São Fco.

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sexta-feira, 30 de abril de 2010

O Brasil repudia, mas não condena

Da FSP, de 30 de abril de 2010

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ao votar pela manutenção da Lei da Anistia, o Supremo Tribunal Federal deu ontem sua contribuição para manter o Brasil na categoria dos países que preferem o caminho da conciliação e quase nunca o do confronto. Prevaleceu o medo atávico de enfrentar as vergonhas do passado.
Essa tem sido uma característica da história brasileira. A ditadura militar por aqui durou 21 anos, de 1964 a 1985. Exceto a de Cuba, foi uma das mais longas da América Latina.
A marca mais curiosa do período autoritário foi a oposição consentida. Os ditadores mantiveram, na maior parte do tempo, o Congresso aberto -manietado e subjugado.
Nunca faltou quem se refestelasse nesse modelo. Em 1973, a oposição consentida montou uma anticandidatura a presidente, com Ulysses Guimarães (1916-1992) à frente. A ideia era chamar a atenção para a fraude da eleição indireta que nomearia o próximo presidente, o general Ernesto Geisel. Na hora de desistir e desmoralizar o processo, Ulysses preferiu se manter na disputa e validou a "eleição" do novo ditador.
Essa predileção pela não agressão na política culminou na transição lenta e gradual maquinada por Golbery do Couto e Silva (1911-1987).
O regime estava falido, mas a ditadura queria um último favor da sociedade brasileira: o perdão para quem havia cometido toda ordem de desmandos. Veio a anistia "ampla, geral e irrestrita", inclusive para os torturadores. Foi aprovada por um Congresso ainda habitado por Arena e MDB.
Ao votarem pela validade da Lei da Anistia, vários ministros do STF ontem diziam que essa foi uma lei "possível" naquela circunstância. Uma pactuação cujo saldo foi a volta à democracia. Ninguém duvide, declarou o presidente da corte, Cezar Peluso, que todos ali têm "profunda aversão" por atos de tortura ou sequestros.
O relator Eros Grau, que puxou a votação, também fez uma ressalva: "É necessário dizer, vigorosa e reiteradamente, que a decisão (...) não exclui o repúdio a todas as modalidades de tortura, de ontem e de hoje, civis ou militares".
Dessa forma, o Brasil se mantém coerente com sua tradição de concertação, avesso ao confronto. Nas palavras da maioria dos ministros do Supremo, aqui os torturadores são repudiados, mas não condenados.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Dois filmes



Tenho ido menos ao cinema do que gostaria. Doutorado toma um tempo danado da gente! Mas fui assistir aos dois filmes brasileiros desta temporada, que têm em comum o fato de serem filmes com temas biográficos: o do presidente Lula e o do médium Chico Xavier. Do filme de Lula se esperava um mega-sucesso, proporcional ao seu carisma e sua aprovação recorde em todo o país. Como bilheteria, este filme decepcionou. Já o outro filme é um sucesso indiscutível, cinemas lotados como eu nunca mais vira.
Gostei dos dois filmes. O filme de Lula conta a sua história, que é uma história fenomenal gostemos ou não de sua figura política: retirante nordestino pobre que chega à presidência da República (e ainda faz um bom governo) é de tirar o fôlego em qualquer lugar do mundo. E o filme é bem feito, equilibrado, revela detalhes de sua vida a que dificilmente teríamos acesso.
O filme de Xavier também recupera sua bonita trajetória e seu maior mérito é conseguir fazer o relato sem se posicionar sobre ser verdade ou não os fenômenos relacionados com sua figura humana. Crentes no espiritismo e céticos saem do cinema tranqüilos, sem terem sido forçados a crer numa ou noutra versão da história do médium de Uberlândia.
Sobre as causas do sucesso de público de um filme e do fracasso do outro podemos apenas especular. Um fator pode estar relacionado ao fato de a aprovação de Lula estar situada principalmente nas classes mais pobres, sem grana para freqüentar salas de cinema. O fato de ele ainda estar no poder pode ter pesado, além do fato de que boa parte de sua vida não é mistério para os brasileiros, acostumados a vê-lo a cada quatro anos nas eleições desde 1989.
Já a história de Chico Xavier é a história de alguém que já se foi, o sentido de sua existência já encontrou as condições temporais necessárias para sua sedimentação, o que não é o caso de Lula. O brasileiro tem forte tendência ao sincretismo e sua figura simpática ligada à caridade e desapego material facilitam o gostar dele.
Não foi ruim o filme de Lula ter decepcionado. Gosto do político Lula, aprovo seu governo de modo geral, mas não gosto do mito que ele pode se tornar (ou está se tornando), pelo simples fato de que não gosto de mitos.

STF rejeita ADPF da OAB contra Lei da Anistia


Do sítio do Supremo


na foto, o relator, ministro Eros Grau.

“Só o homem perdoa, só uma sociedade superior qualificada pela consciência dos mais elevados sentimentos de humanidade é capaz de perdoar. Porque só uma sociedade que, por ter grandeza, é maior do que os seus inimigos é capaz de sobreviver.” A afirmação é do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, último a votar no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153) em que a Corte rejeitou o pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) por uma revisão na Lei da Anistia (Lei nº 6683/79).

A Ordem pretendia que a Suprema Corte anulasse o perdão dado aos representantes do Estado (policiais e militares) acusados de praticar atos de tortura durante o regime militar. O caso foi julgado improcedente por 7 votos a 2.

O voto vencedor foi do ministro Eros Grau, relator do processo. Ontem, ele fez uma minuciosa reconstituição histórica e política das circunstâncias que levaram à edição da Lei da Anistia e ressaltou que não cabe ao Poder Judiciário rever o acordo político que, na transição do regime militar para a democracia, resultou na anistia de todos aqueles que cometeram crimes políticos e conexos a eles no Brasil entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.

Além do ministro Eros Grau, posicionaram-se dessa maneira as ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie, e os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso.

Defenderam uma revisão da lei, alegando que a anistia não teve “caráter amplo, geral e irrestrito”, os ministros Ricardo Lewandowski e Ayres Britto. Para eles, certos crimes são, pela sua natureza, absolutamente incompatíveis com qualquer idéia de criminalidade política pura ou por conexão.

O ministro Dias Toffoli não participou do julgamento porque estava à frente da Advocacia Geral da União à época em que a ação foi ajuizada e chegou a anexar informações ao processo. O ministro Joaquim Barbosa está de licença médica.

Último voto

O último voto proferido foi o do presidente da Corte, ministro Cezar Peluso. Ele iniciou dizendo que nenhum ministro tem dúvida sobre a “profunda aversão por todos os crimes praticados, desde homicídios, sequestros, tortura e outros abusos – não apenas pelos nossos regimes de exceção, mas pelos regimes de exceção de todos os lugares e de todos os tempos”.

Contudo, a ADPF não tratava da reprovação ética dessas práticas, de acordo com Peluso. A ação apenas propunha a avaliação do artigo 1º (parágrafos 1º e 2º) da Lei de Anistia e da sua compatibilidade com a Constituição de 1988. Ele avaliou que a anistia aos crimes políticos é, sim, estendida aos crimes “conexos”, como diz a lei, e esses crimes são de qualquer ordem. Para o presidente da Corte, a Lei de Anistia transcende o campo dos crimes políticos ou praticados por motivação política.

Peluso destacou seis pontos que justificaram o seu voto pela improcedência da ação. O primeiro deles é que a interpretação da anistia é de sentido amplo e de generosidade, e não restrito. Em segundo lugar, ele avaliou que a norma em xeque não ofende o princípio da igualdade porque abrange crimes do regime contra os opositores tanto quanto os cometidos pelos opositores contra o regime.

Em terceiro lugar, Peluso considerou que a ação não trata do chamado “direito à verdade histórica”, porque há como se apurar responsabilidades históricas sem modificar a Lei de Anistia. Ele também, em quarto lugar, frisou que a lei de anistia é fruto de um acordo de quem tinha legitimidade social e política para, naquele momento histórico, celebrá-lo.

Em quinto lugar, ele disse que não se trata de caso de autoanistia, como acusava a OAB, porque a lei é fruto de um acordo feito no âmbito do Legislativo. Finalmente, Peluso classificou a demanda da OAB de imprópria e estéril porque, caso a ADPF fosse julgada procedente, ainda assim não haveria repercussão de ordem prática, já que todas as ações criminais e cíveis estariam prescritas 31 anos depois de sancionada a lei.

Peluso rechaçou a ideia de que a Lei de Anistia tenha obscuridades, como sugere a OAB na ADPF. “O que no fundo motiva essa ação [da OAB] é exatamente a percepção da clareza da lei”. Ele explicou que a prova disso é que a OAB pede exatamente a declaração do Supremo em sentido contrário ao texto da lei, para anular a anistia aos agentes do Estado.

Sobre a OAB, aliás, ele classificou como anacrônica a sua proposição e disse não entender por que a Ordem, 30 anos depois de exercer papel decisivo na aprovação da Lei de Anistia, revê seu próprio juízo e refaz seu pensamento “numa consciência tardia de que essa norma não corresponde à ordem constitucional vigente”.

Ao finalizar, Peluso comentou que “se é verdade que cada povo resolve os seus problemas históricos de acordo com a sua cultura, com os seus sentimentos, com a sua índole e também com a sua história, o Brasil fez uma opção pelo caminho da concórdia”.

O presidente do Supremo declarou, ainda, que “uma sociedade que queira lutar contra os seus inimigos com as mesmas armas, com os mesmos instrumentos, com os mesmos sentimentos está condenada a um fracasso histórico”.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Poema de Mario Benedetti citado no voto de Eros Grau

Hombre preso que mira a su hijo

Cuando era como vos me enseñaron los viejos
y también las maestras bondadosas y miopes
que libertad o muerte era una redundancia
a quien se le ocurriria en un país
donde los presidentes andaban sin capangas.

Que la patria o la tumba era otro pleonasmo
ya que la patria funcionaba bien
en las canchas y en los pastoreos.

Realmente no sabian un corno
pobrecitos creian que libertad
era tan solo una palabra aguda
que muerte era tan solo grave o llana
y carceles por suerte una palabra esdrújula.

Olvidaban poner el acento en el hombre.

La culpa no era exáctamente de ellos
sino de otros mas duros y siniestros
y estos si
como nos ensartaron
en la limpia república verbal
como idealizaron
la vidurria de vacas y estancieros
y como nos vendieron un ejército
que tomaba su mate en los cuarteles.

Uno no siempre hace lo que quiere
uno no siempre puede
por eso estoy aqui
mirándote y echándote
de menos.

Por eso es que no puedo despeinarte el jopo
ni ayudarte con la tabla del nueve
ni acribillarte a pelotazos.

Vos ya sabes que tuve que elegir otros juegos
y que los juegue en serio.

Y jugue por ejemplo a los ladrones
y los ladrones eran policias.

Y jugue por ejemplo a la escondida
y si te descubrian te mataban
y jugue a la mancha
y era de sangre.

