São Fco.

São Fco.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Vereadores querem distribuir Viagra para idosos mais pobres

Da Folha de hoje.

"DE SÃO PAULO - A Câmara Municipal de Parnamirim (região metropolitana de Natal) aprovou por unanimidade um projeto de lei que fornece Viagra grátis para maiores de 60 anos que ganham até dois salários mínimos (R$ 1.020) por mês.

Para ter o benefício, o idoso precisará ser avaliado por um médico. Além do Viagra, há mais opções de tratamento contra disfunção erétil: Sineldafil, Valdenatil e Tadalatil.
O projeto, de autoria do presidente da Câmara, Rosano Taveira (PRB), foi encaminhado na segunda-feira para a sanção do prefeito, que tem 15 dias para se pronunciar.

Taveira, 53, diz que a inspiração nasceu quando um senhor na rua pediu dinheiro para comprar remédio e ele viu que era Viagra.
Em Novo Santo Antônio (MT), houve projeto semelhante. A prefeitura criou um programa de distribuição do medicamento em 2006."

terça-feira, 29 de junho de 2010

Questão opõe defensores do controle do Estado a arautos do direito individual


Hélio Schwartsmann na Folha de hoje

"A controvérsia em torno do porte de armas é essencialmente ideológica. A turma da direita o descreve como um direito individual, enquanto a bancada da esquerda clama por mais controles.

Daí não decorre que não exista também um debate propriamente constitucional. No caso específico dos EUA, a chave do problema é a interpretação da Segunda Emenda, que reza: "Sendo necessária à segurança de um Estado livre a existência de uma milícia bem organizada, o direito do povo de possuir e usar armas não poderá ser impedido".
A ala favorável às armas valoriza mais a segunda oração da frase -"o direito do povo de portar armas não poderá ser impedido"-, impondo assim uma interpretação pró-direitos individuais.

Já os defensores do controle se valem do chamado argumento do direito coletivo. Eles enfatizam o preâmbulo da emenda -"sendo necessária à segurança de um Estado livre a existência de uma milícia bem organizada"- e sustentam que a finalidade desse dispositivo era apenas garantir que os Estados pudessem constituir forças paramilitares para a segurança de todos.

Como o mundo mudou desde o período colonial até os dias de hoje, e as milícias de cidadãos foram substituídas pela Guarda Nacional, já não haveria necessidade de os indivíduos se armarem.

Com a decisão de ontem, a Suprema Corte norte-americana dá um passo decidido rumo à interpretação da posse como direito individual.
Do outro lado do Atlântico, a Inglaterra fez o percurso contrário. A Carta de Direitos de 1689 também trazia um mecanismo que garantia o porte de armas a cidadãos -só os protestantes, mas essa é outra história. À medida, porém, que a tarefa de manter a segurança passou para a polícia, o dispositivo foi caindo no esquecimento, até transformar-se num fóssil.

Hoje, o Reino Unido, como a maioria dos países europeus, tem leis razoavelmente rígidas de controle de armas.

A diferença é que, enquanto a taxa de homicídios por armas de fogo na Inglaterra é de 0,12 por 100 mil habitantes, nos EUA ela é 25 vezes maior, de 2,97 (dados de 2000). Difícil achar que a regulação não tem nada a ver com esses números.

Corte anula leis locais e libera armas nos EUA


Da Folha de SP de hoje.

"CRISTINA FIBE
DE NOVA YORK

A Suprema Corte dos EUA decidiu ontem, por 5 votos a 4, que o direito de posse e porte de armas de fogo para legítima defesa é garantido em todo o país e não pode ser restringido por leis locais.

É a primeira vez que o mais alto tribunal do país se pronuncia a respeito do efeito da Segunda Emenda à Constituição sobre as legislações dos Estados e municípios.
Há dois anos, a corte declarara inconstitucional uma lei do Distrito de Colúmbia -onde fica a capital, Washington- que tornava praticamente impossível para o cidadão comum ter um revólver em casa.

Mas a decisão se aplicava a legislações federais, e o tribunal não se pronunciou sobre outros casos.
Pouco tempo depois, defensores da causa entraram com um processo federal para derrubar também as leis restritivas de Chicago e do subúrbio de Oak Park (Illinois), onde as armas foram banidas há quase 30 anos.
Ontem, sem dizer se as regras de Illinois são ou não constitucionais, a Suprema Corte decidiu que a Segunda Emenda "se aplica igualmente ao governo federal e aos Estados".

O texto da emenda diz que "sendo uma milícia bem regulada necessária para a segurança de um Estado livre, o direito das pessoas de manter e carregar armas não deve ser infringido".

A votação de ontem dividiu a corte entre os conservadores mais ou menos moderados -favoráveis ao porte de armas- e os liberais -os quatro que votaram contra o entendimento da maioria.

sábado, 26 de junho de 2010

Internet e o fim do poder da mídia


Outro dia, conectado no "twitter", alguém retuitou manifestação do Diogo Mainardi que afirmava ser a Internet o lugar onde quem não tem o que dizer fala o tempo todo, algo assim.

Vi na frase do colunista da Veja o que no boxe se chamava "acusar o golpe", ou seja, mostrar para todos e para o adversário que um de seus socos o tinha realmente debilitado. Normalmente isso ocorre, é claro, de modo involuntário. Desta vez, o colunista de Veja, querendo humilhar a todos, deu a perceber o que se passa com sua atividade.

Ora, até alguns anos atrás, os formadores de opinião estavam aboletados nos poucos veículos da mídia, seja nacional, regional ou local. Pessoas como ele mexiam as cordinhas da "opinião pública" e isto era usado como instrumento de comunicação mas, principalmente, de poder.

A internet já dá mostras claras de que esta época está acabando. O episódio Dunga "versus" Globo mostrou isso, com a Globo tendo que recuar ante a impossibilidade de manipular, como nos velhos tempos, o povo contra o esforçado treinador. (Pra quem já foi decisiva na definição de eleição presidencial, hein? quanto retrocesso srs. Marinho!)

As redes sociais estão a horizontalizar o fluxo de comunicação no mundo e no Brasil. Isto é maravilhoso para quem é democrata. Em segundos, uma rede social como o twitter desmonta uma manipulação global. Temos que saudar os novos tempos!

Se é verdade que há muita bobagem na internet, também é verdade (e o sr. Mainardi sabe disso) que o número de pessoas capazes intelectualmente é imenso (basta pensar no número de pessoas com ensino superior no Brasil de hoje, capaz de pensar por si próprios), e que a tribuna pública que a internet oferece a estas pessoas vai redimensionar o papel dos antigos formadores (manipuladores) de opinião.

Razão assiste ao nosso querido sociólogo português Boaventura de Souza Santos (foto): se há uma globalização hegemônica, há também a oportunidade de uma globalização contrahegemônica, que ele chama de cosmopolitismo subalterno. Vamos construir esta esfera pública virtual global!

Mais radical dos abolicionistas teve uma biografia "pronta para o cinema"



Da Folha de hoje.

"LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Em 1835, uma lei de exceção passou a vigorar no Brasil. A rebelião de escravos e o homicídio de seus proprietários eram temas que assombravam elites e autoridades.
Draconiana, a lei criou facilidades processuais para a condenação criminal e o enforcamento de escravos acusados de matar ou de tentar matar seus senhores.
Na década de 1870, antes de dom Pedro 2º adotar a política de comutar sistematicamente as condenações à pena de morte (o último registro de enforcamento legal é de 1876, em Alagoas), Luiz Gama pregava o direito à revolta e defendeu, nos tribunais, a presunção de legítima defesa do escravo que matasse o seu senhor.

Luiz Gama foi o mais radical dos abolicionistas. Autodidata, republicano, jornalista, poeta e rábula (profissional que exerce a função de advogado sem formação acadêmica), morreu em 1882 sem ver a extinção da escravidão com a chamada Lei Áurea. Seu funeral foi acompanhado por uma multidão.
No plano literário, Luiz Gama tem a reputação de ser o primeiro poeta negro a cantar o amor pela mulher negra e rejeitar o amor pela mulher branca (Raymon Sayers, "O Negro na Literatura Brasileira", edições O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 1958).

Em um de seus poemas, relata o sonho de ter entre os braços uma linda mulher, "pescoço branco de neve", mas ao acordar percebeu estar abraçado a uma "estátua de mármore".
Sua vida é argumento pronto para o cinema. Nasceu livre, mas foi vendido como escravo pelo próprio pai.
Filho da negra Luiza Mahin, nas suas palavras "pagã", "bonita" e "vingativa", envolvida na Revolta dos Malês (1835) e na Sabinada (1837), na Bahia, a última pista que dela se tem é a de uma prisão no Rio de Janeiro.
O pai era "fidalgo". Gama omitiria seu nome em carta autobiográfica para "poupar à infeliz memória, uma injúria dolorosa".

Escravizado, aos 10 anos de idade percorreu a pé os caminhos entre Santos e Campinas. Aprendeu ofícios, alcançou a própria liberdade, foi soldado-preso e processado por insubordinação. Fixou-se em São Paulo, onde viveu da advocacia criminal e de solucionar qualquer pendência administrativa.

Em anúncio publicado no "Radical Paulistano", em 1869, propunha-se a aceitar gratuitamente todas as causas de liberdade que os interessados lhe quisessem confiar. Em ações judiciais, libertou cerca de 500 escravos."

Contra "blasfêmia", Paquistão diz que monitorará sites


Da FSP de hoje.

"DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

O Paquistão vai monitorar o conteúdo de sete grandes sites -Google, Yahoo!, Hotmail, MSN, YouTube, Bing e Amazon- para bloquear conteúdo considerado anti-islâmico, informou ontem a Autoridade de Telecomunicações do país.
A determinação é da Justiça paquistanesa, que também baniu 17 sites menores por conter "material blasfemo", e se segue ao fechamento temporário, em maio, do Facebook, num momento em que existem debates no país sobre quão radical deve ser sua interpretação do islã.

"Se qualquer link com conteúdo ofensivo aparecer nesses sites, [o link] deverá ser bloqueado imediatamente, sem perturbar [o conteúdo] do site principal", disse Khurram Mehran, porta-voz da Autoridade de Telecomunicações paquistanesa.
Um exemplo de "conteúdo ofensivo" é o do blog IslamExposed -1 dos 17 banidos-, que chama o islã de "hipócrita".

O Google disse que vai observar como as novas práticas afetarão o acesso a seus serviços. "O Google e o YouTube são plataformas da livre expressão, e tentamos oferecer o máximo de conteúdo [aos usuários]", disse o porta-voz Scott Rubin.
Em maio, também por ordem judicial, o Facebook foi banido por cerca de duas semanas no Paquistão, após um usuário iniciar campanha estimulando internautas a postar imagens do profeta Maomé -que são consideradas blasfêmia pelos muçulmanos. O YouTube também foi afetado.
O Facebook voltou a funcionar depois que o link da campanha foi retirado do ar.

