de comunidades ribeirinhas amazônicas, a falta de assistência adequada para os moradores de rua e a exploração sexual de indivíduos de todas as idades.
Portanto, é importante lembrar que os Direitos Humanos não são apenas aqueles que protegem fisicamente cada cidadão. Na verdade, eles são o tipo de legislação que surgiu para garantir a dignidade dos seres humanos e para barrar o controle do Estado, determinando as obrigações deste para com cada indivíduo.