Botija aunque tengas pocos años
creo que hay que decirte la verdad
para que no la olvides.

Por eso no te oculto que me dieron picana
que casi me revientan los rinones
todas estas llagas hinchazones y heridas
que tus ojos redondos
miran hipnotizados
son durisimos golpes
son botas en la cara
demasiado dolor para que te lo oculte
demasiado suplicio para que se me borre.

Pero también es bueno que conozcas
que tu viejo callo
o puteo como un loco
que es una linda forma de callar.

Que tu viejo olvido todos los números
(por eso no podria ayudarte en las tablas)
y por lo tanto todos los teléfonos.

Y las calles y el color de los ojos
y los cabellos y las cicatrices
y en que esquina
en que bar
que parada
que casa.

Y acordarse de vos
de tu carita
lo ayudaba a callar.

Una cosa es morirse de dolor
y otra cosa es morirse de verguenza.

Por eso ahora
me podes preguntar
y sobre todo
puedo yo responder.

Uno no siempre hace lo que quiere
pero tiene el derecho de no hacer
lo que no quiere.

Llora nomas botija
son macanas
que los hombres no lloran
aqui lloramos todos.

Gritamos berreamos moqueamos chillamos
maldecimos
porque es mejor llorar que traicionar
porque es mejor llorar que traicionarse.

Llora
pero no olvides.

Do Conversa afiada

O Supremo Tribunal Federal decide hoje se quem tem razão é Fabio Comparato, que quer punir os torturadores do regime militar, ou se os torturadores.



A propósito, sugiro a leitura da notável coleção de ensaios reunidos por Edson Teles e Vladimir Safatle em “O que resta da ditadura”, coleção Estado de Sítio, da Boitempo Editorial.

Aos ministros do Supremo, nesse encontro com a História, recomendo especialmente o ensaio de Safatle, “Do uso da violência contra o estado ilegal”.

Aí, lê-se:

(Antígona é) “ … uma das belas reflexões a respeito dos limites do poder. Ela é o verdadeiro núcleo do que podemos encontrar nesta tragédia que não cessa de nos assombrar.”

“ … o Estado deixa de ter qualquer legitimidade quando mata pela segunda vez aqueles que foram mortos fisicamente, o que fica claro na imposição do interdito legal de todo e qualquer cidadão enterrar Polinices, de todo e qualquer cidadão reconhecê-lo como sujeito autor de seus crimes. Pois não enterrá-lo só pode significar não acolher sua memória através dos rituais fúnebres, anular os traços de sua existência, retirar o seu nome. Uma sociedade que transforma tal anulação em política de Estado, como dizia Sófocles, prepara sua própria ruína, elimina sua substância moral. Não tem mais o direito de existir enquanto Estado. E é isto que acontece a Tebas: ela sela o seu fim no momento em que não reconhece mais os corpos dos ‘inimigos do Estado’ como corpos a serem velados”.

Ou como diziam os carrascos de Auschwitz, que Safatle cita: “Ninguém acreditará que fizemos o que estamos fazendo. Não haverá traços nem memória.”

O Conversa Afiada oferece essa reflexão de Safatle a todos os brasileiros de Tebas que se comoveram com o destino de Eduardo, o motoboy assassinado por um sargento e oito soldados, dentro do 9º. Batalhão da Polícia Militar de São Paulo, na Casa Verde.

Eduardo é uma vítima de Creonte.

STJ nega pedido de indenização a família por morte de fumante

Da FSP de 28 de abril de 2010.

A 4ª Turma do Superior Tribunal Justiça acatou, por unanimidade, os argumentos da fabricante de cigarros Souza Cruz e reverteu uma decisão da Justiça do Rio Grande do Sul que havia determinado uma indenização aos familiares de um homem morto por consequência de câncer e enfisema pulmonar.
A decisão confirma a jurisprudência do tribunal. Segundo o relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, não é possível afirmar que o cigarro foi a causa "necessária" da doença do envolvido. Segundo ele, por mais que as estatísticas apontem elevada associação entre cigarro e câncer de pulmão, isso não pode ser prova para gerar o "dever de indenizar".
Trata-se de um homem que nasceu em 1940 e começou a fumar ainda na adolescência. Em 1998, ele foi diagnosticado com câncer e enfisema. Morreu em 2001, aos 61 anos. Quatro anos depois, a família entrou com uma ação por danos morais contra a Souza Cruz.

No STJ, leia: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=96944

STJ garante direito de adoção

Da FSP de 28 de abril de 2010

FELIPE SELIGMAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu ontem, por unanimidade, que casais gays têm o direito de adotar filhos. Apesar de o julgamento ter tratado de um caso específico, ele deve influenciar futuras decisões sobre o tema, segundo o presidente da Turma, João Otávio de Noronha.
É a primeira vez que um tribunal superior reconhece o direito. "Precisamos afirmar que essa decisão é orientação para que (...) sempre seja atendido o interesse do menor, que é o de ser adotado", atestou o ministro João Otávio de Noronha.
A Turma analisou ontem o pedido de duas mulheres de Bagé (RS), juntas desde 1998.
A psicóloga Luciana Reis Maidana e a fisioterapeuta Lídia Guteres, sua companheira, já haviam obtido no Tribunal de Justiça gaúcho o reconhecimento da adoção de duas crianças, mas o ganho foi contestado pelo Ministério Público.
Ontem, elas comemoraram a confirmação do STJ. "O fato deles agora terem duas mães, de fato, é especial. Isso nos fortalece", disse Luciana, em entrevista ao "Jornal Nacional", da Rede Globo. "Vai ficar mais fácil para os outros casais protegerem seus filhos de forma conjunta, não só com um representante do casal, mas com as duas, ou os dois", disse Lídia.
Trata-se de um caso incomum. As duas crianças foram adotadas ainda bebês por uma das mulheres do casal, que conseguiu realizar a adoção mesmo sendo solteira. À Justiça gaúcha, elas pediram anos depois que a adoção passasse a valer para o casal e não apenas para uma delas.
A intenção era dar às crianças benefícios como plano de saúde e futura pensão.

Resistência
O Ministério Público gaúcho argumentava, porém, que o reconhecimento do direito é ilegal. Para os promotores, a união homossexual é só sociedade de fato e não de direito.
"Esse julgamento é histórico para dar dignidade ao ser humano", afirmou o relator, ministro Luís Felipe Salomão, que citou laudo de assistência social recomendando a adoção, além de parecer favorável do Ministério Público Federal.
O mesmo caso será analisado pelo Supremo Tribunal Federal, ainda sem data para ocorrer. Na ocasião em que entrou com o recurso especial no STJ, o Ministério Público também recorreu ao Supremo, alegando que a concessão desse direito fere a Constituição que, segundo o órgão, apenas reconhece a união entre homem e mulher.
"São vários os beneficiados com essa decisão inédita. Adoção por casais homossexuais é um tema relativamente novo e essa determinação é mais uma inovação no Direito de Família brasileiro", disse, via assessoria, a advogada Sylvia Maria Mendonça do Amaral, especializada em Direito Homoafetivo.

terça-feira, 27 de abril de 2010

As duas caixas - Rubem Alves

FSP de 27 de abril de 2010

FERNANDO Pessoa escrevia, lia o que escrevera e se assombrava. "Por que escrevi isto? Onde fui buscar isto? Isto é melhor do que eu..."
Coisa parecida acontece comigo. Alguém me mostra um texto e diz que fui eu quem o escreveu. Leio-o, mas não o reconheço. É como se tivesse sido escrito por uma outra pessoa. Mas, à medida em que vou lendo, vou ficando alegre. É um texto bom, melhor do que eu! Faço então as mesmas perguntas que fazia Fernando Pessoa ao ler o texto que acabara de escrever.
Sinto, então, vontade de publicar aquele texto de novo. Se ele surpreendeu a mim, é de se esperar que o mesmo aconteça com os leitores. E por que não?
Sei que Freud achava que a compulsão à repetição é um sintoma neurótico. Mas essa não é toda a verdade. Digo que o desejo da repetição pode ser a reação da alma diante da beleza. Quero ouvir de novo a "Valsinha", quero ver de novo as telas de Carl Larsson, quero comer de novo um frango com quiabo mineiro, quero ver de novo os ipês floridos...
Eu gostaria de publicar inteiros dois artigos que escrevi faz muito tempo. Eu os reli e gostei. Para que meus leitores saibam o que penso da educação. Como não posso publicá-los inteiros, vou publicar o essencial. E foi isso que escrevi:
"Explicações conceituais são difíceis de se aprender e fáceis de se esquecer. Por isso, caminho sempre pelo caminho dos poetas, que é o caminho das imagens. Em vez de explicar por meio de conceitos abstratos, vou mostrar o que digo por meio de imagens. Quem aprender as imagens terá aprendido o essencial da minha filosofia de educação."
"O corpo carrega duas caixas. Na mão direita, mão da destreza e do poder, ele leva uma caixa de ferramentas. E na mão esquerda, mão do coração e do prazer, ele leva uma caixa de brinquedos."
"Os animais não precisam de ferramentas. Seus corpos são as ferramentas de que necessitam para viver. Diferentes dos animais, nossos corpos são fracos e incompetentes. Se fôssemos depender deles para sobreviver, como os animais, há muito teríamos desaparecido da Terra. A fraqueza e a incompetência obrigaram o corpo a pensar e a criar. E foi assim que inventamos porretes, pilões, facas, flechas, redes, barcos, casas, como extensões do corpo."
"A primeira tarefa de cada geração, dos pais e das escolas, é passar aos filhos, como herança, a caixa de ferramentas. Para que eles sobrevivam e não tenham de começar da estaca zero."
"Diante da caixa de ferramentas, a primeira pergunta que um professor tem de fazer é: "Isso que estou ensinando é ferramenta para quê? De que forma esse conhecimento aumenta a competência dos meus alunos para viver a sua vida?"
Mas há uma outra caixa, na mão esquerda, a mão do coração e do prazer. Essa caixa está cheia de coisas inúteis que não servem para nada. Lá estão um livro de poemas da Cecília Meireles, a estória de "Alice no País das Maravilhas", um pé de jasmim, um quadro do Monet, uma sonata de Mozart, um banho de cachoeira, um beijo... Coisas inúteis. E, no entanto, elas são parte da vida e nos fazem sorrir. E não é para isso que se educa? Para que saibamos, além de viver, sorrir e ter prazer?
Resumo da minha filosofia de educação:
Primeiro, aprender ferramentas, para ter poder.
Segundo: aprender os brinquedos, para ter prazer...

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Sade de batina?