IRA E DEBATES

O caso despertou a ira de milhares de manifestantes, que foram às ruas exigir o boicote ao Facebook, mas também provocou acusações de censura.
"[O Paquistão] ampliou o escopo da censura sem qualquer justificativa legal", disse em maio à BBC Ali Dayan Hasan, representante da ONG Human Rights Watch no país.
Para alguns analistas, a fiscalização da internet denota o crescimento do islã conservador no país.

Um conselheiro do governo na área de de TI, no entanto, diz que os sites fiscalizados não serão fechados e que as autoridades entendem a importância da internet para a informação e a educação.
Segundo Latif Khosa, o governo já vinha monitorando a web em busca de materiais que sejam prejudiciais "à segurança do Paquistão e a mandamentos islâmicos".
Criado em 1947, o Paquistão tem se afastado das influências moderadas do islã sufi, comum no sul asiático, e absorvido interpretações mais radicais da religião encontradas em países árabes.

Em 2006, o país foi palco de violentos protestos contra um jornal dinamarquês que publicara, no ano anterior, charges de Maomé.
Em 2008, quando as charges foram republicadas, um ataque suicida contra a embaixada dinamarquesa em Islamabad, atribuído à Al Qaeda, deixou oito mortos.

Corte alemã legitima suicídio assistido

Da Folha de SP de hoje.

"DO "NEW YORK TIMES", EM BERLIM

Numa decisão histórica, o mais alto tribunal alemão determinou ontem que desativar o equipamento que mantém vivo um paciente terminal não constitui crime.
O tribunal reverteu a condenação de um advogado que no ano passado fora considerado culpado de tentativa de homicídio por aconselhar uma cliente a cortar o tubo intravenoso de alimentação que mantinha viva sua mãe, ainda que em estado vegetativo persistente.

A mãe havia dito à filha que não desejava ser mantida viva por meios artificiais.
Na decisão, a corte estabeleceu clara distinção entre "matar com a intenção de pôr fim à vida" e uma ação "que permita a um paciente morrer sob seu consentimento".
O advogado cuja condenação foi revertida, Wolfgang Putz, classificou a decisão como "excelente". "Ela protege contra abusos e estabelece fronteiras claras. Ajuda os pacientes e os médicos", disse Putz.

Vem havendo debate crescente na Europa quanto ao suicídio assistido, especialmente no Reino Unido. Em fevereiro, o documentarista britânico Ray Gosling foi detido após admitir ter ajudado a matar um ex-amante.
A eutanásia com o consentimento do paciente é legal em alguns países europeus, como Bélgica e Suíça.

Alemães têm viajado à Suíça para morrer há anos. Mas a questão é especialmente complicada na Alemanha porque os nazistas empregaram o termo como camuflagem para um programa de extermínio em massa de pessoas deficientes.
"O veredicto transmite um sinal fatal que não respeita o direito fundamental das pessoas criticamente doentes à autodeterminação e cuidados médicos", afirmou Eugen Brysch, diretor de uma associação médica alemã.

Brysch reprova especialmente o fato de que a paciente em questão tenha expresso seu desejo verbalmente, e não por escrito.
"Se, nesse caso, uma conversa privada sem testemunhas suficientes basta para determinar os desejos da paciente, estamos abrindo as portas a grandes abusos", disse Brysch.

Mas a ministra alemã da Justiça, Sabine Leutheusser-Schnarrenberger, aplaudiu a decisão do tribunal superior.
"Em uma fase difícil da vida, os testamentos dos pacientes oferecem segurança a pacientes, parentes, médicos e enfermeiros. Um testamento formulado livremente por um ser humano deve ser respeitado em todas as circunstâncias da vida", disse.
No caso sob julgamento, a paciente Erika Küllmer estava em estado vegetativo persistente há cinco anos, depois de sofrer uma hemorragia cerebral em 2002. A administração da casa de repouso em que vivia se recusou a permitir que os aparelhos fossem desligados.

Putz, advogado dos filhos de Küllmer, aconselhou sua cliente a cortar o tubo de alimentação em 2007, o que ela fez. A paciente morreu de insuficiência cardíaca dentro de duas semanas.

Em abril de 2009, um tribunal de primeira instância em Fulda sentenciou Putz a nove meses de prisão por tentativa de homicídio. A filha foi considerada inocente.
"Para mim esteve sempre claro que agi do modo certo", disse Elke Gloor, a filha de Küllmer, à agência de notícias alemã DPA, depois do anúncio do veredicto. "Minha mãe já não pode se beneficiar dessa decisão, mas de agora em diante todos os demais pacientes poderão."

quinta-feira, 24 de junho de 2010

CONTARDO CALLIGARIS - Torcer ou pensar, eis a questão


Da Folha de SP de hoje.

Pela minha história, sinto-me parte de várias nações e, na Copa do Mundo, torço por todas elas. Quando se enfrentam duas seleções com as quais me identifico, sou privilegiado: seja qual for o desfecho, um de meus times preferidos ganhará.
Embora tenha uma verdadeira repugnância por qualquer forma de nacionalismo, a torcida da Copa do mundo é a única à qual consigo me juntar. É porque, na Copa, os torcedores vibram, festejam ou se desesperam sem transformar os adversários em objetos de ódio e desprezo.

Exemplo. No jogo de domingo entre Brasil e Costa do Marfim, o time africano pegou pesado, a ponto de me inspirar uma certa antipatia. Também, por ufanismo continental, o público sul-africano torceu pela Costa do Marfim e aplaudiu a expulsão de Kaká, cuja única culpa foi de se irritar e manifestar sua irritação.
Pois bem, ninguém, nem o exuberante pessoal na sacada do prédio em frente do meu, gritou impropérios contra o time da Costa do Marfim e ainda menos contra seu povo. Tampouco ouvi insultos contra o público sul-africano.
Na hora da expulsão de Kaká, ecoou, isso sim, um único berro que expressava uma forte dúvida sobre a honra e o recato da mãe do árbitro. Mas aí, também, ninguém é de ferro (estou brincando).

Por que é possível torcer na Copa do Mundo sem ser devorado pela irracionalidade que afeta as torcidas organizadas de nossos clubes?
A Copa acontece só a cada quatro anos, ou seja, as rivalidades são esporádicas, não se cristalizam. Além disso, os adversários da Copa são variados, distantes e diferentes de nós, enquanto, em geral, os humanos gostam de odiar seus vizinhos.
Justamente, quando existe uma rivalidade estabelecida entre duas seleções nacionais, é entre países próximos, com similitude de destino, como Brasil e Argentina.

Mas mesmo esse tipo de rivalidade "tradicional" não se compara com o ódio que opõe as torcidas de clubes da mesma cidade e do mesmo Estado. Essas torcidas são vítimas dos piores efeitos do grupo sobre o pensamento e os critérios morais do indivíduo.
O que é efeito de grupo? Exemplo: UM jovem playboy entediado não colocaria fogo num índio que dorme num abrigo de ônibus. QUATRO playboys entediados são capazes disso; é possível, aliás, que os quatro se reúnam justamente para, juntos, autorizar-se a fazer algo que, separados, eles nunca fariam.

Vamos agora a um jogo entre São Paulo e Corinthians (ou qualquer dupla de rivais da mesma cidade).
O torcedor corintiano, que está do meu lado, bem antes que a bola role, já roga pragas à torcida do São Paulo, que são "a bicharada" ou "os bambis". Nosso corintiano, uma vez extraído de sua torcida, não imagina, obviamente, que todos os são-paulinos, jogadores e torcedores, sejam "viados".
Tem mais: na grande maioria dos casos, na sua vida "real", fora do estádio, ele tampouco pensa que a opção sexual de alguém possa servir de insulto, ou seja, ele não acredita que os são-paulinos sejam bichas e não acredita que "bicha" seja um insulto.

Meu amigo torcedor, aliás, poderia ser ele mesmo homossexual; tanto faz, não por isso ele deixaria de gritar "bicha-raaaada". O mesmo vale para um são-paulino e seus gritos contra a torcida corintiana.
Resumindo, por fazer parte da torcida e para se integrar nela, o torcedor diz ou grita algo que não tem nada a ver com o que ele pensa quando pensa sozinho (que, cá entre nós, é o único jeito de pensar).

Por isso, só consigo torcer na Copa, e para quatro nações. Isso sem contar os times pelos quais me apaixono "só" porque jogam bem.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Tragédia (grega) na Copa



Com baixa média de gols por partida, esta copa do mundo não está a empolgar muito. A condução de Dunga, que enfatiza a disciplina e eficiência como antitéticas à beleza também não ajuda.

Mas, vendo a copa como um todo, e considerando o fato de que os treinadores estão mais em evidência que os craques, algo me chama a atenção.

Há um embate silencioso entre os dois técnicos das duas melhores seleções desta Copa. Estou falando do duelo entre Dunga e Maradona. Este combate representa muito bem o antagonismo universal entre o apolíneo e o dionisíaco.

Apolo e Dionísio (nenhuma referência a um antigo chefe meu ou a um tio que não vejo há anos!), deuses gregos que representavam, respectivamente, a razão e disciplina por um lado e a beleza, a celebração, a criatividade pelo outro.

Dunga está bem representado em Apolo. Uma era já levou seu nome: a "era Dunga" (1990), caracterizada por representar a aplicação, a disciplina, o futebol de força e resultados, numa clara oposição ao tempo em que Telê era técnico (1982 e 1986), quando se jogou bonito mas não se ganhou nada (em termos de copas).

Maradona representa Dionísio à altura. Primeiro como jogador, pois foi daqueles que contribuiu para elevar o futebol à condição de arte (Dunga só contribuiu para elevar a bola para arquibancada, com seus chutões pro mato característicos). Como pessoa, sabe-se que o portenho levou vida desregrada, dedicada a honrar Baco (outro nome de Dionísio).

Agora, como técnico "ad hoc", continua a representar Dionísio. Fuma charutos nos treinos, é bem humorado, liberou o sexo e chocolate na concentração, e, mais importante, quer um time que ganhe jogando bonito, como temos visto nas apresentações da Argentina.

Torço para que os dois times se encontrem na final. o que nos reservaria o destino, premiaria Apolo ou Dionísio? Eu já tenho minha preferência...

terça-feira, 22 de junho de 2010

Cerveja de milho!


Da Folha, de 18 de dezembro de 2009.

"ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE

É inexplicável que sejam tão omissas as autoridades brasileiras quando se trata da bebida nacional mais popular e de maior consumo

O BRASIL é o quarto maior produtor de cerveja, com pouco mais de 10 bilhões de litros por ano. A China é o maior de todos, com 35 bilhões, e os EUA são o segundo, com 24 bilhões. A Alemanha vem em terceiro, com uma produção apenas 5% maior que a brasileira.
Segundo norma autorregulatória da indústria cervejeira alemã, a cerveja é composta única e exclusivamente por apenas três elementos, cevada, lúpulo e água, tendo como interveniente um fermento. Tradicionalmente, o termo malte designa única e precisamente a cevada germinada.
O malte pode substituir a cevada total ou parcialmente. A malandragem começa aqui. Com frequência, lê-se em rótulos de cervejas a expressão "cereais maltados" ou simplesmente "malte", dissimulando assim a natureza do ingrediente principal na composição da bebida.
Com a aplicação desse termo a qualquer cereal germinado, a indústria cervejeira pode optar por cereais mais baratos, ocultando essa opção.
O poder da indústria cervejeira no Brasil (lobby, tráfico de influência etc.) deve ser imenso. Basta lembrar que convenceram as autoridades (in)competentes nacionais de que não estavam violentando normas que regulam a formação de monopólios ao agregar Brahma e Antártica -o que constituiria então cerca de 70% do consumo nacional- com o argumento de que só assim poderiam concorrer no mercado globalizado. Mas depois foram gostosamente absorvidas por uma multinacional do ramo, certamente uma forma sutil de realizar a concorrência prometida. E não foi tomada nenhuma providência.
Aliás, sempre que aparecia no cenário uma empresa nascente que, pela qualidade, pudesse despertar no brasileiro uma eventual discriminação quanto ao sabor, era ela acuada por todos os meios possíveis e finalmente absorvida, e sua produção, reduzida ao mesmo nível da mediocridade dos produtos das duas gigantes.
Aparentemente, o receio era o de que a população cervejeira, ao ser exposta a diferentes e mais sofisticados exemplos, desenvolvesse algum bom gosto e, consequentemente, passasse a demandar cerveja de qualidade.
A cerveja brasileira (com pequenas e honrosas exceções) é como pão de forma: mata a sede, mas não satisfaz o paladar exigente.
Para esclarecer a questão da má qualidade da cerveja brasileira, vamos fazer alguns cálculos.
A produção nacional de cevada tem ficado nos últimos anos entre 200 mil e 250 mil toneladas, das quais entre 60% e 80% são aproveitados pela indústria cervejeira. Essa produção agrícola tem sido suplementada por importação de quantidade equivalente. Em média, portanto, cerca de 400 mil toneladas de cevada são consumidas na indústria da cerveja no Brasil, presumindo-se que quase toda a importação tenha essa finalidade.
O índice de conversão entre a cevada e o álcool é, em média, de 220 litros por tonelada. Como as cervejas brasileiras têm um teor de álcool de 5%, podemos concluir que seria necessário que houvesse pelo menos seis vezes a quantidade de cevada hoje disponível para a indústria nacional da cerveja. Portanto, a menos que um fenômeno semelhante àquele do "milagre da multiplicação dos pães" esteja ocorrendo, o álcool proveniente da cevada na cerveja brasileira representa cerca de 15% do total.
Há pouco mais de duas décadas foi publicado um relatório de uma tradicional instituição científica do Estado de São Paulo segundo o qual análises de cervejas brasileiras mostravam que um pouco menos que 50% do conteúdo da bebida era proveniente de milho (obviamente sem considerar a água contida).
Como o índice de conversão de grão em álcool para o milho é 80% maior que para a cevada, podemos considerar que a conclusão do relatório em questão atua como álibi, pois satisfaria normas vigentes. Isso também explica a preferência dos produtores de cerveja pelo milho, pois os preços da tonelada dos dois cereais são aproximadamente os mesmos, apesar de consideráveis oscilações.
Esses números permitem, todavia, concluir que o milho (e outros eventuais cereais que não a cevada) constitui, em peso, quase três quartos da matéria-prima da cerveja brasileira, revelando sua vocação para homogeneização e crescente vulgaridade.
Outro determinante da baixa qualidade da cerveja brasileira é a adição de aditivos químicos para a conservação. O mal não está só nessa condição, mas na sua necessidade. O lúpulo em cervejas de qualidade, sejam "lagers", sejam "ales", é o componente responsável pela conservação -além, obviamente, de suas qualidades de paladar.
Depreende-se daí que os concentrados de lúpulo usados na cerveja brasileira são de baixa qualidade. O que é inexplicável e de lamentar, entretanto, é que as autoridades brasileiras, tão zelosas para com alimentos corriqueiros, sejam tão omissas quando se trata da bebida nacional mais popular e de maior consumo e permitam que o cidadão brasileiro beba gato por lebre.

Biologia induz o homem a proteger sua família, mas democracia exige o mérito

Da Folha de SP hoje

"HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

O nepotismo, como a obesidade, pode ser interpretado como um desacerto entre nossa programação biológica e o ambiente moderno em que vivemos, uma espécie de armadilha evolutiva.
No caso dos quilinhos a mais, já se tornou um lugar-comum explicá-los com auxílio da seleção natural.
Devido às adversidades enfrentadas pela humanidade na maior parte de sua história, o organismo humano desenvolveu uma espécie de tara por alimentos altamente calóricos e eficiência na hora de armazenar energia na forma de tecido adiposo.
As condições de vida mudaram, mas o organismo, não. Ele segue programado para poupar o máximo possível de energia, porém num contexto de farta oferta de calorias e num ritmo de vida em que as gastamos cada vez menos. O resultado é a epidemia de obesidade.
Com o nepotismo a coisa não é muito diferente. A biologia nos preparou para favorecer filhos, irmãos (com os quais partilhamos 50% dos genes) e, em menor grau, parentes mais afastados.
É evidente que esse traço não convive bem com a exigência democrática de selecionar funcionários públicos com base no mérito. O resultado é a sucessão de escândalos em contratações e formas criativas de burla às regras republicanas, como o nepotismo cruzado, pelo qual uma autoridade emprega os parentes de um colega em troca de tratamento recíproco para seus familiares.
Como é improvável que leis alterem nossos pendores biológicos, a melhor forma de evitar a repetição dos casos de nepotismo é reduzir drasticamente os cargos de livre nomeação ou mesmo acabar com eles.

A volta do nepotismo pelo Supremo - lamentável


Da Folha de SP de hoje.

"ANDREZA MATAIS
FELIPE SELIGMAN
DE BRASÍLIA

Ao montar sua equipe na presidência do Supremo Tribunal Federal em abril deste ano, Cezar Peluso afrouxou a regra que impede o nepotismo no serviço público.
Peluso nomeou um casal para o STF com base no entendimento de que é legal a contratação de parentes num mesmo órgão se não houver subordinação entre eles.
José Fernando Nunes Martinez, servidor concursado da Polícia Civil de São Paulo cedido para o Supremo, assumiu a coordenadoria de segurança de instalação e transporte do tribunal, e a mulher dele, Márcia Maria Rosado, que não é servidora pública, a coordenadoria de processamento de recursos.
Nos dois casos, são cargos de confiança do presidente.

Em agosto de 2008, o STF editou a súmula vinculante proibindo a contratação de parentes até terceiro grau nos três Poderes para cargos comissionados. O presidente do STF na época era Gilmar Mendes, com quem Peluso teve uma série de atritos desde que assumiu.

Após a edição da súmula ocorreram demissões pelo entendimento de que é proibido que parentes não concursados trabalhem no mesmo órgão, independentemente de subordinação.
A Folha teve acesso ao parecer assinado pela chefe da assessoria jurídica do STF, Mônica Madruga Ribeiro, para justificar a contratação do casal - Márcia Rosado, que veio do gabinete de Peluso, foi nomeada em 26 de abril, e José Martinez, transferido do TSE, tomou posse em maio.

Mônica escreveu que a preocupação maior da súmula é evitar a relação entre o servidor e quem o nomeia.
Pelo parecer, um "entendimento diverso, sem considerar o "poder de favorecimento", levaria ao travamento da administração pública".
A avaliação é a mesma que Peluso teve no julgamento da súmula. Na época, considerou que a proibição não poderia ser levada ao extremo.
A decisão de Peluso contraria ao menos duas decisões do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), tomadas em 2009 -o STF não é obrigado a seguir a orientação do CNJ.
Ao analisar dois casos, o CNJ considerou que "configura nepotismo a nomeação de servidor ocupante de cargo comissionado, que possua parente até terceiro grau exercendo cargo de direção, chefia ou assessoramento ainda que ausente de subordinação hierárquica" e determinou a demissão.
O conselheiro Jefferson Kravchychyn, relator de um dos casos, criticou a decisão do Supremo. "Se caísse na minha mão, votaria da mesma forma. Tem 200 milhões de pessoas para escolher, por que logo um parente?"
Depois que a súmula foi publicada, Senado e Executivo entenderam que parentes estavam proibidos de ocuparem cargos em comissão, ainda que não subordinados.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

O contexto histórico do surgimento do Curso de Direito

O Curso de Direito da UNESC surgiu dentro de um contexto histórico nacional que precisa ser conhecido.

No início dos anos 80 do século passado, com o processo de redemocratização, percebeu-se necessário um amplo debate sobre o ensino jurídico praticado no Brasil. Com a OAB tendo papel de destaque, as reflexões indicavam a necessidade de novas diretrizes curriculares para os cursos de direito, adequados para a formação dos profissionais e cidadãos não mais de uma ditatura, mas de um regime democrático.

Resultado de amplos e exaustivos debates, surgem as novas diretrizes curriculares no último dia do último mês do último ano do governo Itamar Franco: a Portaria 1.886/94. Esta norma tinha como principais características: (1) propugnar visão crítica do egresso dos cursos de direito; (2) curso com mínimo de cinco anos de duração e carga horária mínima de 3700 horas ; (3) estágio de dois anos obrigatórios para todos os alunos, com obrigatoriedade de um Núcleo de Prática Jurídica; (4) monografia obrigatória; (5) exigência de atividades complementares como componente curricular (novidade que foi copiada depois por outros cursos); (6) valorização das disciplinas teóricas/propedêuticas; (7) exigência de biblioteca com mínimo de dez mil volumes atualizados.

Esta portaria tinha dois anos de vacatio legis e, portanto, entrou em vigor bem no ano de 1996, ano em que nosso Curso abriu sua primeira seleção para ingressantes da primeira turma. Ela representou a retomada de um currículo adequado para a educação jurídica numa sociedade democrática e nosso curso surgiu exatamente neste contexto, sendo um dos primeiros cursos plenamente adaptado às novas diretrizes.