Na FSP de hoje

PEDOFILIA ESTÁ na moda. Os "odiadores" da Igreja Católica estão em êxtase. Sempre digo que o único preconceito considerado "científico" nos jantares inteligentes é o preconceito contra a Igreja Católica.
Em jantares assim, você conta como seu pastor alemão é gostoso, como você despreza o conservadorismo dos heterossexuais, como sua alimentação é balanceada e..., é claro, como despreza a Igreja Católica, que, segundo você, é responsável pelo mercado negro de escravos sexuais (não de "escravas", é claro!), de armas e de órgãos. Reconhece-se um "odiador" da igreja pela baba que escorre pelo canto da boca cada vez que tem a chance de cuspir nela.
Nem adianta me acusar de católico reacionário porque nem católico sou. Lamento desmantelar a visão de mundo dos superficiais. Sou defensor de Bento 16? Sim, porque ele é um grande intelectual que faz diagnósticos corajosos sobre alguns males modernos. E também por outro motivo (este é segredo!): porque todo mundo parece concordar que ele não é legal.
O historiador judeu Johan Huizinga, no seu excelente "The Waning of the Middles Ages" (outono da Idade Média), narra de forma impressionante os processos de condenação e execução de hereges no final da Idade Média. Tais eventos eram um "programa de domingo" para o povo, como sempre, ansioso por manifestar seu ódio por alguém que não pode se defender. Levavam suas crianças e juntos faziam piquenique e cuspiam nos hereges.
É claro que muita gente acha chique ter sido queimada na Idade Média. Aliás, o número de gente que faz "regressão de vidas passadas" e descobre que foi queimada na Idade Média faz da Inquisição a instituição mais produtiva da história.
Segundo Huizinga, o povo cuspia nos hereges, xingava os hereges, jogava tomate neles e tinha absoluta certeza de que eles faziam sexo com o demônio e com as criancinhas.
Mas o que essa gente chique-cabeça não sabe é que o herege era uma figura mais próxima da imagem que temos hoje desses padres tarados do que figuras por quem sentiríamos alguma misericórdia.
Vejam: quando se trata de ódio de massa, pouco importa quem é inocente ou não, contanto que possamos cuspir na cara do acusado. Num caso como esse, basta a suspeita e o acusado já é culpado.
Quando leio as manifestações iradas dessa gente em êxtase porque existem padres que gostam de transar com meninos, sempre imagino como essa gente gostaria de poder gritar em praça pública: "Joga pedra na Geni!". Sempre suspeito que o que move a "indignação pública" é mais a chance de odiar (no caso, os padres tarados) do que de amar (no caso, a justiça) porque ninguém ama tão rápido assim, mas odeia na velocidade da luz. Acho inclusive que, no fundo, rezam (ironia...) para que o número de vítimas dos padres tarados aumente a cada dia. Dessa forma seu preconceito "científico" contra a Igreja Católica estará supostamente comprovado.
Sem dúvida é hora de a Igreja Católica cuidar disso. E ela o fará, porque se trata de uma grande instituição com uma história enorme de prestação de serviço à humanidade, apesar de seus erros evidentes -afinal, é humana como todos nós. Sabemos que, hoje em dia, muita gente entra na igreja sem uma seleção cuidadosa, inclusive porque ser padre ou freira hoje não é "um bom negócio" como já foi no passado.
O problema de como lidar com a pedofilia na Igreja Católica é mais um exemplo na longa lista de dificuldades que a igreja (uma instituição antiga e medieval) tem com o Estado laico moderno.
O regime moral de penitência e busca de arrependimento que organiza a relação entre crime e castigo na Igreja Católica é nulo para a justiça do Estado moderno, que é cego à lógica do arrependimento.
Por isso, a necessidade de que esses padres sejam trazidos ao tribunal do Estado, como criminosos. Claro que a possibilidade de ganhar grana pode ajudar no acúmulo das denúncias. Tudo tem seu preço, ao contrário do que os hipócritas gostam de afirmar nos púlpitos. Mas, confesso, fico com uma curiosidade. O que diriam os apaixonados leitores de Sade ou Foucault sobre esses pedófilos (padres ou não, apesar de ser mais "gostoso" xingar os padres)? Seria a pedofilia uma forma de transgressão legítima contra as normas de opressão social sobre os corpos? Humm... Por que se calam nessa hora? Por que Sade e Foucault não poderiam fazer sexo revolucionário de batina?

Meu comentário - fiquei preocupado com as cenas da "audiência pública" organizada pelo Magno Malta, onde o padre de Arapiraca saiu preso. A exibição pública do "DVD do padre" foi desnecessária, de mau gosto e com este viés linchatório. Fiquemos atentos.

Deputado do RS faz curso para conquistar eleitores com força do pensamento

Da FSP de hoje

ANDREZA MATAIS
SIMONE IGLESIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Qualidade geralmente associada a entes divinos, a onipresença agora virou atrativo para candidatos atrás de novas formas para conquistar o eleitorado. Ou pelo menos acreditam nisso.
É o caso do presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, Giovani Cherini (PDT), que passou uma semana tentando aperfeiçoar-se na técnica, fazendo um curso midiaticamente chamado de "Avatar" -referência ao blockbuster de James Cameron.
"A gente desenvolve [uma técnica] para poder falar com as pessoas onde a gente não estiver", explica ele, que é candidato à reeleição.
Segundo Cherini, a "transmutação de consciência" é "a coisa mais simples do mundo". "No futuro nós vamos falar entre as pessoas sem aparelho celular. Alguém já não te telefonou depois de você pensar nessa pessoa?"
Cherini cita, sem detalhar, supostos estudos científicos que teriam comprovado que as pessoas têm capacidade de antena "20 mil vezes maior do que a do rádio e a da TV". É o que lhe dá a certeza de que é possível conquistar votos com concentração. "Sou fruto disso, desde 1993 não perco uma eleição nem gasto muito dinheiro em minhas campanhas." Na última, conforme o TSE, foram R$ 152 mil.
Ele relatou à Folha que numa das campanhas sua propaganda tinha duas lâmpadas desenhadas: uma apagada e outra, de cor amarela, acesa. "Aí eu mentalizei durante a madrugada da eleição que as pessoas precisavam me colocar dentro da lâmpada acesa. Eu sempre medito na madrugada da eleição a partir das 4h. Muitas pessoas me ligaram depois para dizer que iriam votar em outro candidato e decidiram na última hora votar em mim."
O deputado leva tão a sério a técnica que, durante a conversa com a Folha, a ligação caiu várias vezes, porque ele estava numa estrada. Quando a Folha ligou de volta, ele disse que continuou a entrevista. "O senhor não percebeu que a ligação caiu?", perguntou a reportagem. "Sim, continuei falando em pensamento com você", respondeu.
Enquanto estava no curso, o deputado "tuitou" algumas de suas impressões. "Todo político deveria estar aqui fazendo o "Avatar'". Um dos grandes trabalhos é sobre a honestidade. O compromisso de nunca ser corrupto." Ou: "O meu trabalho é de construção de uma sociedade planetária iluminada, será possível? É só caminharmos para a responsabilidade pessoal".

Meu comentário - Se macumba fizesse efeito, campeonato baiano terminava empatado. Se concentração ganhasse jogo o time da penitenciária...

sábado, 24 de abril de 2010

Posse do novo presidente do STF



As fotos acima são do pré-candidato à presidência da República nas eleições deste ano, José Serra, durante a cerimônia de posse do novo presidente do STF, Cesar Peluso. A posse foi transmitida ao vivo pela TV Justiça e foi caracterizada por discursos monótonos e intermináveis (com exceção do discurso do procurador geral da República).
Em um dos discursos, para se ter uma ideia, o orador, amigo de Peluso, citou um longo trecho de discurso do empossando feito em 1984, feito como oração fúnebre de um desembargador que fora cassado pela ditadura 20 anos antes.

Mas, o importante é que começa uma nova gestão no poder judiciário brasileiro. Gilmar Mendes é passado e com ele o Brasil espera que fique no passado suas posturas que tantas vezes se mostraram equivocadas. O novo presidente é magistrado de carreira e dele se espera uma condução discreta, como convém a um juiz de direito.

A lei das lavas - Walter Ceneviva

Da FSP de 24 de abril

A ISLÂNDIA e um de seus vulcões têm agitado povos e continentes. Sustaram algo como 17 mil voos, retardando viagens de 1 milhão de passageiros. Criaram uma situação impensável há 70 anos, quando a Segunda Guerra Mundial mal e mal esquentava. O fato histórico explica a perplexidade dos que buscaram destinos longínquos pelo ar, sem sucesso. Há 70 anos predominavam milênios de transporte marítimo. No Brasil, ainda se pegava um Ita no norte. Portanto, perplexidade natural vinda de um país-ilha pouco maior em tamanho que Santa Catarina e com um vigésimo da população.
As lavas do vulcão e os detritos na atmosfera, com seus ventos, congestionaram aeroportos. O número de aeronaves é finito, mas retidas no solo só não perturbaram voos domésticos ao sul do Equador. Mas o que isso tem a ver com o direito? Para pergunta tão natural, a resposta parecerá exagerada: lavas e cinzas têm tudo a ver com o direito, sob muitos aspectos. É só pensar no prejuízo sofrido por passageiros, empresas, aeroportos e por toda a gama de serviços auxiliares. São bilhões, em qualquer moeda que se escolha.
A questão básica consistirá em saber quem pagará o prejuízo, mesmo que se cogite apenas de valores materiais. A resposta para tanta angústia vem em uma só palavra: ninguém. Claro que a resposta genérica é incompleta. Há seguros que se responsabilizam mesmo por motivos de força maior. Valores desembolsados por serviços não prestados devem ser devolvidos ou substituídos por serviços iguais. A causa dos danos é de força maior, conceito estritamente jurídico, do fato imprevisível, para o qual aquele que seria o devedor não deu origem.
No direito internacional, os fatos danosos oriundos da natureza não são indenizáveis. No Brasil, a regra geral exclui a responsabilidade do devedor de uma obrigação nascida de danos ou prejuízos resultantes de caso fortuito ou de força maior. Esses dois tipos descrevem situações do direito das obrigações, nas quais há fato necessário e cujos efeitos não era possível evitar ou prevenir. É o que está escrito, quase nas mesmas palavras, no artigo 393 do Código Civil de 2002 e citado mais de uma vez nesta coluna.
Pensando nas companhias aéreas, é evidente que os detritos lançados na atmosfera não são previsíveis ou evitáveis. Ampliando a cogitação, para saber se o governo da Islândia seria responsabilizável, a resposta negativa subsiste. Nem sempre, porém. Quando for evidente que o poder público deveria prever que certas ações ou omissões poderiam dar causa a danos, passa a responder pela inércia.
No Brasil, lembramos as grandes chuvas dos últimos meses. Se demonstrado em juízo que a inundação de certa via pública foi agravada pelo cuidado omitido ou insuficiente do município, do Estado ou da União, a responsabilidade pode ser cobrada. Verdade é que o Poder Executivo no Brasil não dá maior atenção para essa responsabilidade, pois são poucos os que a cobram e, quando cobram, o Poder Executivo faz de tudo para retardar o pagamento, mesmo quando confessou o débito.
Furacões, terremotos, tempestades de neve, trombas-d'água e explosões vulcânicas são fatos da natureza. Ela tem suas leis. Quando acorda, o efeito é doloroso, mas não indenizável. A lei das lavas é impiedosa.