Podemos lembrar a fala do prof. Dr. Edson Fachin quando aqui palestrou em nossa segunda semana acadêmica: de mais de 100 pedidos que tramitavam em Brasília, o da FUCRI foi um dos cinco aprovados naquele ano exclusivamente em virtude do seu projeto pedagógico.

História do Curso de Direito da UNESC

Pré-história – a tentativa frustrada de criar um Curso de Direito em Criciúma

Em 1964 um grupo de lideranças locais tomou medidas concretas para a criação de um Curso de Direito em Criciúma. Por meio de lei municipal, a Câmara de Vereadores criava um Curso de Direito, aprovando currículo e até regimento para um futuro Centro Acadêmico.

Nesta etapa teve papel importante o Sr. Benedito Narciso da Rocha, depois homenageado como nome do Centro Acadêmico de Direito. Infelizmente para a cidade, as intenções não se fizeram concretas e o Curso de Direito local somente pôde se tornar realidade mais 40 anos depois.

Importante destacar que esta iniciativa antecipou a própria criação da FUCRI, que sabemos ser de 1968.

O Direito mediocrizado - Celso Augusto Uequed Pitol

As aulas de Karl Von Savigny na universidade de Marburg eram concorridíssimas. As salas de aula – enormes, em forma de auditório, como era então o costume – não davam conta de tantos alunos e não foram poucas as vezes que o mestre de Frankfurt foi obrigado a lecionar no pátio da faculdade, como um líder político num comício ou um pregador num culto.

Estudantes universitários de todas as partes da Alemanha matriculavam-se no curso de Marburg – e, antes dele, no de Berlim – para assistir às famosas palestras do professor e sua abordagem a um tempo original e conservadora do Direito. Savigny lecionava Direito Penal, das Obrigações , Possessório e Civil: em todas essas disciplinas partia pelo estudo do Direito Romano, origem comum de todos os sistemas jurídicos da Europa. Para ele, o Direito era produto de uma evolução histórica e originário, assim como todas as manifestações da cultura, do espírito do povo – o Volkgeist -, que o verdadeiro jurista deveria ser capaz de ouvir e o legislador, de plasmar em normas que estivessem de acordo com este mesmo espírito.

Savigny entendia – e o demonstrou em sua obra capital, História do Direito Romano durante a Idade Média – que o Direito Romano havia penetrado de maneira tão profunda na vida dos antigos povos germânicos que, mesmo após o fim do Império, ele sobrevivera nos costumes e das crenças comuns destes povos, constituindo, assim, um patrimônio que não se poderia destacar de sua cultura. Houve mesmo semestres em que os alunos de Savigny não abriram uma só lei alemã de sua época, dedicando todo o tempo ao estudo do Corpus Juris Civilis e a sua recepção pelos juristas europeus através dos tempos, desde a debacle do Império Romano até o século XIX.

Não que isso, como frequentemente, e erroneamente, se diz deste grande pensador fosse uma apologia à superioridade dos juristas romanos ou a uma erudição vazia e desvinculada da realidade, típica de homens de gabinete enclausurados em seu culto solitário do passado. Não por acaso, outra de suas obras-primas tinha o nome aparentemente contraditório de Sistema de Direito Romano Atual. Era o estudo do Direito Romano e de suas instituições que, para um alemão do século XIX, ainda teriam validade prática. O que havia de vivo da obra de Cícero, Ulpiano, Justiniano e tantos outros merecia o estudo dos jovens alunos alemães; o que estava morto, que fosse assim considerado: morto. O Volkgeist não era em Savigny, ao contrário de muitos filósofos alemães da época (Schelling, Hegel e outros) um conceito metafísico, mas sim a consciência coletiva de um povo expressa em seus costumes, idioma, literatura, religião, música e, também, o seu direito. Savigny convidava seus estudantes correrem até as bibliotecas e ocuparem as jovens mentes com os velhos manuscritos, com os corpora jura e os volumes das seções de História e Filologia, não para levitarem num delírio de cultores dum passado mítico à Dom Quixote, mas para saírem de lá fortalecidos com a seiva que o passado, estudado com os pés bem firmes no presente, pode trazer aos homens.

Foi o que fez o jovem aluno Jakob Grimm. Filho de advogado, oriundo de uma família com poucas posses, escolheu o curso de Direito devido às amplas possibilidades de ascensão profissional que, já naquela época, assistia aos seus graduados. Grimm queria sair da faculdade com conhecimento suficiente para se tornar um bom funcionário público, um competente burocrata e, talvez, se tivesse sorte, um magistrado. Queria, enfim, ganhar a vida. O jovem Grimm foi então ter aulas com o então também jovem Savigny, que contava à época apenas 25 anos . Ao ouvi-lo, no fundo da classe, entre bocejos premeditados, discorrer sobre os primórdios da idéia de posse, citar os antigos juristas romanos, relembrar a história de Roma, submergir nas águas profundas do passado do Ocidente e emergir para observar este mesmo Ocidente nos dias em que viviam, veio-lhe uma súbita paixão que nunca mais lhe largaria. Não perdeu uma só aula do ilustre professor. Tornou-se seu amigo, parceiro de pesquisas e acompanhou-o até várias bibliotecas da Europa em busca dos manuscritos de que Savigny falava em sala de aula. Até então, Grimm era um rapaz curioso por diversos temas, amante de história, de línguas, de romances. Com as aulas e a tutela de Savigny, passou a pesquisador sério e profundo. Entrou como um aspirante a bom empregado. Saiu como um aspirante a historiador. O mundo perdeu um bom burocrata e ganhou o maior especialista em lendas populares da Europa, filólogo renomado, pesquisador e divulgador de contos populares que, ainda hoje, povoam a imaginação das crianças de todas as latitudes: João e Maria, A Gata Borralheira, Cinderela, Chapeuzinho Vermelho, Bela Adormecida e muitos outros. E tudo isso, só para não esquecermos, numa aula de Direito.

Até mesmo os alunos mais dados ao escárnio e à crítica eram obrigados a reconhecer a grandeza do grande mestre. “Savigny é impressionante”, disse um jovem renano chamado Karl Marx, assombrado com sua força argumentativa e sua erudição histórica. Posteriormente submeteria a escola histórica do Direito a severas críticas, mas não falta quem veja muito de Savigny no autor de O Capital (como Ludwig Von Mises, que considerava a influência de Savigny em Marx superior à de Hegel em alguns aspectos). E, como ele, muitos outros que passaram por sua cátedra até sua morte, aos 82 anos. Uma vida coberta de glórias. Quase cem anos mais tarde, o historiador do Direito Erik Wolf deu o veredicto definitivo: “Savigny estabeleceu um programa de renovação da jurisprudência com base humanística, combinando o método histórico-filologico com o filosófico-sitemático”. E nós acrescentamos: um estudo que, apesar de seus erros aqui e ali, de suas imperfeições e equívocos, confere ao estudo do Direito a dignidade que a filologia e a história conferem a quem se aventura na seara das ciências humanas.

Em 1923, o escultor Hugo Lederer criou uma estátua de Savigny para ser colocada diante da antiga Biblioteca da Universidade Friedrich Wilhelm, atual Universidade Humboldt. Foi destruída pelos nazistas dez anos depois. A barbárie totalitária não apreciava Savigny e a escola histórica, apesar de alguns aparentes – só aparentes – pontos de contato entre os dois. Não é preciso, entretanto, ser um regime assumidamente totalitário para que uma escola, uma linha de pensamento, até mesmo uma determinada postura seja banida da vida intelectual de uma nação. Não é preciso ir longe para demonstrá-lo. Se Savigny fosse professor no Brasil de hoje provavelmente seria expulso de todas as faculdades de Direito onde quisesse dar aulas. Com muita sorte conseguiria um emprego como professor de História. A partir do momento em que começasse a recuar o estudo da Lei ao passado, a estudar-lhe as origens, os fundamentos históricos, filosóficos, linguísticos, enfim, tudo o que ajudou a formar e a plasmar a norma jurídica dentro do quadro da cultura presente e que lhe ajuda a interpretar, a compreender e talvez mesmo a modificar este mesma norma, o velho Savigny seria, muito provavelmente, expulso da sala de aula sob gritos estridentes de que não estaria ensinando o que devia. O mais triste é que o aluno a proferir o discurso não estaria errado. Savigny não estaria a ensinar o que devia. O que se deve ensinar em nossas faculdades de Direito não é a perscrutar a origem do nosso Direito, de nossas instituições, de nossa sociedade, de tudo quanto está , diretamente ou indiretamente, ligado ao País que, sob a égide da lei, se formou e se forma diariamente. O que se deve ensinar em nossos cursos jurídicos não é este “programa de renovação da jurisprudência com base humanística, combinando o método histórico-filologico com o filosófico-sitemático”. O que se deve ensinar em nossas faculdades de Direito é a sermos o que o menino Jacob Grimm queria ser antes de ter aulas com Savigny.

O quadro parece amargamente descrito. Errado: não é nada além do que este articulista ouviu de um professor, numa aula de Antropologia Jurídica, quando perguntaram sobre seu método de trabalho noutra disciplina que ministrava, a de Direito Penal: “Lá eu não ensino Direito Penal, e sim o Código Penal brasileiro”. Não sei se o ilustre professor já ouviu falar da conhecida frase do jurista francês Bugnet, que afirmava, sem o menor pudor, não conhecer o Direito Civil e ensinar o apenas o que sabia, o Código de Napoleão. Provavelmente, não. Da mesma forma, poderiam os professores admitir, sem o menor pudor – que, muitas vezes, é sinônimo de hipocrisia e falta de coragem – que não ensinam Direito, e sim o que sabem, isto é, passar em concursos. Francesco Carnelutti já dizia que o jurista que é somente jurista é uma pobre e triste coisa. Da mesma forma, a faculdade de Direito que é simplesmente, um curso onde se decoram leis, onde se prepara para o exame de Ordem e onde a excelência é medida pelo percentual de aprovação nesta mesmo exame, nada pode ser além de uma pobre e triste coisa de consequências nefastas não só para o futuro do Direito mas para a própria vida intelectual da Nação. As faculdades de Direito sempre foram um espaço onde vicejou a discussão dos destinos do país em todos os âmbitos, do cultural ao político, do social ao econômico, envolvendo professores e estudantes num debate multidisciplinar que terminava, não raro, na formação de grandes nomes da vida pública nacional em todos os aspectos que o termo “público” pode comportar. Como pode haver tal debate se o Direito, reduzido apenas ao Code Napoleon e seus descendentes, transforma-se em mero estudo desvinculado de tudo quanto o cerca e nele influi decisivamente?

É altamente revelador que a proibição do uso de Códigos em provas acadêmicas, prática incentivada pelas instituições de ensino e cada vez mais aplicadas pelos professores, só tem sido de fato empregue após a proibição dos mesmos pelo exame da Ordem dos Advogados. As questões do dito exame, de múltipla escolha, embotam o raciocínio e impedem o estudo aprofundado das questões. Exigir de uma ciência humana – ou do Espírito, como se dizia outrora – que apresente respostas únicas e definitivas, a serem marcadas com caneta esferográfica sem possibilidade de discussão posterior é negar os próprios fundamentos da idéia de ciências humanas. Tal método, se empregue num exame de admissão profissional, é equivocado; expandido para o estudo acadêmico é uma verdadeira catástrofe intelectual. A consagração da nova mentalidade está consubstanciada no termo que, desde há pelo menos vinte anos, se escolheu para denominar o que um dia chamou-se jurista: operador do Direito.

Não estudioso: operador. Como o operador de máquinas do sempre atual Tempos Modernos de Charles Chaplin, que limita-se a agir mecanicamente para produzir o máximo com o mínimo de tempo. A questão é que, mesmo findo o serviço, o operador em questão continuava a agir mecanicamente, apertando parafusos imaginários num objeto que não existia. Findo o estudo universitário, o operador do Direito sairá para a vida profissional e operará com maestria aquilo que conhece. Responderá, com a devida precisão, às questões do exame de Ordem que estudou exaustivamente estudou durante os cinco anos de curso (e no ano de curso preparatório que, quase que certamente, acabou por ter de matricular-se). Provavelmente operará o que aprendeu em seu dia a dia, seja qual for a área em que escolheu. Tornar-se-á uma pobre e triste coisa, pronta continuar a manejar a chave de fenda, a apertar o parafuso e a destruir estátuas de grandes nomes da cultura Ocidental quando mandarem fazê-lo.

Extraído de http://perspectivabr.wordpress.com/

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Morre Saramago



Leio agora na Folha que Saramago morreu, aos 87 anos. É um dia triste.

Saramago, escritor português e Nobel de Literatura, comunista convicto. Li algumas de suas obras, que com a notícia de sua morte me vêm à lembrança imediatamente. Houve anos em que o mês de janeiro, mês de férias, sempre começava com a leitura de um de seus livros.

A jangada de Pedra.

Ensaio sobre a cegueira - livro perturbador, que lida com a fragilidade de nossa civilização - basta a perda de um dos sentidos para a humanidade mergulhar no caos e horror.

Evangelho segundo Jesus Cristo - esta obra é sensacional, humanizando a figura de Jesus, um livro imperdível.

Todos os nomes - que delicadeza esta história de uma cartorário que desenvolve uma relação amorosa inusitada e contada de forma muito bonita. Gosto muito deste livro.

Memorial do Convento.

O conto da Ilha desconhecida - se alguém quer ler algo do Saramago, que comece por ete livrinho. Apesar de curto, se pode aproveitar seu estilo, pois Saramago inventa uma sintaxe própria que de início causa estranheza. Está aqui:

http://www.alfredo-braga.pro.br/biblioteca/ilhadesconhecida.html

terça-feira, 15 de junho de 2010

Legislador respondeu à demanda punitiva


Da Folha de hoje.

LUÍS FERNANDO CAMARGO DE BARROS VIDAL
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os crimes sexuais são horríveis. Causam náusea e repulsa. Nestes tempos em que a consciência republicana ignora o domínio das relações privadas e que o Estado laico se impõe face à autoridade eclesiástica, é esperada a revelação de um mundo ignorado e subestimado de violações e violências sexuais de toda ordem na esfera doméstica e no espaço religioso.

A consequência é a expectativa social por maior rigor penal. O legislador, essencialmente movido pelas ações midiáticas, não tardou em responder à demanda punitiva. Fez modificar o Código Penal para aumentar penas e elevar o grau de proteção simbólica com a junção dos antigos crimes de estupro e atentado violento ao pudor num mesmo artigo da lei chamado de estupro, e outro de estupro de vulnerável.

A mensagem é de que agora é pra valer: tudo é estupro, tudo é punido com rigor. Poucos meses depois vemos que não é bem assim. O direito é um sistema que se governa por regras próprias. O direito penal é constituído de garantias duramente conquistadas na evolução da humanidade. Disso não podemos abrir mão. Os povos que o fizeram conheceram os horrores dos regimes totalitários.

CRIME ÚNICO

As mais variadas tendências ideológicas da jurisprudência passam a afirmar que cometer o antigo estupro juntamente com o antigo atentado violento ao pudor é um único crime nos termos da lei nova, e isso deve beneficiar a todos, inclusive aqueles já condenados por força do princípio da retroatividade da lei mais benéfica.

O rigor, quando cabe, deve ocorrer na fixação da pena, que é uma só e já é elevada em seu grau mínimo: seis ou oito anos, conforme o caso. Esta interpretação é rigorosamente técnica. Mas técnicos apolíticos não existem, e é preciso identificar a mensagem política subjacente às decisões.

Haverá quem veja o mais puro laxismo. Leniência com a persistente cultura do abuso e da violência sexual. Uma jurisprudência libidinosa. É um erro. O mundo está começando a ficar inconscientemente farto das intervenções espetaculares daqueles que Nietzsche chamou de melhoradores da humanidade. E a jurisprudência dá sinais disso. Os fracassos de nosso processo civilizatório são nossos, e não do outro a quem imputamos o mal e estamos sempre dispostos a linchar, com lei ou sem lei.

LUÍS FERNANDO CAMARGO DE BARROS VIDAL é presidente da Associação Juízes para a Democracia

Estupradores usam nova lei para reduzir tempo na prisão


Da Folha de hoje.

ROGÉRIO PAGNAN
DE SÃO PAULO

O objetivo inicial era tornar a lei mais rígida. Unificar dois artigos do Código Penal para acabar com a expressão "atentado violento ao pudor" e classificar todo o crime sexual como estupro.
Na prática, porém, a nova lei sobre crimes sexuais tornou mais brandas as penas contra os estupradores e já é considerada por membros da Promotoria e do Judiciário "uma tragédia jurídica".

Em quase todo o país, criminosos estão reduzindo suas penas por conta da nova lei, já há casos nesse sentido em SC, RS, MG e SP. No DF, por exemplo, levantamento da Promotoria aponta para pelo menos 25 casos.
Isso ocorre porque no Brasil, até a publicação da lei, em agosto de 2009, o crime de estupro era o ato de um homem introduzir o pênis na vagina da vítima, mediante violência ou grave ameaça.

Os outros "atos libidinosos", como sexo oral e anal, eram tidos como um crime diferente: atentado violento ao pudor (artigo 214).
Era possível, assim, o criminoso ser condenado pelos dois crimes simultaneamente. As penas eram as mesmas: de 6 a 10 anos de prisão. Caso fosse condenado pelos dois crimes, sem eventual agravante, pegaria, no mínimo, 12 anos e, no máximo, 20 anos de prisão.

Na nova lei, porém, há só o crime de estupro (artigo 213) que prevê os atos de "conjunção carnal" e "atos libidinosos". Pena de 6 a 10 anos.
Dessa forma, os juízes passaram a entender que quem foi condenado, por exemplo, a 12 anos pelos dois crimes deve, agora, ter essa pena reduzida para 6 anos.
Como toda nova lei pode retroagir em benefício do réu, muitos advogados foram à Justiça pedir redução ou extinção da pena do atentado.

ENTENDIMENTO ERRADO

A deputada Maria do Rosário (PT-RS), relatora da lei, diz que a interpretação dos juízes está errada. Ela diz, inclusive, que a lei pode até ser alterada caso haja necessidade. "A intenção da legislação é proteger meninos e meninas de estupros. E estabelecer, para a sociedade, que existem várias formas pelas quais o estupro ocorre."

"A intenção do legislador pode ter sido muito boa, mas essas imperfeições redacionais levaram a discussões como essa. Não deram conta de que isso poderia ocorrer. [...] Se o objetivo era agravar, nesse caso gerou uma controvérsia que pode redundar num abrandamento", disse o juiz Ulysses de Oliveira Gonçalves Júnior, professor do Mackenzie e da Escola Paulista de Magistratura.
Para a promotora Maria José Miranda Pereira, de Brasília, a nova lei é uma "tragédia". Ela e o juiz Gonçalves Júnior acreditam que a nova lei pode provocar crimes mais graves.

"Se a pessoa pratica só conjunção carnal, ela vai ter pena de reclusão de seis anos. Se ela pratica coito anal, relação sexual oral, vários coitos, várias conjunções, a pena é a mesma. Isso acaba servindo de estímulo", disse o juiz paulista.
Para o advogado Alberto Zacharias Toron, os juízes estão fazendo uma interpretação correta. Para ele, "os atos preparatórios" de um estupro não podem ser considerados como um outro crime. "Essa não só é uma interpretação correta, como justa."

EUA criticam Brasil por trabalho escravo e tráfico de pessoas

Da Folha de hoje.

ANDREA MURTA
DE WASHINGTON

O governo brasileiro voltou a ser criticado nos Estados Unidos por não cumprir padrões mínimos para eliminar o tráfico de pessoas e o trabalho escravo, apesar de terem sido reconhecidos esforços do país para se adequar no último ano.
Em relatório divulgado ontem, os EUA estimam em 12,3 milhões o número de vítimas de trabalho e prostituição forçados no mundo.

O Brasil é classificado como "fonte de homens, mulheres, meninos e meninas para prostituição forçada no país e no exterior e trabalhos forçados" em solo nacional.
O texto diz que o governo fez "grandes esforços" para resgatar milhares de trabalhadores em situação de escravidão e expandiu serviços às vítimas de tráfico sexual.

Alerta, porém, para o fato de que o número de condenações caiu e que abrigos às vítimas são inadequados.
Mulheres e crianças brasileiras, particularmente de Goiás, são citadas como vítimas de prostituição forçada em países como Espanha, Itália, Reino Unido, Portugal, Suíça, França e EUA.

Já a indústria têxtil de São Paulo é mencionada como destino de trabalhadores de Bolívia, Paraguai e China.
O Brasil ficou no segundo nível numa escala de quatro (no primeiro estão os que cumprem padrões mínimos) -a mesma posição desde 2007 e superior a dos demais membros do grupo dos Brics (China, Rússia e Índia).