Doença genética impede portador de se tornar racista

Da FSP de 24 de abril de 2010

RICARDO MIOTO
ENVIADO ESPECIAL A VALINHOS (SP)

Elas simplesmente não conseguem ser racistas. São as crianças com síndrome de Williams, um transtorno genético que as deixa altamente sociáveis e alegres. "Eles acham que todas as pessoas do mundo são suas amigas", diz a neurocientista portuguesa Andreia Santos, da Universidade de Heidelberg, na Alemanha.
Esse comportamento a fez levantar a hipótese que ela demonstra agora em um novo estudo. A ausência de medo de estranhos, pensou, poderia fazer com que essas crianças fossem incapazes de tratar certos grupos raciais com características negativas estereotipadas. Depois, pôs a ideia sob teste.
Para tal, ela e seus colegas selecionaram 20 portadores da síndrome de Williams entre 5 e 16 anos e outros 20 saudáveis. Todas as crianças eram brancas e foram estimuladas a associar ideias positivas (como inteligente ou bonito) e negativas (feio ou estúpido) a imagens de pessoas de pele clara ou escura.
As crianças "normais" seguidamente associavam os bons adjetivos a pessoas brancas como elas. Para as crianças com Williams, por outro lado, a cor da pele simplesmente não fazia diferença. Elas distribuíam os adjetivos aleatoriamente, ainda que fossem todas brancas.
Segundo Santos, que publicou estudo sobre a descoberta na revista "Current Biology", provavelmente as conclusões valem também para os adultos portadores da síndrome. O que parece estar acontecendo, dizem os pesquisadores, é que quem tem o problema não possui o chamado medo social, comum entre seres humanos.
O medo social é o que ajuda a distinguir entre membros do próprio grupo e membros de um grupo estranho. Suspeita-se que essa divisão entre "nós" e "os outros" seja uma das bases psicológicas profundas dos comportamentos racistas.
Isso não significa, diz Santos, que o racismo tenha necessariamente origens genéticas e que a síndrome as apague.
"Alterações genéticas podem fazer alguém nascer sem as mãos e por isso ser incapaz de tocar piano. Mas não podemos inferir que exista uma base genética para tocar piano nesse caso", diz Alysson Muotri, biólogo brasileiro que trabalha com síndrome de Williams na Universidade da Califórnia em San Diego. "O trabalho precisa ser replicado em grupos maiores e com outras faixas etárias."

Punhado de genes
A síndrome de Williams chama a atenção por dois motivos.
O primeiro se refere ao carisma das crianças portadoras, como a menina Haila Inácio, 6, de Valinhos, no interior de São Paulo.
O outro é científico: surpreende como alterações em uns poucos genes conseguem mudar radicalmente a maneira como as pessoas se socializam. Isso porque a síndrome nada mais é do que a consequência da ausência de menos de 30 genes no cromossomo 7.
O impacto dessa ausência não se resume à amabilidade. Essas crianças costumam ter dificuldade para fazer cálculos e se orientam mal no espaço. São vulneráveis a problemas cardíacos e têm dificuldade para controlar a bexiga. Ainda assim, muitas vezes os pais demoram para obter o diagnóstico correto da síndrome.
"As mães percebem que elas têm algo diferente, mas pode demorar até que isso chame a atenção do médico. Elas têm uma face bem típica, mas às vezes passa sem diagnóstico. É uma síndrome rara", diz a médica Chong Kim, do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas. Acredita-se de, em cada 20 mil crianças nascidas, pelo menos uma têm Williams. Em comparação, a síndrome de Down ocorre em um a cada cerca de mil nascimentos.

Demorou, mas a Igreja se mexeu

Da FSP de 24 de abril

Bispo belga renuncia após admitir abusos contra um garoto

Vangheluwe é 1º a deixar posto por pedofilia em crise recente; anteontem, irlandês deixou cargo por omissão

DA REDAÇÃO

O bispo há mais tempo em atividade na Bélgica renunciou ontem ao posto depois de reconhecer ter abusado sexualmente de um garoto.
Anteontem, o Vaticano já anunciara que o papa Bento 16 aceitou pedido de renúncia de um bispo irlandês que admitiu não ter agido para punir envolvidos em pedofilia.
As renúncias são os mais recentes desdobramentos da onda de acusações de abuso sexual por sacerdotes e acobertamento pela hierarquia católica que têm vindo à tona em meses recentes. Os escândalos desataram a pior crise do pontificado de Bento 16 -que na última segunda completou cinco anos.
O bispo belga Roger Vangheluwe, 73, baseado em Bruges, é porém o primeiro a deixar o seu posto por prática de abusos sexuais. Até então, apenas bispos acusados de acobertamento de padres pedófilos tinham saído.
"Quando eu era apenas um padre e por certo período depois de iniciar meu episcopado [em 1984], abusei sexualmente de um menor do meu entorno", disse Vangheluwe em comunicado depois de ter a sua renúncia formalizada -o que requer palavra final do sumo pontífice.
"A vítima ainda está marcada pelo que aconteceu. Durante essas décadas, repetidamente reconheci minha culpa a ela e à sua família e pedi perdão. Mas isso não trouxe paz a ela e nem a mim", completou ele, que iria se aposentar no ano que vem.
Já o irlandês, o ex-bispo auxiliar de Dublin James Moriarty, 73, foi o terceiro do seu país a ter a renúncia -pedida em dezembro- aceita pelo Vaticano, após uma investigação revelar no ano passado que até 15 mil crianças e adolescentes foram vítimas de abuso na Irlanda durante seis décadas.
Dois outros bispos pediram renúncia. Eles ainda esperam a decisão do papa.
Moriarty, que ocupou o posto entre 1991 e 2002, disse que "deveria ter desafiado a cultura [de impunidade de padres] prevalecente" e pediu perdão "aos sobreviventes e suas famílias".
Nessa semana, Bento 16 havia prometido "ação" contra os envolvidos em casos de abuso.

Alemanha
Na última quarta-feira, o bispo de Augsburg (na Baviera, Alemanha), Walter Mixa, também pediu sua renúncia em carta ao papa.
O pedido sucede admissão de ter batido em crianças nas décadas de 70 e 80, além de ser acusado de irregularidade financeira -não há contra Mixa acusação de abuso sexual.
Ontem, Berlim disse que pretende criar um plano para compensar vítimas de abuso sexual e prevenir ocorrências futuras.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Justiça argentina condena ex-ditador


Da FSP de 21 de abril

Reynaldo Bignone, 82, recebe sentença de 25 anos de prisão por crimes contra a humanidade cometidos em centro de tortura clandestino

Tribunal determina ainda que militar não pode cumprir a pena em prisão domiciliar; revogação de leis de anistia possibilitou o julgamento

SILVANA ARANTES
DE BUENOS AIRES

Reynaldo Bignone, último general a presidir a Argentina durante a mais recente ditadura militar do país (1976-1983), foi condenado ontem a 25 anos de prisão, por crimes contra a humanidade cometidos no Campo de Maio, centro clandestino de tortura do regime.
O tribunal federal que julgou Bignone, 82, determinou que ele cumpra a pena em prisão comum, revogando a prisão domiciliar à qual estava submetido por outros crimes pelos quais já havia sido condenado.
A decisão foi saudada pelo secretário de Direitos Humanos do governo Cristina Kirchner, Eduardo Luis Duhalde, como "exemplar" e demonstrativa de "um novo avanço na luta contra a impunidade".
A punição dos responsáveis por violações de direitos humanos durante a ditadura é uma bandeira do casal Kirchner -no governo de Néstor, antecessor de Cristina, foram revogadas as leis de anistia promulgadas durante a gestão de Raúl Alfonsín, primeiro presidente eleito após a ditadura. Desde a revogação, em 2005, já foram reabertos mais de mil processos contra repressores.
A leitura da sentença contra Bignone, transmitida ao vivo por rádios e TVs, foi acompanhada por diversos representantes de associações que reivindicam a punição dos responsáveis pelos crimes da ditadura, como as Avós da Praça de Maio, que festejaram a decisão.
Em seu depoimento, Bignone classificou o período da ditadura como uma "guerra irregular" na qual as Forças Armadas "tiveram que intervir, para derrotar o terrorismo".
Ele denominou como "legítimas" as ordens de repressão que deu durante o período, negando tratar-se de crimes.
O ex-ditador questionou as cifras que apontam 30 mil civis argentinos desaparecidos pelo regime militar e 500 bebês de militantes políticos nascidos sob a guarda do Estado e apropriados ilegalmente pelas Forças Armadas.
Bignone afirmou que "nunca se demonstrou [ter havido] mais de 8.000 desaparecidos" pelo regime e disse que a apropriação de bebês "não chegou a 30, nenhuma delas cometida por contingente militar".
Diversas vezes vaiado pela plateia, o ex-ditador rechaçou o tratamento de genocida. "Rotulam-nos de repressores e genocidas. Em princípio, o termo repressão não é uma desqualificação. A autoridade tem o dever de reprimir delitos de qualquer natureza. [O termo] genocida não resiste à menor análise, porque o que houve em nosso país não se enquadra minimamente na definição internacional de delito de genocídio. Somente porta-vozes do ódio podem defender isso", afirmou.
Além de Bignone, também receberam a pena de 25 anos de prisão, por crimes cometidos entre 1976 e 1978 no Campo de Maio, os militares Santiago Riveros e Fernando Verplaetsen. O processo condenou ainda os repressores Carlos Alberto Tepedino (a 20 anos de detenção), Jorge García (18 anos) e Eugenio Guañabens (17 anos).

Meu comentário - enquanto isso, no Brasil, líderes militares da ditadura ainda tripudiam sobre a memória de vítimas do regime, como fez o Gal Leonidas sobre Vladimir Herzog em sua entrevista na GloboNews.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Juíza do PA que manteve menina presa em cela masculina é aposentada pelo CNJ

Do sitio do CNJ

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu, nesta terça-feira (20/4), aposentar compulsoriamente a juíza Clarice Maria de Andrade, que manteve por 26 dias uma adolescente presa em cela masculina com cerca de 30 homens, na delegacia de polícia de Abaetetuba/PA. Os conselheiros do CNJ acataram por unanimidade o voto do conselheiro Felipe Locke Cavancanti que é relator do Processo Administrativo Disciplinar (200910000007880) contra a juíza. "Este é um caso doloroso e emblemático, que chama atenção para a responsabilidade dos juízes sobre o que ocorre no sistema prisional", enfatizou o presidente do CNJ, ministro Gilmar Mendes, que acompanhou o voto do relator.