O relatório homenageia ainda "heróis" do combate ao tráfico de pessoas -um deles o frei dominicano-francês Xavier Plassat, escolhido pelo trabalho na CPT (Comissão Pastoral da Terra).
Segundo ele, "o país tem instrumentos de libertação, mas não faz quase nada em prevenção e reinserção". "Escravo não é só quem trabalha acorrentado, como creem políticos. As maiores organizações pecuárias quase negam [a situação]."

O Ministério do Trabalho afirmou que o país combate o trabalho escravo e que é modelo da ONU em políticas e legislação para o tema.
Os EUA incluíram análise de si próprios pela primeira vez no relatório. Destacaram vítimas de trabalho forçado entre a comunidade latina.

domingo, 13 de junho de 2010

Zeca Camargo bocejando no Fantástico 06/06/2010

MARCELO GLEISER - Newton, Einstein e Deus

Da FSP de hoje.

TALVEZ ISSO SURPREENDA muita gente, mas tanto Newton quanto Einstein, sem dúvida dois dos grandes gigantes da física, tinham uma relação bastante íntima com Deus.
É bem verdade que o que ambos chamavam de "Deus" não era compatível com a versão mais popular do Deus judaico-cristão.
Numa época em que existe tanta disputa sobre a compatibilidade da ciência com a religião, talvez seja uma boa ideia revisitar o pensamento desses dois grandes sábios.

No epílogo da edição de 1713 de sua obra prima "Princípios Matemáticos da Filosofia Natural" (1686), Newton escreve que o seu Deus (cristão, claro) era o senhor do Cosmo e que deveria ser adorado por estar em toda a parte, por ser o "Governante Universal". Essa visão de Deus pode ser considerada panteísta, se entendermos por panteísmo a doutrina que identifica Deus com o Universo ou que identifica o Universo como sendo uma manifestação de Deus.

A visão que Einstein tinha de Deus, devidamente destituída da conotação cristã, ecoava de certa forma a de Newton. Einstein desprezava tudo o que dizia respeito à religião organizada, em particular a sua rígida hierarquia e ortodoxia.
Para ele, um Deus que se preocupava com o destino individual dos homens não fazia sentido. Sua visão era bem mais abstrata, baseada nos ensinamentos do filósofo Baruch Spinoza, que viveu no século 17.

Numa carta dirigida a Eduard Büsching, de 25 de outubro de 1929, Einstein diz: "Nós, que seguimos Spinoza, vemos a manifestação de Deus na maravilhosa ordem de tudo o que existe e na sua alma, que se revela nos homens e animais".
Em 1947, numa outra carta, Einstein escreveu: "Minha visão se aproxima da de Spinoza: admiração pela beleza do mundo e pela simplicidade lógica de sua ordem e harmonia, que podemos compreender".

Como essas posições podem ser usadas no debate sobre a compatibilidade da ciência com a religião?

De um lado, ateus radicais como Richard Dawkins, Christopher Hitchens e Sam Harris argumentam que não pode haver uma compatibilidade, que a religião é uma ilusão que precisa ser erradicada, que o sobrenatural é uma falácia.
De outro, existem vários cientistas que são pessoas religiosas e até mesmo ortodoxas, e que não veem qualquer problema em compatibilizar seu trabalho com a sua fé. O fato de existirem posições tão antagônicas reflete, antes de mais nada, a riqueza do pensamento humano. Nisso, vejo um ponto de partida para uma possível conciliação.

É verdade que o ateísmo radical está respondendo a grupos fundamentalistas que tentam evangelizar instituições públicas. "Guerra é guerra e devemos usar as mesmas armas", ouvi de amigos. Mas o pior que um fundamentalista pode fazer é transformar você nele.

Einstein e Newton encontraram Deus na Natureza e viam a ciência como uma ponte entre a mente humana e a mente divina.

Para eles, adorar a Natureza, estudá-la cientificamente, era uma atitude religiosa. Acho difícil ir contra essa posição, seja você ateu ou religioso. Religiões nascem, morrem e se transformam com o passar do tempo. Mas, enquanto existirmos como espécie, nossa íntima relação com o Cosmo permanecerá.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"

sábado, 12 de junho de 2010

Mulheres do cinema

ANTONIO CICERO Nietzsche e o niilismo

Na FSP de hoje.

NIETZSCHE, em "A Vontade de Poder", pergunta: "Que significa o niilismo?". Responde: "Que os valores supremos estão perdendo valor".

Em "A Gaia Ciência", ele descreve o niilismo como "a desconfiança de que há uma oposição entre o mundo em que até há pouco estávamos em casa com nossas venerações [...] e outro mundo em que somos nós mesmos: desconfiança inexorável, radical, profundíssima [...] que poderia colocar a próxima geração ante a terrível alternativa: ou vocês abolem as suas venerações ou -a si próprios! A segunda opção seria o niilismo -mas não seria a primeira também niilismo?".

Na verdade, o niilismo nesse sentido, isto é, a desconfiança e a negação dos valores supremos, constitui a segunda etapa do niilismo. A primeira consiste na depreciação da vida real em nome da postulação e da valorização de um mundo suprassensível superior a ela.

É o que faz a metafísica platônica, por exemplo. Platão, como se sabe, defende que o mundo que nos é dado pelos sentidos e no qual agimos não passa de um simulacro do mundo verdadeiramente real, que é o mundo das ideias eternas, universais e imutáveis e, em primeiro lugar, da ideia do bem: do bem em si.

"O pior, mais persistente e perigoso dos erros até hoje", diz Nietzsche, "foi um erro de dogmático: a invenção platônica do puro espírito do bem em si". Por quê? Porque desvaloriza o mundo real. O mundo sublunar em que vivemos é tanto menos dotado de realidade e valor quanto mais se afaste do ideal.

Segundo Nietzsche, o cristianismo é um platonismo vulgar, um "platonismo para o povo". Trata-se, portanto, de niilismo para o povo. "O nada divinizado", diz. Que maior degradação do mundo real pode ser concebida? Tal é a primeira etapa do niilismo na Europa.

E como se chega à segunda etapa, isto é, ao niilismo que já se considera como tal? Em "A Vontade do Poder", Nietzsche especula que a moralidade cristã acaba por se voltar contra o próprio Deus cristão.
A valorização da veracidade alimenta uma vontade da verdade que se revolta contra a falsidade das interpretações cristãs. Descobre-se que não se tem o direito de pressupor um ser transcendente ou um em si das coisas que fosse ou divino ou a encarnação da moralidade. A reação contra a ficção de que "Deus é a verdade" é: "Tudo é falso".

A partir disso, negam-se todos os valores supremos. É a morte de Deus. O domínio do transcendente se torna nulo e vazio. O niilista nega Deus, o bem, a verdade, a beleza.

Se antes a vida real era desvalorizada em nome dos valores supremos, agora os próprios valores supremos são desvalorizados, sem que se tenha reabilitado a vida real. Desmente-se o mundo metafísico, sem se crer no mundo físico. Nega-se qualquer finalidade ou unidade ao mundo. Nada vale a pena.

Mas, além desse modo passivo, há o que Nietzsche chama de "niilismo ativo". Representa o aumento do poder do espírito. Nietzsche diz que "seu máximo de força relativa, o [espírito] alcança como força violenta de destruição: como niilismo ativo". E classifica a si próprio como o primeiro niilista europeu perfeito, isto é, "o primeiro niilista europeu que já viveu em si o niilismo até o fim, já o deixou atrás de si e o superou".

Tal niilismo não pode consistir, evidentemente, na destruição física das coisas ou dos seres humanos. Trata-se antes da abertura do caminho para a "transvaloração de todos os valores" através do reconhecimento do caráter meramente relativo, particular e contingente de todas as crenças e valores dados.

Ora, não é exatamente a esse reconhecimento que o ceticismo metódico da filosofia moderna deveria ter conduzido, se tivesse realmente sido levado às últimas consequências? Não teria ele então consistido em niilismo ativo? Nesse sentido, Heidegger tem razão ao pensar que Descartes está menos distante de Nietzsche do que este imagina...

Entidades elogiam validade do Ficha Limpa já para este ano

Da FSP de hoje.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Ricardo Lewandowski, e entidades jurídicas elogiaram ontem a decisão de que a lei do Ficha Lima valerá já para as eleições deste ano.
Segundo Lewandowski, o TSE tomou "decisão histórica que cumpre a vontade não somente do Congresso Nacional, mas também da cidadania, que se expressou através de seus representantes".
A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) disse que o TSE demonstrou que está "comprometido com um processo eleitoral ético e transparente".
Por meio de uma nota, a entidade afirma que o projeto Ficha Limpa e a validade imediata da lei são "o desejo da magistratura e de toda a sociedade brasileira, que clamam por uma moralização da atividade pública".
Já o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Ophir Cavalcante, avaliou que o TSE, em sua decisão, "afirmou e reafirmou o que a nação brasileira está perseguindo há algum tempo: ética na política".
"É mais uma vitória no combate à corrupção. A sociedade sai vitoriosa e, o que é muito importante, a Justiça brasileira acompanhou esse anseio da sociedade brasileira", afirmou.
O TSE ainda precisa esclarecer uma dúvida sobre a abrangência da lei -não há entendimento definitivo sobre a validade para os políticos que tenham sido condenados antes de sua sanção.
Isso porque uma emenda de redação do senador Francisco Dornelles (PP-RJ) alterou tempos verbais no texto e colocou em dúvida o alcance da lei em processos atuais.
O texto original -que falava em políticos que "tenham sido condenados"- foi alterado para os que "forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado".
Já existe uma consulta, proposta pelo deputado federal Jerônimo de Oliveira Reis (DEM-SE), com a pergunta: "As disposições da nova lei aplicam-se aos processos em tramitação iniciados em pleitos anteriores?". Os ministros deverão respondê-la até o final deste mês.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

O direito de buscar a felicidade


Texto do Contardo Calligaris, hoje na Folha de SP.

O ARTIGO SEXTO da Constituição Federal declara que "são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados".
O Movimento Mais Feliz (www.maisfeliz.org) promove uma emenda constitucional pela qual o artigo seria modificado da seguinte forma: "São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde etc." (segue inalterado até o fim).

É claro que, se eu dispuser de casa, emprego, assistência médica, segurança, terei mais tempo e energia para buscar minha felicidade. No entanto o respeito a esses direitos sociais básicos não garante a felicidade de ninguém; como se diz, ter comida e roupa lavada é bom e ajuda, mas não é condição suficiente nem absolutamente necessária para a busca da felicidade.

Em suma, implico um pouco com o adjetivo "essencial" no texto da emenda, mas, fora isso, gosto da iniciativa porque, como a Declaração de Independência dos EUA, ela situa a busca da felicidade como um direito do indivíduo, anterior a todos os direitos sociais.
Por que a busca da felicidade não seria apenas mais um direito social na lista? Simples.