A magistrada foi condenada por ter se omitido em relação à prisão da menor, que sofreu torturas e abusos sexuais no período em que ficou encarcerada irregularmente. A menina foi presa em 2007 por tentativa de furto, crime classificado como afiançável. Segundo Felipe Locke Cavalcanti, a juíza conhecia a situação do cárcere, já que havia visitado o local três dias antes, verificando a inexistência de separação entre homens e mulheres assim como as péssimas condições de higiene. "Ela não tomou nenhuma providência mesmo conhecendo a situação do cárcere", observou o relator. Também pesou contra a juíza, as provas de que ela teria adulterado um ofício encaminhado à Corregedoria-Geral do Estado, que pedia a transferência da adolescente, após ter sido oficiada pela delegacia de polícia sobre o risco que a menor corria. "Ela retroagiu a data do ofício para tentar encobrir sua omissão", completou o relator.

Segundo Locke Cavalcanti, os dois fatos são gravíssimos e comprometem a permanência da juíza na magistratura. Por isso decidiu pela aposentadoria compulsória, que é a pena máxima no âmbito administrativo, além de encaminhar cópia dos autos ao Ministério Público do Pará para que seja verificada a possibilidade de proposição de uma ação civil pública. Caso seja ajuizada a ação civil pública, a magistrada poderá perder o cargo ou ter sua aposentadoria cassada. O conselheiro acrescentou ainda que o caso deixa mais evidente a necessidade da presença constante do Poder Judiciário no acompanhamento da execução penal.

Durante a sessão, o ministro Gilmar Mendes chamou à atenção de todos os atores envolvidos com o sistema prisional, a exemplo de magistrados, procuradores, defensores públicos e a administração, para as falhas atualmente verificadas no âmbito da execução penal. "Todos precisam contribuir para que o sistema funcione de fato", enfatizou. O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, disse que não apenas o Judiciário, mas o sistema como um todo, não funcionou no episódio ocorrido em Abaetetuba. Segundo ele, o caso reacende a discussão em torno da falta de dignidade do sistema carcerário brasileiro. "Precisamos de um olhar novo para enfrentar essa questão e acabar com as injustiças que vêm sendo cometidas", concluiu.

Gilmar Mendes passa por saia justa em sabatina transmitida pela internet


Da FSP de 20 de abril

BERNARDO MELLO FRANCO
DA REPORTAGEM LOCAL

Às vésperas de deixar a presidência do STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Gilmar Mendes passou por uma "toga justa" transmitida ao vivo pela internet. Na última sexta-feira, ele participou de sabatina promovida pelo YouTube, o portal de vídeos mais acessado do mundo.
O que era para ser um balanço dos dois anos em que chefiou a corte se transformou num bombardeio de perguntas incômodas, muitas em tom acusatório, sobre polêmicas que marcaram sua gestão.
As questões foram enviadas por internautas e escolhidas em votação, sem interferência do STF. Durante 42 minutos, Mendes teve que ouvir críticas e provocações lidas no ar por uma apresentadora da TV Justiça. Foi chamado de "uma das vozes mais contundentes da direita conservadora" e até de "coronelzinho", numa referência à atuação política de sua família em Mato Grosso.
O tom de constrangimento surgiu logo na abertura, quando a locutora informou que não citaria "textos chulos, às vezes até pornográficos e com ofensas" contra o ministro.
Em seguida, anunciou seis perguntas sobre o tema mais votado: os dois habeas corpus que ele concedeu ao banqueiro Daniel Dantas, alvo da Operação Satiagraha da Polícia Federal, em 2008. Segundo ela, as questões foram agrupadas para evitar uma entrevista "só de um assunto".
O internauta que se apresentou como "Fonjic" afirmou que o STF "se autodestrói e cai em descrédito distribuindo habeas corpus a banqueiros corruptos". Outra participante, identificada como "limapaola", questionou a segunda decisão de Mendes em favor de Dantas: "O senhor recusou como prova a entrega, transmitida em rede nacional de TV, de R$ 1 milhão a agente da PF. Qual prova aceitaria para manter o banqueiro condenado a dez anos de prisão na cadeia?"
O ministro, visivelmente surpreso, voltou a criticar o delegado afastado da PF Protógenes Queiroz e o juiz Fausto de Sanctis. "Certamente o Brasil ainda vai saber muitos fatos sobre este episódio." Em outro momento, Mendes foi acusado de "eleger e reeleger pessoas de confiança para beneficiar sua família" em Diamantino (MT). Rebateu no mesmo tom, apontando suposto envolvimento de um rival do clã com o crime organizado.
O ministro ainda foi cobrado por fazer suposta "denúncia vazia de grampo" conta a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e pelo número de entrevistas que concedeu. "Não seria melhor para a imagem do STF que o seu presidente falasse só nos autos?", perguntou "Diego". "Não sei o que é para o Diego o conceito de voz de direita conservadora. (...) O que é falar nos autos, quando se tem uma missão institucional?", retrucou.
Apesar dos momentos de desconforto, Mendes se disse satisfeito ao fim do programa. "Acho extremamente importante que nós possamos ter este diálogo", disse ele. Ontem a sabatina já contava mais de 8.000 exibições, mas não aparecia na capa do canal oficial do STF no YouTube.

No youtube, assistam:

http://www.youtube.com/watch?v=Yt1tnv5p30I

Globo cancela peça criticada pelo PT


Da FSP de 20 de abril

TV rebate acusações de integrante da pré-campanha de Dilma, mas tira anúncio do ar para não dar "pretexto de ser acusada de tendenciosa"

RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A TV Globo retirou ontem do ar a campanha comemorativa dos seus 45 anos de existência após coordenadores da pré-campanha de Dilma Rousseff (PT) terem espalhado na internet que a peça continha propaganda subliminar da candidatura de José Serra (PSDB). Logo pela manhã, o responsável por coordenar a campanha da petista na internet, Marcelo Branco, disse na sua página no Twitter enxergar a suposta mensagem subliminar: "Eu e toda a rede", escreveu.
Segundo petistas que se manifestaram de forma similar, a propaganda pró-Serra se caracterizaria no "45", o número do PSDB nas eleições, e em frases do jingle da Globo, como "todos queremos mais", o que seria, de acordo com eles, referência ao slogan "o Brasil pode mais" dito por Serra no lançamento de sua pré-candidatura, no dia 10.
"Denúncia: lema de Serra "inspira" jingle da Rede Globo", escreveu, também no Twitter, o secretário nacional de Comunicação do PT, André Vargas. No fim do dia, Branco escreveu que falara em "caráter pessoal": "Eu não falo em nome da Dilma nem da coordenação". A Folha apurou que petistas da cúpula do partido ligaram para a direção da Globo para reclamar.
A campanha da Globo começou a ser veiculada na noite de domingo, no programa "Fantástico". Na peça, também reproduzida na internet, atores, jornalistas e apresentadores da emissora participavam da comemoração dos 45 anos, data a ser completada na próxima segunda-feira. Em determinado trecho da peça, os atores falam: "Todos queremos mais. Educação, saúde e, claro, amor e paz. Brasil? Muito mais".
No final da tarde, a Central Globo de Comunicação divulgou nota em que nega relação entre a campanha e candidaturas políticas, mas diz que suspendia a sua veiculação para não dar pretexto a acusações de que estaria sendo tendenciosa.
"O texto do filme em comemoração aos 45 anos da Rede Globo foi criado, comprovadamente, em novembro do ano passado, quando não existiam nem candidaturas muito menos slogans. Qualquer profissional de comunicação sabe que uma campanha como esta demanda tempo para ser elaborada.
Mas a Rede Globo não pretende dar pretexto para ser acusada de ser tendenciosa e está suspendendo a veiculação da campanha."
Questionado no final da tarde sobre a acusação que fizera contra a peça da TV Globo, o coordenador da campanha petista na internet baixou o tom, afirmando que não poderia fazer afirmações taxativas e que apenas havia divulgado na rede a informação de que várias pessoas estavam dizendo isso.
Mas reiterou: "Acho que há muitas coincidências. E justamente em um ano eleitoral tem que ter cuidado com coincidências que podem beneficiar determinadas candidaturas".

Meu comentário -

A Globo tem passado. Procurem, na Internet mesmo, informaçõe sobre o caso Proconsult e a edição do debate final da eleição de 1989, só para exemplo. Nunca se deve esquecer que por trás de um órgão de mídia há pessoas e interesses concretos.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Mensagem subliminar?

Vocês já viram a nova vinheta da Globo?
Vejam aqui: http://www.youtube.com/watch?v=Y9cOIczl4hw

Mensagem subliminar? Ou explícita demais?

A guerra jurídica nas eleições

Do Estadão
Guerra de ações dá a assessores jurídicos status igual ao de marqueteiro – Brasil – Estadao.com.br

Julia Duailibi – O Estado de S.Paulo

A mais de três meses do início oficial da campanha para a Presidência da República, os principais adversários nas urnas, PT e PSDB, protagonizam uma “judicialização” do debate político, que tem pautado a retórica eleitoral deste ano. Em meio à guerra de representações, a coordenação jurídica dos candidatos ganhou peso e passou a ter status próximo ao dos marqueteiros.

A ofensiva jurídica levou o presidente do PT, José Eduardo Dutra, a se encontrar com o do PSDB, Sérgio Guerra, para discutirem eventual armistício, recentemente, em Brasília. A conversa não evoluiu e, nos últimos dias, o PSDB ingressou com ações não só contra o PT, mas também contra o instituto de pesquisa Sensus e o sindicato dos professores de São Paulo (Apeoesp), cuja presidência é ligada aos petistas.

Desde janeiro do ano passado, já foram impetradas pela oposição no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) 12 representações contra o PT, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ex-ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff ? a maior parte relacionada à propaganda eleitoral antecipada. Duas resultaram em multas para Lula no valor total de R$ 15 mil.

O PT fez o contra-ataque na Justiça Eleitoral de São Paulo, base política do ex-governador José Serra, pré-candidato tucano ao Palácio do Planalto. No mês passado, o partido conseguiu suspender a veiculação de uma propaganda do PSDB na televisão, alegando que Serra fazia promoção pessoal ao falar no comercial sobre seguro desemprego.

“Hoje em dia um candidato nem precisa falar tão bem, mas precisa ter um bom advogado”, afirmou o especialista em direito eleitoral Eduardo Nobre. “Há uma tendência que vem crescendo de o coordenador jurídico ser cada vez mais importante. Um erro do marqueteiro causa um dano grande. Do advogado, pode ser fatal”, completou.

Os partidos já começaram a formar os times jurídicos. Do lado tucano, atuarão a equipe do advogado Ricardo Penteado em parceria com o escritório brasiliense de José Eduardo Alckmin. Os petistas calibram a equipe, que a princípio terá o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos como “consultor”. O cotado para gerente jurídico, responsável pela parte operacional, é Márcio Luiz Silva, que foi sócio de José Antonio Dias Toffoli, ministro do Supremo Tribunal Federal e ex-advogado do PT.

Costuma-se fechar um pacote eleitoral que, segundo o mercado, chega à dezena de milhões, O valor serve para bancar uma equipe com cerca de dez advogados, o contencioso jurídico e a consultoria estratégica. Também são submetidos aos advogados os programas de rádio e TV ? neste momento ocorrem as brigas com os marqueteiros que entram para o folclore eleitoral.

Além disso, os partidos têm advogados que trabalham nas demandas do dia a dia. O Estado apurou que fora de eleição esse custo é de cerca de R$ 40 mil.

Estratégia. O PSDB tem aproveitado para tentar colar no PT a pecha de partido que não cumpre a lei. Uma das estratégias de ataque é dizer que os petistas não só não cumprem a lei, como zombam da Justiça. Nos discursos de lançamento da pré-candidatura do PSDB, tanto Serra quanto FHC bateram na tecla.

O clima beligerante na pré-campanha deste ano ? a disputa só começa oficialmente em junho, depois das convenções ? ganhou contorno inédito, dizem advogados e especialistas em campanha eleitoral. Geralmente a fase mais “crítica” do embate jurídico só costuma acontecer durante a campanha eleitoral no rádio e na TV, a partir de agosto.

A eleição de 1996 para a Prefeitura paulistana é apontada como um marco na “judicialização”. Houve uma guerra nos tribunais, o que culminou em avalanche de direitos de respostas.

Para o advogado do PSDB, Ricardo Penteado, o maior problema é o uso da máquina pública. “Tenho impressão de que a oposição está usando o seu corpo jurídico para atacar a pré-candidata”, disse José Eduardo Martins Cardozo, um dos petistas responsáveis por montar o corpo jurídico da campanha. “Talvez estejam assustados.”

Para o procurador-regional eleitoral substituto, Pedro Barbosa Pereira Neto, é natural que a Justiça seja acionada com a proximidade da campanha. “Geralmente, o que tem mais no primeiro semestre são representações contra campanha antecipada, que acabam acarretando em multas para os partidos”, afirmou. / COLABOROU VERA ROSA

Governo de SP vigia prisões para prevenir "voto de cabresto"

FSP de 19 de abril

Secretaria de Administração Penitenciária quer evitar coação de eleitores na primeira votação de presos provisórios no Estado

Condições estruturais e de segurança, possibilidade de interferência de facções criminosas e superlotação são principais dificuldades

MARCIO AITH
FLÁVIO FERREIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Equipes de inteligência da SAP (Secretaria Estadual da Administração Penitenciária de São Paulo) já monitoram estabelecimentos penais para prevenir coação de eleitores na primeira vez em que presos provisórios votarão no Estado, nas eleições de outubro.
Em entrevista à Folha, o titular da pasta, Lourival Gomes, disse que o governo vai agir para evitar o "voto de cabresto" de detentos e seus familiares.
A SAP prepara-se ainda para impedir atos de propaganda eleitoral ilegal nos presídios, como a colocação de cartazes de candidatos nas unidades. Uma das formas autorizadas de divulgação dos políticos nesses locais é a veiculação do horário eleitoral no rádio e na TV.
A instalação de urnas nos estabelecimentos penais para viabilizar o voto dos presos provisórios (detentos em prisão preventiva ou que ainda podem recorrer contra as condenações) foi determinada no começo de março pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Desde então juízes e promotores manifestaram preocupação em relação às condições estruturais e de segurança para a implantação da medida, além do receio de que ocorra a interferência de facções criminosas no processo eleitoral.
A superlotação nas unidades prisionais do Estado foi apontada por Gomes como uma das principais dificuldades para a implantação de seções de votação em todos os estabelecimentos que abrigam presos provisórios. Dos 35 CDPs (Centros de Detenção Provisória) do Estado, apenas 10, considerados de médio e baixo risco, poderão receber urnas.
"A secretaria não tem posição contrária ao voto dos presos, até porque isso estaria em desacordo com a Constituição. Porém, todos aqueles que trabalharão nas unidades nos dias de votação, mesários e funcionários da secretaria, também têm direito constitucional à segurança", disse Gomes.
De acordo com o secretário, o TSE deu um prazo muito exíguo às autoridades para a estruturação da votação dos detentos. A resolução do tribunal sobre o tema entrou em vigor no início de março e o prazo para a realização do alistamento dos presos provisórios termina em 5 de maio.
Em relação ao cadastramento eleitoral dos cerca de 15 mil detentos provisórios que estão em unidades de médio e baixo risco, o secretário estima que grande parte dos presos não possui os documentos exigidos pela Justiça Eleitoral e por isso muitos não conseguirão inscrição para participar do pleito.
Os detentos provisórios que tiverem realizado o alistamento nos presídios, mas já estiverem liberados pela Justiça nos dias de votação deverão voltar às unidades prisionais para exercerem o direito de voto, de acordo com as regras eleitorais.
Indagado sobre eventuais problemas decorrentes dessa situação, Gomes disse acreditar, "por experiência", que poucos ex-presos decidirão retornar aos estabelecimentos penais para votar em outubro.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Lei de Anistia. Decisão do Supremo na quarta pode não encerrar o caso

Do blog do Walter Maierovitch - http://maierovitch.blog.terra.com.br/

1. Em outubro de 2008, por proposta do jurista Fabio Konder Comparato, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil arguiu, no Supremo Tribunal Federal (STF), o descumprimento de preceito fundamental da Constituição da República.

A arguição será apreciada na quarta-feira 14 pelo STF. Se não convencer, poderá o caso ser reaberto no âmbito da OEA, ou melhor, na interamericana Corte de Direitos Humanos

Não participará deste julgamento o ministro Dias Toffoli. Isto porque, quando era advogado-geral da União entendeu, em canhestro parecer, pela ampla, geral e irrestrita anistia. Aliás, ele desconsiderou o fato de a autoanistia já ter sido declarada ilegítima pelas Nações Unidas (ONU) e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Na ocasião do parecer de Toffoli, o secretário nacional de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, falou em sua saída do governo Lula no caso de a Advocacia-geral da União não mudar o parecer dos autos.

Como se sabe, Vannuchi não pegou o chapéu. Em vez disso, Vannuchi preferiu passar cola na cadeira ministerial e continua no cargo, sem corar. Como segue o presidente Lula desde a época dos sindicatos, resolveu, ao que parece, prestigiar o velho companheiro e insultar a memória nacional.

2. Com a referida arguição de relevância no STF, objetiva-se estabelecer a abrangência da Lei de Anistia de 1979. No popular, chamar o STF para se pronunciar se ela beneficia ou não os que, como mandantes ou mandatários, consumaram crimes de lesa-humanidade durante o regime de exceção (1964-1989).

A referida Lei 6.683/79 foi elaborada e aprovada durante a ditadura militar (1964-1989). Um caso evidente de autoanistia. Ela visa conferir impunidade aos que haviam consumado, como autores ou partícipes do terrorismo de Estado, crimes de homicídio, tortura, sequestro de pessoas, estupros etc.

Para se ter idéia, a meta era conferir aos ditadores, seus agentes e colaboradores, indenidade, apesar dos 144 assassinatos e do desaparecimento de 125 cidadãos brasileiros.

3. O ministro Gilmar Mendes não se dará por impedido, apesar de já ter prejulgado. Em entrevistas disse ser favorável a uma interpretação ampla do texto legal.

No momento, os discursos poltrões mais ouvidos falam em “risco pela reabertura de cicatrizes”. Mais ainda, “dever-se colocar uma pedra no passado”.

O certo é que a questão, por evidente, ainda não está resolvida: 144 mortos e 125 desaparecidos.

O Direiro Internacional e as convenções subscritas pelo Brasil, desde 1964, já criminalizavam os atos de lesa-humanidade, como tortura, terrorismo e genocídio. Também não reconheciam prescrição, anistia ou outra forma de aniquilamento do direito de punir.

PANO RÁPIDO. Na quarta-feira, a toga da Thêmis — a deusa grega da Justiça concretada na frente do prédio do STF — poderá sair tingida com o sangue das vítimas da ditadura militar.

Wálter Fanganiello Maierovitch

Homossexualidade leva à pedofilia, diz igreja

FSP de 13 de abril de 2010
Número dois do Vaticano afirma que orientação sexual, e não o celibato, é a causa de abusos contra menores cometidos por padres

Afirmações vêm no mesmo dia em que Santa Sé divulga normas que incentivam que bispos denunciem suspeitos de prática à Justiça comum

Ivan Alvarado/Reuters

O secretário-geral do Vaticano,Tarcisio Bertone, durante entrevista em Santiago; para ele, comportamento de padres é escandaloso

LUCIANA COELHO
DE GENEBRA

O Vaticano lançou uma dupla frente de defesa ontem no escândalo das suspeitas de abusos sexuais de menores por padres, com a divulgação de suas diretrizes internas sobre o tema, nas quais recomenda a denúncia à Justiça civil, e com a declaração de seu número dois, no Chile, de que a pedofilia não tem ligação com o celibato e sim com o homossexualismo.
"Muitos psicólogos e psiquiatras demonstraram que não há relação entre celibato e pedofilia, mas muitos outros demonstraram que há entre homossexualidade e pedofilia", disse o cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado do Vaticano, em entrevista coletiva em Santiago reproduzida por agências de notícias.
"Essa patologia [pedofilia] aparece em todos os tipos de pessoas e, nos padres, em um grau menor em termos percentuais", disse o religioso italiano. "O comportamento dos padres, nesses casos, é negativo, é grave e é escandaloso."
Teólogos reputados como o suíço Hans Küng têm apontado o celibato como uma das razões para exacerbar o problema da pedofilia na igreja.
Desde que um relatório da Igreja Católica na Irlanda, publicado no ano passado, trouxe à tona que cerca de 15 mil crianças sofreram abusos nas mãos de padres e religiosos entre os anos 30 e 90, denúncias e investigações pipocaram pela Europa e voltaram a surgir nos EUA. Uma linha telefônica para denúncias anônimas por vítimas aberta no fim do mês passado na Alemanha -terra natal do papa- recebeu quase 15 mil ligações em uma semana.
Uma das principais acusações ao Vaticano é a omissão dos bispos e de outros superiores na hierarquia católica. Documentos do Vaticano revelados pela imprensa americana indicam que, quando comandava a Congregação para a Doutrina da Fé, o próprio Bento 16, então cardeal Joseph Ratzinger, atuou para abafar ao menos dois casos.
Bertone disse que a igreja nunca freou investigações e que o papa em breve tomará novas iniciativas "surpreendentes" contra os abusos.
Ontem, o Vaticano publicou em seu site suas diretrizes para lidar com o problema. Nelas, a Santa Sé recomenda explicitamente que casos com suspeitas fundamentadas sejam tratados pela Justiça canônica e levados aos tribunais civis.
"A diocese local investiga todas as alegações de abuso sexual de um menor por um clérigo", afirma o texto. "Se a alegação tem traços de verdade, o caso é levado à Congregação para a Doutrina da Fé (...) A lei civil relativa à comunicação de crimes às devidas autoridades deve sempre ser seguida."
Embora as regras sigam uma bula de abril de 2001, o Motu Proprio Sacramentorum sanctitatis tutela, e o Código Canônico de 1983, elas nunca haviam sido levadas a público.
A divulgação é um esforço do Vaticano para mostrar que tem agido contra o problema. Há três semanas, Bento 16 divulgou uma carta aos fiéis da Irlanda em que exortava os culpados a "responder diante de Deus, assim como diante de tribunais devidamente constituídos".
Outro ponto que fora ressaltado no texto do papa e que as diretrizes explicitam mais é a responsabilidade dos bispos.
Segundo as regras recém-divulgadas, "o bispo local sempre retém o poder para proteger as crianças por meio da restrição das atividades de qualquer padre em sua diocese".
"Isso faz parte de sua autoridade ordinária, que ele é incentivado a exercer na medida necessária para assegurar que as crianças não sejam prejudicadas, poder este que pode ser utilizado antes, durante e depois dos procedimentos canônicos", emenda o texto.
De acordo com as denúncias que têm surgido, porém, nem todos os bispos agiram conforme essa regra.