A felicidade, para você, pode ser uma vida casta; para outro, pode ser um casamento monogâmico; para outro ainda, pode ser uma orgia promíscua.
Para você, buscar a felicidade consiste em exercer uma rigorosa disciplina do corpo; para outros, é comilança e ociosidade. Alguns procuram o agito da vida urbana, e outros, o silêncio do deserto. Há os que querem simplicidade e os que preferem o luxo. Buscar a felicidade, para alguns, significa servir a grandes ideais ou a um deus; para outros, permitir-se os prazeres mais efêmeros.
Invento e procuro minha versão da felicidade, com apenas um limite: minha busca não pode impedir os outros de procurar a felicidade que eles bem entendem. Por isso, obviamente, por mais que eu pense que isto me faria muito feliz, não posso dirigir bêbado, assaltar bancos ou escutar música alta depois da meia-noite. Por isso também não posso exigir que, para eu ser feliz, todos busquem a mesma felicidade que eu busco.

Por exemplo, você procura ser feliz num casamento indissolúvel diante de Deus e dos homens. A sociedade deve permitir que você se case, na sua igreja, e nunca se divorcie. Mas, se, para ser feliz, você exigir que todos os casamentos sejam indissolúveis, você não será fundamentalmente diferente de quem, para ser feliz, quer estuprar, assaltar ou dirigir bêbado.
Não ficou claro? Pois bem, imagine que, para ser feliz, você ache necessário que todos queiram ser felizes do jeito que você gosta; inevitavelmente, você desprezará a busca da felicidade de seus concidadãos exatamente como o bandido ou o estuprador a desprezam.

Em matéria de felicidade, os governos podem oferecer as melhores condições possíveis para que cada indivíduo persiga seu projeto -por exemplo, como sugere a emenda constitucional proposta, garantindo a todos os direitos sociais básicos. Mas o melhor governo é o que não prefere nenhuma das diferentes felicidades que seus sujeitos procuram.
Não é coisa simples. Nosso governo oferece uma isenção fiscal às igrejas, as quais, certamente, são cruciais na procura da felicidade de muitos. Mas as escolas de dança de salão ou os clubes sadomasoquistas também são significativos na busca da felicidade de vários cidadãos. Será que um governo deve favorecer a ideia de felicidade compartilhada pela maioria? Ou, então, será que deve apoiar a felicidade que teria uma mais "nobre" inspiração moral?

Antes de responder, considere: os governos totalitários (laicos ou religiosos) sempre "sabem" qual é a felicidade "certa" para seus sujeitos. Juram que eles querem o bem dos cidadãos e garantem a felicidade como um direito social -claro, é a mesma felicidade para todos. É isso que você quer?

Enfim, introduzir na Constituição Federal a busca da felicidade como direito do indivíduo, aquém e acima de todos os direitos sociais, é um gesto de liberdade, quase um ato de resistência.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Decreto tenta fechar brechas para nepotismo



Da Folha de hoje.

DE BRASÍLIA Decreto publicado ontem pelo governo federal tenta fechar as últimas brechas para a contratação de parentes de servidores não concursados.
O texto proíbe que qualquer pessoa nomeada em órgão público tenha cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau em cargo de comissão em entidades governamentais vinculadas.

Com isso, o parente de um ministro, por exemplo, não poderá ocupar cargo dentro de uma empresa pública que seja vinculada ao ministério.
O mesmo serve para autarquias, fundações e sociedades de economia mista. No caso do presidente e do vice, o decreto proibiu seus parentes de ocuparem qualquer cargo em qualquer órgão da administração pública.

A norma tenta também barrar o nepotismo cruzado -quando há nomeação de parentes em órgãos diferentes. Mas o texto é genérico e não traz casos específicos.

SUPREMO

O decreto regulamentou a súmula do STF (Supremo Tribunal Federal), de 2008, que proibiu a prática nos três Poderes. Segundo a CGU (Controladoria-Geral da União), foi necessário esse tempo para realizar um estudo sobre os casos existentes.
Foram analisados mais de 20 mil casos em que poderia haver nepotismo. Destes, 150 foram caracterizados dentro das normas do decreto. Os órgãos serão notificados para que demitam os contratados.

O decreto também ampliou o entendimento de nepotismo para empresas. Pessoas com cargos de chefia não poderão contratar sem licitação empresas que pertençam ou tenham como responsáveis seus parentes.

Temporários ou estagiários só poderão ser contratados por seleção.
O decreto só vale para cargos do Executivo. Segundo a CGU, parentes de comissionados que atuem no governo poderão ser contratados no Judiciário e no Legislativo.
Em caso de concursado, não será considerado nepotismo se ele for nomeado por parente para cargo compatível com sua atividade.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Polícia militar do Pará submete adolescentes



Foi notícia no domingo espetacular da Record ontem. Seria cômico se não fosse um trágico retrato de parte da nossa polícia em todo o país. Depois de apanhar, os adolescentes são ridicularizados.

Texto do Bobbio para leitura

Norberto Bobbio - O Positivismo Juridico, Lições Da Filosofia Do Direito

Pessoal, este é o link do livro que vocês devem ler.

Onde os gays erram


Ontem foi dia de Parada do Orgulho LGBT em São Paulo. Mais uma vez, milhões de pessoas se reuniram em clima festivo para celebrar a diversidade de manifestações existenciais de sua sexualidade. Penso que este movimento é um movimento vitorioso e positivo para a sociedade.

Mas o evento de ontem e a cobertura positiva da mídia não escondem que em nosso país ainda não há um consenso favorável às bandeiras do movimento. Quando da visita do Presidente do Irã, chamou-me a atenção que Ahmadinejad foi duramente criticado por ser intolerante com os homossexuais, como se esta posição não encontrasse muitos adeptos no Brasil.

Que ninguém se engane: o Direito tem avançado na proteção dos direitos desta minoria no âmbito jurisprudencial. Alterações legislativas parecem distantes. Aqui gostaria de destacar um ponto para o debate.

Nas entrevistas dos representantes do movimento GLBT o que aparece agora com destaque, a indicar ser prioridade, é a aprovação de lei que criminalize a homofobia em suas diversas manifestações. Vozes contrárias se levantam por todos os lados e o debate promete esquentar. Em que pese ser simpático às bandeiras gerais do movimento, discordo dest luta em especial.

Criminalizar não é uma medida adequada para fortalecer a causa homossexual. Existe todo um debate na criminologia crítica sobre a abolição ou minimização do sistema penal, que não deveria ser ignorado pelos ativistas do movimento gay.

O sistema penal não funciona como promete e funciona num sentido perverso: na sociedade fordista, o sistema penal selecionava as pessoas indisciplinadas e prometia reeducá-las para sua reinserção dócil no sistema produtivo. Hoje, numa fase pós-fordista, nem isso existe mais: o sistema não precisa mais de amplos contingentes populacionais, que são jogados nos cárceres mundo afora. Nos EUA, de onde vem a tendência, isto é muito evidente.

Na estratégia de ação do sistema penal é fundamental uma ampla criminalização de um sem-número de delitos. Com a criminalização abrangente, os atores do sistema penal ficam livres para selecionar o seu público preferencial, normalmente localizado entre os excluídos da sociedade. O subproduto disso tudo é uma indústria do controle social, que fatura bilhões em todo o mundo e só faz crescer.

Criar mais um tipo penal fortalece esta lógica. A sociedade precisa abrir os olhos para isso urgentemente e um movimento social de ponta como o GLBT poderia ser um importante aliado, pois seus integrantes formam um segmento da sociedade visado pelo aparato repressivo do Estado.

domingo, 6 de junho de 2010

Trecho de artigo de João Moreira Salles na Folha de hoje

PESADELO Existem no Rio quatro universidades que oferecem cursos de cinema; no Brasil, são ao todo 28, segundo o Cadastro da Educação Superior do MEC. No ano passado, a PUC-Rio formou três físicos, dois matemáticos e 27 bacharéis em cinema.
Existem 128 cursos superiores de moda no Brasil. Em 2008, segundo o Inep [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira], o país formou 1.114 físicos, 1.972 matemáticos e 2.066 modistas. Alimento o pesadelo de que, em alguns anos, os aviões não decolarão, mas todos nós seremos muito elegantes.

É evidente que um país pode ter documentaristas demais e físicos de menos. O Brasil já sofre uma carência de engenheiros. Segundo dados de um relatório do Iedi [Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial] entregue ao ministro da Educação, Fernando Haddad, a taxa de formação de engenheiros no Brasil é inferior à da China, da Índia e da Rússia, países emergentes com os quais competimos.

A Rússia forma 190 mil engenheiros por ano, a Índia, 220 mil e a China, 650 mil, diz o relatório. Nós formamos 47 mil. Os números da China são pouco confiáveis, mas outras comparações eliminam possíveis dúvidas. A Coreia do Sul, por exemplo, com 50 milhões de habitantes, forma 80 mil engenheiros por ano, 26% de todos os formandos.
Na China, a crer nas métricas, essa proporção chega a 40%. Em 2006, a taxa por aqui era de apenas 8%. Até o México, país com indicadores sociais semelhantes aos nossos, hoje possui 14% de seus formandos nessa área.

O artigo é longo, quem quiser acessar a íntegra: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/il0606201005.htm

MEU COMENTÁRIO - a reflexão do autor é pertinente. Pensando nos cursos jurídicos, que já são mais de 1100 em todo o país, parece que a expansão do ensino superior realizada nos últimos 15 anos foi feita por um viés equivocado. Provavelmente isto se deve ao fato de esta expansão ter se dado esmagadoramente no ensino superior privado, onde se privilegiou os interesses dos donos das Instituições de ensino (que buscaram o lucro fácil e direto), em detrimento da projeção do projeto de Nação que queremos para o Brasil. Uma alteração desse rumo só pode se dar com ensino público estatal e, em alguma medida, com as instituições comunitárias.

"Caso de amor" desmontou quadrilha do furto ao BC


Da FSP de hoje.