Meu comentário - A Igreja é a instituição mais antiga do Ocidente e não será esta onda de denúncias de pedofilia que a vai derrubar. Mas a política do Vaticano para lidar com o tema está mostrando claramente que a Igreja tem cada vez mais dificuldades de dialogar com o mundo em sua nova configuração.

Concordo que não pode ser estabelecida uma relação direta entre pedofilia e celibato. Existem pedófilos casados, ativos sexualmente, enfim, de todo gênero. A maioria dos padres católicos também não é praticante de atos de pedofilia, ok. Mas, ligar pedofilia a homossexualidade configura uma generalzação tão absurda quanto a anterior.

O que tem sido cobrado da Igreja não é o fato de existirem práticas de pedofilia entre alguns de seus representantes, mas a (não) resposta da Instituição quando estes casos são detectados.

Existe aqui um problema de avaliar um sistema de valores com base em outro. Na sociedade civil, a concepção generalizada é de que quem pratica um crime deve ser necessariamente punido com os rigores da lei.
Ocorre que, dentro dos valores da Igreja, um indivíduo que comete um pecado pode ser absolvido, desde que se arrependa verdadeiramente diante de Deus. Pra isso serve a confissão, na sistemática católica. No cristianismo, a compaixão com os que cometem erros é parte do núcleo central, expressa na passagem do evangelho onde Cristo afirma que veio para curar os doentes e não os sãos.

Diante deste conflito de valores a sociedade se vê cada vez mais perplexa, mas deve ficar bem claro que não se trata de mera opção da Igreja em esconder seus crimes, mas sim um distanciamento de uma visão de mundo que vem perdendo legitimidade entre seus fiéis.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Entrevista de generais na GloboNews

Assisti no final de semana a entrevista do Gal. Newton Cruz ao jornalista da Globonews e gostaria de recomendar.
A ditadura acabou há 25 anos e alguns de seus líderes ainda estão vivos. Como se pode ver na entrevista, o correr do tempo ainda trará revelações sobre aqueles anos sombrios para a vida pública brasileira.
Chama a atenção uma série de revelações, mas uma é de tirar o fôlego: Paulo Maluf teria procurado Newton Cruz para que desse um fim no presidente eleito Tancredo Neves (que um dia antes da posse caiu doente e morreu em seguida, tendo assumido seu vice, José Sarney, que era orindo da ARENA).
Choca também pensar como pessoas com esta visão de mundo chegam ao generalato.
http://www.youtube.com/watch?v=jpRQp6d2xZY

A mesma emissora também entrevistou o general adversário de Cruz, Leônidas Pires Gonçalves, estando disponível na internet também. Assistam: http://www.youtube.com/watch?v=FaOaK1_rhi8&feature=related

É claro que a Globo não vai abordar nunca sua participação na sustentação do regime militar. Para isso, recomendo que procedam pesquisa rápida na internet...

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Caso encerra mais que divergências jurídicas

MARISTELA BASSO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O CHOQUE impetuoso entre o juiz do Supremo Tribunal espanhol Luciano Varela e seu conterrâneo também magistrado Baltasar Garzón não é apenas mais um embate entre juízes que defendem teses diversas ou têm entendimentos antagônicos sobre como aplicar a lei.
Trata-se, sem dúvida, de uma disputa entre Titãs. O juiz Luciano Varela sustenta o rigorismo da lei e, em nome dela, põe o colega Garzón no banco dos réus, o ameaça com a perda do cargo e o penaliza a ficar até vinte anos fora da vida pública.
Garzón, por outro lado, em nome do interesse público, reabriu a ferida não cicatrizada dos desaparecimentos do "franquismo" ao receber e processar o pedido de apuração de responsabilidades apresentado pela "Associação das Vítimas" daquele período histórico.
Varela sustenta que Garzón prevaricou, extrapolou competências, legislou quando deveria apenas aplicar a lei de anistia dos crimes do passado cometidos na Espanha. Garzón diz não ter prevaricado e que a memória histórica de seu país exige que se faça justiça.
E, em nome dela, Garzón foge do rigorismo dos procedimentos penais e dos preciosismos da linguagem jurídica e assume o controle do processo com mãos firmes e determinadas. Manda fazer exumações, abrevia procedimentos longos e burocráticos, manda ouvir testemunhas dentro e fora da Espanha, pede opiniões legais para os mais afamados jurisconsultos internacionais.
Com isso, tenta aplacar as dores do passado e responder à sociedade fazendo justiça -ainda que tardia.
Mas a magistratura togada e encastelada se revolta. A conduta de Garzón gera enorme instabilidade e incerteza jurídica. O que será do Direito se os juízes resolverem legislar nos casos concretos, determinar regras procedimentais novas e afastar as hipóteses de prescrição para os crimes cometidos no passado? E se a definição do que seja ou não crime ficar nas mãos deles -juízes?
Garzón tenta dizer (lá de seu banquinho dos réus) que essas preocupações da magistratura são legítimas, mas não se aplicam ao caso das vítimas do franquismo, porque elas foram submetidas a crimes contra a humanidade que, como tais, são imprescritíveis e podem ser submetidos à jurisdição de qualquer juiz espanhol, uma vez que crimes cometidos antes de 1998 não podem ser levados ao Tribunal Penal Internacional.
Ele insiste sustentando que, na função de juiz, é sua obrigação responder à moralidade e sensibilidade médias da sociedade no momento em que julga. Foi apenas isso que ele procurou fazer, sem, contudo, atentar para a possível desmesurada reação de grupos de ultradireita representados pelos Manos Limpias, Falange Española de las JONS e Libertad y Identidad.
Por outro lado, não longe dos tribunais, o povo espanhol -bravo, honrado e altivo- não se cala e, ao lado de Garzón, clama, reclama, declama para que ele fique mais vinte anos. E o resto do mundo também.

A autora é professora de direito internacional da Faculdade de Direito da USP

Juiz Baltasar Garzón tem a toga ameaçada

FSP de hoje

LUCIANA COELHO
DE GENEBRA

O juiz espanhol Baltasar Garzón, um dos magistrados mais proeminentes da Europa, será julgado por prevaricação sob a acusação de ter ido além de sua autoridade ao ordenar, em 2008, a investigação de desaparecimentos sob a guerra civil e a ditadura de Francisco Franco. Se for condenado, a pena prevista é de 10 a 20 anos de afastamento de suas funções.
Garzón, 54, ganhou fama ao pedir o julgamento de estrangeiros de projeção internacional como o ditador chileno Augusto Pinochet (1973-1990), de quem chegou a solicitar a extradição ao Reino Unido para que respondesse pelos crimes de seu regime, e Osama bin Laden, líder da rede terrorista Al Qaeda, pelos atentados de 11 de setembro de 2001, nos EUA.
Para tanto, o juiz da Audiência Nacional (AN) lançava mão do princípio da jurisdição universal, que foi restrito no fim do ano passado e até então permitia à Espanha efetuar julgamentos e investigações de supostos crimes em qualquer parte do planeta, contanto que houvesse queixa.
Desta vez, é Garzón que se sentará no banco dos réus. E para responder sobre um tema muito espanhol: se teria ou não ultrapassado conscientemente os limites de seu poder ao solicitar, em outubro de 2008, a investigação dos abusos e de mais de 100 mil desaparecimentos que ficaram de saldo da guerra civil (1936-39) e do regime de Francisco Franco (1939-75), mandando inclusive abrir valas comuns e exumar ossadas.
A investigação acabou derrubada pelo próprio Garzón menos de dois meses depois, sob intenso debate político no país e acusações da direita de que o juiz queria reabrir feridas para usá-las como bandeira política. A Lei de Anistia que vigora desde 1977 declara prescritos os crimes do período.
Ontem, o juiz Luciano Varela, do Tribunal Supremo, instância acima da AN, aceitou o caso, aberto por três grupos espanhóis ultraconservadores.
Varela, por sua vez, é identificado pela imprensa espanhola como progressista, próximo à vice-presidente de governo, de esquerda, e membro da associação internacional Juízes para a Democracia.
Em sua decisão, reproduzida no site do jornal espanhol "El País", Varela indica qual lei Garzón teria infringido e sugere ao Supremo a máxima punição prevista: uma pena de 10 a 20 anos de afastamento da magistratura e o impedimento de exercer qualquer cargo ou emprego público pelo período, além de uma multa (o valor não é indicado).
O juiz já havia tomado outra decisão, em fevereiro, na qual dizia que Garzón havia ignorado a lei.
Varela afirma, nos mesmos autos, que o magistrado da AN tinha consciência de que não tinha competência para ordenar as exumações e elaborou uma "argumentação artificial" para justificar a solicitação.
Uma vez autuados, os reclamantes terão dez dias para apresentar formalmente em detalhes, por escrito, suas acusações e para solicitar o julgamento em si. Nos próximos dias o Supremo já poderá afastar Garzón, embora caiba recurso contra a decisão.
Segundo o advogado do magistrado, Gonzalo Martinez-Fresneda, o julgamento deverá começar já no início de junho.