ANDRÉ CARAMANTE
DE SÃO PAULO

Em 2005, três dezenas de pessoas consumaram o maior furto do país com uma estratégia típica de filmes de ação: por um túnel de 89 metros, retiraram R$ 164,8 milhões do cofre do Banco Central de Fortaleza, no Ceará.
Agora, cinco anos depois, começam a surgir detalhes da operação que identificou os chefes da quadrilha.
Entre esses detalhes, o mais inusitado também tem ares cinematográficos. O roteiro, porém, se assemelha mais a um filme romântico.
Com nome fictício de personagem bíblico e jeitão de galã, Nicodemos, agente da Polícia Federal especializado em infiltrações, se aproximou de uma mulher, parente de um dos criminosos, engatou um relacionamento de cerca de seis meses e conseguiu boa parte das pistas que levaram aos chefes do furto.
Com dados preliminares da PF, Nicodemos chegou a Boa Viagem, cidade de 56 mil habitantes a 216 km de Fortaleza, semanas após o furto.
Enquanto parte dos agentes usava a máxima "follow the money" (siga o dinheiro) e percorria o Brasil atrás das notas de R$ 50 levadas do banco, Nicodemos investigava no estilo "love is in the air" (amor está no ar).
Adotando estilo romântico, conquistou o coração de uma moradora, parente de Antônio Jussivan Alves dos Santos, o Alemão, personagem central do furto ao banco, responsável pelo braço nordestino do grupo.
Ao fazer parte do dia a dia da família da namorada cearense, entre festas e tradicionais almoços aos domingos, Nicodemos teve acesso a detalhes sobre o megafurto e alimentou ações policiais.
Nos relatórios de inteligência, por exemplo, há imagens de Antônio Edimar Bezerra circulando por Boa Viagem numa caminhonete.
Bezerra foi preso em 28 de setembro de 2005 numa casa na periferia de Fortaleza. Com ele e outros quatro acusados de participar do crime, foram encontrados enterrados R$ 12,5 milhões do dinheiro levado do BC.
Outros cinco acusados de participação no furto milionário também eram de Boa Viagem e tiveram as vidas investigadas por Nicodemos.

SUMIÇO
O agente infiltrado fazia o tipo discreto, colhia suas informações quase sempre nas rodas de conversas familiares. Mais ouvia do que falava. Posava de tímido, às vezes.
Alguns dos familiares dos ladrões que eram de Boa Viagem sentiam uma pontinha de prazer em comentar o que sabiam sobre o crime e, sem saber, falavam com a polícia.
Quando a PF teve convicção de que sete dos acusados de furtar o banco eram da cidade, Nicodemos, o forasteiro que chegou com a conversa de formar família, sumiu.
Talvez até hoje a mulher abandonada não saiba que, na realidade, viveu um falso caso de amor.
Antônio Jussivan, o parente da mulher que se apaixonou sem saber por um agente federal disfarçado, foi preso em 25 de fevereiro de 2008.

Guerras modernas irracionais


Texto de Luis Carlos Bresser Pereira, hoje na Folha.

QUANDO COMPARADOS com os impérios da Antiguidade, os Estados-nação representam um grande avanço para a humanidade, mas não devemos nos esquecer que nasceram do capitalismo e da guerra.

Os monarcas absolutos dos dois primeiros Estados-nação modernos -o Reino Unido e a França- se aliaram à burguesia nascente e foram financiados por ela com o pagamento de impostos e a oferta de empréstimos para ampliar as fronteiras do país e assim assegurar um mercado interno para a indústria.
Os Estados Unidos fizeram o mesmo no século 19.

Entretanto, depois que a democracia se impôs no mundo rico e depois da irracionalidade das duas grandes guerras (que foram um jogo de soma menor do que zero para os países europeus envolvidos), esses países compreenderam que as guerras haviam se tornado irracionais e construíram a União Europeia.

Entretanto, talvez porque os Estados Unidos se beneficiaram com essas duas guerras, eles continuam a acreditar nelas como forma não mais de expansão de suas fronteiras, mas de sua "influência" e como garantia antecipada de sua ""segurança nacional".
Nesse sentido, no quadro da Guerra Fria, aliaram-se com diversos países. Entre suas alianças, a mais duradoura e a mais perigosa foi a aliança com Israel -um país que continua empenhado em ampliar pela força seu território.
Uma ampliação pequena, mesquinha, mas que estimula o terrorismo e mantém a região em estado de guerra.

Nesta semana, Israel praticou mais uma violência, desta vez contra um comboio de barcos fretados por ativistas em favor da Palestina.
O mundo inteiro condenou o ato, o primeiro-ministro da Turquia -um tradicional aliado de Israel- identificou-o como a ação de um "Estado terrorista".
O Conselho de Segurança da ONU vai novamente ser chamado, mas afinal nada acontecerá, porque os Estados Unidos vetarão qualquer medida contra Israel.
Os Estados Unidos criaram para si próprios uma armadilha no Oriente Médio ao não perceberem que, com o fim da Guerra Fria, deixou de haver razão para uma aliança incondicional com Israel.

É compreensível que defendam Israel contra grupos islâmicos radicais, mas ao verem nessa aliança uma ponta de lança para alcançarem o domínio sobre a região, os Estados Unidos continuam a acreditar que o poder militar e a ameaça de retaliações ainda são a melhor forma de garantir seus interesses em região rica em petróleo.
O Brasil, em conjunto com a Turquia, deu um passo importante no sentido da paz ao promover um acordo que reduziu a probabilidade de se adotarem sanções ao Irã e dificultou a ameaça muitas vezes anunciada de bombardeio das instalações nucleares iranianas, mas, em relação ao problema Israel, não tem meios de intervir.
Como, então, evitar a escalada no Oriente Médio?

A única solução é que os Estados Unidos enfim compreendam que, no mundo moderno, o tempo das guerras iniciadas por grandes países já passou.
E que a democracia lograda livremente por cada país e medidas policiais adotadas em conjunto com eles são a melhor maneira de evitar o terrorismo e alcançar segurança nacional.

sábado, 5 de junho de 2010

Toquinho - Este Seu Olhar

Viúvo de casal gay também tem direito a pensão, diz AGU

Da FSP de hoje.

DE BRASÍLIA - Em parecer divulgado ontem, a AGU (Advocacia-Geral da União) reforçou que companheiros do mesmo sexo que vivam uniões estáveis devem receber benefícios previdenciários -pensão por morte e auxílio-reclusão.
O posicionamento é válido para todos os regidos pelo regime-geral da Previdência, no setor privado, e funcionará como orientação para o INSS.
Pensões por morte vinham sendo dadas a companheiros do mesmo sexo com base em uma liminar de 2000.
Para Ronaldo Vieira Junior, consultor-geral da União, apesar de limitada às ações dos servidores da AGU, a decisão terá grande repercussão. "Estamos dando um passo que o Congresso não deu."
Outra decisões, neste ano, reconheceram direitos demandados pelos homossexuais. Em maio, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) chancelou a adoção de duas crianças por um casal de lésbicas.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

7 capitais já tiveram decisão favorável a gays

Da FSp de hoje.

JOHANNA NUBLAT
LARISSA GUIMARÃES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

As irmãs Valesca, 8, e Vanessa, 6, têm novos pais desde 2009. E, no caso delas, a família é realmente composta por dois pais.
Carlos Alberto Oliveira, 57, e André Luiz de Souza, 36, conseguiram o que ainda é hoje uma proeza no país: adoção conjunta por um casal do mesmo sexo.
Julgamentos favoráveis a esse tipo de adoção são uma realidade em 45% das capitais brasileiras, segundo levantamento da Folha. Em apenas sete delas, porém, a adoção já foi concedida; em outras cinco, os pedidos aguardam decisão final.
A reportagem procurou todas as varas de infância das capitais após a inédita sentença do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que garantiu o direito de um casal de lésbicas de adotar juntas duas crianças.
Apesar de não ser vinculante, a posição do STJ influenciará futuros casos. Na ausência de lei, a decisão fica a critério do juiz.
O fato de haver na capital paulista decisões favoráveis e contrárias à adoção mostra a divergência e a insegurança jurídica que envolvem o tema.
"A lei não prevê taxativamente a adoção por este ou aquele casal", diz Raul José de Felice, juiz em Santana (zona norte) que já concedeu adoção a três casais gays desde 2007.
No fórum da Penha (zona leste), um pedido foi negado com o argumento de que não há previsão legal. "Não fiz nenhuma menção à discriminação pela orientação sexual", diz Paulo Sérgio Puerta dos Santos, à época promotor da infância da vara e hoje diretor-geral do Ministério Público de SP.
O casal de mulheres foi, então, orientado para que a adoção fosse feita oficialmente por uma delas.
No Rio, onde Valesca e Vanessa foram adotadas, há incentivo para que a adoção seja conjunta, diz a juíza Cristiana Cordeiro.

Maioria é contra adoção por casal gay

Da FSP de hoje.

CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO

Quase dois meses após o STJ (Superior Tribunal de Justiça) reconhecer que casais homossexuais têm o direito de adotar, 51% dos brasileiros dizem ser contra essa prática. Outros 39% são favoráveis à adoção por gays.
É o que revela pesquisa Datafolha realizada entre os dias 20 e 21 de maio com 2.660 entrevistados em todo o país. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
As mulheres são mais tolerantes à adoção por homossexuais que os homens: 44% contra 33%. Da mesma forma que os jovens em relação aos mais velhos: na faixa etária entre 16 e 24 anos, a prática é apoiada por 58%, enquanto que entre os que têm 60 anos ou mais, por apenas 19%.
"Já é um grande avanço. Na Idade Média, éramos queimados. Depois, tidos como criminosos e doentes. O fato de quase 40% da população apoiar a adoção gay é uma ótima notícia", diz Toni Reis, presidente da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais).
Ele reconhece, porém, que o preconceito é ainda grande. "Serão necessárias muitas paradas e marchas para convencer a população de que somos cidadãos que merecemos o direito da paternidade e da maternidade."
A taxa de pessoas favoráveis à adoção por homossexuais cresce com a renda (49% entre os que recebem mais de dez salários mínimos contra 35% entre os que ganham até dois mínimos) e a escolaridade (50% entre os com nível superior e 28%, com ensino fundamental).
Para a advogada Maria Berenice Dias, desembargadora do Tribunal de Justiça do RS, a tendência é que a decisão do STJ sirva de jurisprudência em futuras ações e que isso, aos poucos, motive mais pessoas a aprovarem a adoção por homossexuais.
"A maioria da população brasileira ainda é conservadora, mas já foi pior."
Entre as religiões, os católicos são os mais "progressistas": 41% se declaram a favor da adoção por homossexuais e 47%, contrários. Entre os evangélicos pentecostais, a desaprovação alcança o maior índice: 71%, contra somente 22% favoráveis.
O padre Luiz Antônio Bento, assessor da comissão para vida e família da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), afirma que a adoção por homossexuais fere o direito de a criança crescer em um ambiente familiar, formado por pai e mãe, e isso pode trazer "problemas psicológicos à criança".
A psicóloga Ana Bahia Bock, professora da PUC de São Paulo, discorda. "A questão é cultural. Se a criança convive com pessoas que encaram com naturalidade [a sexualidade dos pais], ela atribui um significado positivo à experiência."