Após novo adiamento, ficha suja não deve valer para 2010

FSP de 8 de abril de 2010

Sem apoio da base, projeto voltará à CCJ da Câmara e só deverá ser analisado em maio

Deputados favoráveis à inelegibilidade de políticos condenados dizem que chance de medida entrar em vigor neste ano é quase nula

MARIA CLARA CABRAL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Sem apoio da base aliada ao governo, o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), decidiu adiar novamente a votação do projeto que prevê a inelegibilidade de políticos com ficha suja. Entidades civis reclamaram do adiamento.
A nova previsão para que a proposta volte a ser analisada é a primeira semana de maio.
Com o novo adiamento, deputados favoráveis ao projeto admitiram que a possibilidade de as mudanças valerem já para esta eleição é praticamente nula. Segundo eles, o texto teria que ser aprovado até as convenções de junho para começar a valer já para outubro.
Desta vez, o texto chegou a entrar na pauta do plenário, mas, como foram apresentadas emendas, o projeto acabou retornando à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
O recuo foi possível porque os líderes da base não quiseram assinar requerimento de urgência, ou seja, não deram prioridade para o assunto. Com isso, como receberia emendas que o modificam, o projeto retorna obrigatoriamente à CCJ.
Ontem, PSDB, DEM, PPS, PDT, PSOL, PHS, PSC e PV assinaram o pedido de urgência, o que somou o apoio de 188 deputados. Se fossem reunidas 257 assinaturas, o texto seria analisado direto no plenário, sem precisar dar um passo para trás.
"Está em trânsito uma manobra para não votar o projeto ficha limpa. Querem evitar a urgência e com isso engavetá-lo", reclamou o deputado federal Ronaldo Caiado (DEM-GO).
Temer estabeleceu o prazo até 29 de abril para que novo parecer seja aprovado na CCJ.
Representantes do Movimento de Combate à Corrupção, responsável pela proposta, foram à Câmara reclamar do adiamento. "É um sentimento enorme de frustração. Precisamos achar onde estão essas resistências", disse o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante.
O projeto foi entregue no ano passado com o apoio popular de cerca de 1,6 milhão de pessoas. Originalmente, impedia a candidatura de quem tivesse qualquer condenação em primeira instância.
Depois, porém, a proposta foi flexibilizada, prevendo a inelegibilidade dos candidatos somente após a condenação por um órgão colegiado, independentemente da instância.

Texto do Contardo Calligaris, hoje na FSP

Cuidado com o peso e a forma

Quanto menos nós controlamos nossa vida, tanto mais esperamos controlar nosso peso


N A SEMANA passada, celebrando o Pessach ou a Páscoa, muitos jantaram ou almoçaram em família. Aposto que, em algum momento, diante da fartura e das guloseimas que estavam na mesa, a conversa tratou dos planos e dos esforços de cada um para manter a linha, emagrecer ou aumentar de peso (músculos, não gordura, é claro), em suma, para conseguir dar ao corpo uma forma "satisfatória".
Para essa conversa acontecer, não foi preciso que houvesse magros ou obesos ao redor da mesa. A inquietação com o peso e a forma não é efeito do estado de nosso corpo. Ela se tornou onipresente nas últimas duas ou três décadas: sua difusão coincide com o aumento dos transtornos alimentares (supostas epidemias de bulimia e anorexia), mas é, de fato, uma espécie de transtorno alimentar em si, um transtorno alimentar da conversa e do pensamento.
É citada por toda parte (sem mais precisões) uma pesquisa segundo a qual 81% das crianças (norte-americanas) de 10 anos estariam com medo de ser gordas, e 50% das meninas dessa idade declarariam estar fazendo um regime. Agradeceria aos leitores que me ajudassem a encontrar o texto original dessa pesquisa, que, segundo algumas fontes, seria do começo dos anos 90. De qualquer forma, mesmo que a dita pesquisa seja uma lenda, sua popularidade confirma um fenômeno que todos verificamos a cada dia: hoje, a forma e o peso preocupam até as crianças.
Nesta altura, seriam esperadas acusações contra nossos hábitos alimentares, contra a vida sedentária e contra os ideais impossíveis promovidos pela cultura de massa e pela indústria do regime e da forma física. Em suma, estaríamos todos pensando no peso por culpa da preguiça, do McDonald's, da Barbie e do G.I. Joe, bonecos que parecem ter sido inventados para que, desde a infância, ninguém se contente com o corpo que tem.
É com essa expectativa que li o número de fevereiro de "Counseling Today" (revista da American Counseling Association), consagrado a transtornos alimentares e imagem do corpo. Expectativa frustrada, felizmente: num longo artigo sobre a obsessão com o peso, é entrevistada uma terapeuta, Anna Viviani, que oferece uma explicação específica por nosso interesse pelo peso e pela forma com ou sem transtornos alimentares propriamente ditos.
Resumindo, ela entende assim: quando alguém sente que tudo na sua vida está fora de controle, ele sente também que os alimentos, o peso, o exercício são coisas que, em princípio, ele poderia controlar.
Tanto faz, aliás, que alguém consiga seguir um regime à risca, emagrecer ou aumentar de peso e fazer ginástica regularmente. O que importa é que as consultas, as propostas, as leituras e as conversas intermináveis sobre dieta e exercício têm um valor em si: elas mantêm viva a promessa de um controle -que é difícil, mas que é, em tese, possível.
À diferença do que acontece, em geral, com nossa vida amorosa e profissional, acreditamos (com uma certa razão) que nosso peso e nossa forma dependem de nós.
Nesse campo, podemos não fazer o necessário, mas sempre se trata de um não fazer "ainda": um dia, faremos e, quando fizermos o necessário, controlaremos nosso peso e nossa forma.
É tentador propor uma equação: quanto menos estamos em controle de nossa vida (amorosa, profissional, social e mesmo moral), tanto mais nos preocupamos com peso e forma, que, bem ou mal, podem ser controlados.
Numa direção parecida, na mesma matéria, outra terapeuta, Erica Ritzu, resume assim a fala de um paciente com transtornos alimentares: "Se você não me escuta e não deixa nunca que minha opinião conte, posso ao menos escolher não comer nada".
De repente, a greve de fome dos presos políticos pode ser um modelo para entender o que acontece nos transtornos alimentares e em nossa preocupação com peso e forma.
Certo, na greve de fome, os presos põem a vida em risco para promover uma causa (a sua própria ou outra). Mas eles também exercem, heroicamente, o que lhes sobra de liberdade; eles não são escutados, estão encarcerados, não podem nada, mas há algo que eles controlam: sua própria ingestão de alimentos. É o que sugere Anna Viviani, ao interpretar nossa obsessão com regime e exercício: quem não controla nada, pode, como último recurso, controlar sua alimentação, seu peso e sua forma.
Bom, só resta admitir que não controlamos nada, como os presos.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Elio Gaspari na FSP de hoje

De Cazemiro@edu para Demóstenes.Torres@gov

Desde o século 19, o negro livre é uma encrenca para as nossas leis, eu que o diga


ILUSTRE SENADOR Demóstenes Torres,
Quem lhe escreve é Cazemiro, um Nagô atrevido. Faço-o porque li que o senhor, um senador, doutor em leis, sustenta que a escravidão brasileira foi uma instituição africana. Referindo-se aos 4 milhões de negros trazidos para o Brasil, vosmicê disse o seguinte: "Lamentavelmente, não deveriam ter chegado aqui na condição de escravos, mas chegaram..."
Vou lhe contar o meu caso. Eu cheguei ao Rio de Janeiro em julho de 1821 a bordo da escuna Emília, junto com outros 354 africanos. O barco era português e o capitão, também. Fingia levar fumo para o Congo, mas foi buscar negros na Nigéria e, na volta, acabou capturado pela Marinha inglesa. Desde 1815, um tratado assinado por Portugal e Grã Bretanha proibia o tráfico de escravos pela linha do Equador.
Quando a Emília atracou no Rio, fomos identificados pelas marcas dos ferros. A minha, no peito, parecia um arabesco. Viramos "africanos livres". Livres? Não, o negro confiscado a um traficante era privatizado e concedido a um senhor, a quem deveria servir por 14 anos. O Félix Africano, resgatado em 1835, penou 27 anos. Doutor Demóstenes, essa lei era brasileira.
A turma da Emília trabalhou na iluminação das ruas e no Passeio Público. Algumas mulheres tornaram-se criadas. A gente se virou, senador. Havia senhores que compravam negros mortos, trocavam nossas identidades e não nos liberavam. As marcas a ferro nos ajudaram.
Alguns de nós conseguiram juntar dinheiro. Como estávamos sob a supervisão dos juízes ingleses, em 1836 compramos lugar num barco. Dos 354 que chegaram, talvez 60 retornaram à África.
Como doutor em leis, vosmicê sabe que o Brasil se comprometeu a acabar com todo o tráfico em 1830. Entre 1831 e 1856 chegaram 760 mil negros, os confiscados devem ter sido 11 mil, ou 1,5%. Aquela propriedade da Marinha, na Marambaia, onde às vezes o presidente brasileiro descansa, era um viveiro de escravos contrabandeados. Não apenas a escravidão do Império era uma instituição brasileira, como assentava-se no ilícito, no contrabando.
Outro dia eu encontrei o Mahommah Baquaqua, mais conhecido nos Estados Unidos do que no Brasil. Ele foi capturado no Benin, lá por 1840, vendido a um padeiro em Pernambuco e revendido no Rio ao capitão do navio "Lembrança".
Em 1847, o barco fez uma viagem ao porto de Nova York e lá o Baquaqua fugiu. Teve a proteção dos abolicionistas, razoável cobertura jornalística, estudou e escreveu um livro contando sua história (inédito em português, imagine). Fazia tempo que eu queria perguntar ao Baquaqua por que, em suas memórias, não contou que, de acordo com as leis brasileiras, o seu cativeiro era ilegal. Ele diz que esqueceu, mas que, se tivesse lembrado, não faria a menor diferença.
Senador Demóstenes, a escravidão foi brasileira, assim como é brasileira uma certa dificuldade para lidar com os negros livres. Eu que o diga.
Axé,
Cazemiro
P.S.: Há uma referência ao caso da Emília no artigo "A proibição do tráfico atlântico e a manutenção da escravidão", da professora Beatriz Gallotti Mamigonian, publicado recentemente na coletânea de ensaios "O Brasil Imperial". Que Xangô apresse a publicação de seu livro sobre os "africanos livres" no Brasil.

Evolução democrática

Os próximos seis meses serão intensos no Brasil. Seremos todos bombardeados por fortes estratégias de propaganda eleitoral, com cada lado da disputa buscando realçar os defeitos do adversário e suas pretensas qualidades. Ninguém deve ser ingênuo, a comunicação numa campanha eleitoral deste porte é feita por profissionais e custa uma fortuna. Preocupa-me o fato de que os ataques de lado a lado possam fazer o cidadão perder a noção do quanto a democracia brasileira efetivamente avançou nos últimos anos.
A candidata do governo será rotulada como ex-terrorista, inexperiente na política, antipática, excessivamente dura, “poste” do Lula etc.
O candidato da oposição será rotulado de privatista, continuador do governo FHC (que não é bem avaliado pela maioria dos brasileiros), mau gestor, autoritário, antipático, aquele que vai acabar com o programa bolsa família etc.
Mas, em que pese ambos os candidatos com potencial eleitoral serem efetivamente não muito simpáticos e não carismáticos (o que antecipa uma campanha pra lá de estranha), descolemo-nos um pouco do imediatismo dos interesses em jogo e nos posicionemos numa visão de longo prazo. O que vemos? O quanto a democracia brasileira avançou.
A biografia dos três candidatos principais na disputa é esclarecedora: todos estiveram do lado certo durante a recente ditadura militar brasileira. Dilma combateu ativamente o regime militar. Serra foi presidente da UNE e teve que sair do país durante certo período. Não há na cabeça de chapa nenhum representante da direita autoritária (com quem cada um se junta é outra história...). E, tão importante quanto: os militares não jogam mais qualquer papel de relevo no processo sucessório.
No fundo, para o país, é isso o que mais importa.