São Fco.

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sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Apreensão às vésperas da eleição


Estamos a dois dias da votação de primeiro turno das eleições gerais e o clima é de apreensão e euforia, simultaneamente.

Euforia entre aqueles que adotaram o candidato Jair Bolsonaro. Não é para menos, o candidato é o líder inconteste nas pesquisas desde o início (afastado Lula do páreo) e é visível a consistência de sua postulação junto à parcela significativa do eleitorado. O candidato é o preferido na elite brasileira (elite pelo critério da renda e da escolaridade formal), tendo sido adotado sem constrangimento por setores inteiros. O 17 é o preferido entre os juízes de direito, por exemplo. E tem uma base social também, especialmente impulsionado pelos grupos evangélicos neopentecostais, em campanha ferrenha por sua eleição.

A apreensão é flagrante entre os setores da esquerda, mas abrange também pessoas esclarecidas num espectro ideológico mais abrangente, que têm consciência daquilo de aventureiro que o ex-capitão representa para o futuro do país e daquilo que ele claramente significa a partir do fato mesmo de sua ascensão à liderança da corrida presidencial.

A eleição, desde o início, é marcada por forte interferência do poder judiciário, que encampou o projeto de não permitir a participação do maior líder popular no processo. Tudo foi planejado e executado, Lula foi condenado em um processo fraudulento em tempo record, tornado inelegível e aprisionado em Curitiba de modo a minimizar sua força política e eleitoral ao máximo. A publicização da delação de Pallocci na segunda-feira e a proibição supremamente ilegal de uma entrevista de Lula apenas corroboraram um processo e um método em vigência há alguns anos. Na hora 'H' alguns ministros não titubearam em se mostrar 'a serviço' da instalação da nova ordem política (infelizmente nomes indicados pelo PT). Ninguém tem dúvida de que se ele estivesse na disputa as chances de sua vitória já no primeiro turno seriam muito grandes, o cenário mais provável.

O certo é que chegamos às vésperas do primeiro turno com um cenário desolador. A maior probabilidade é de ocorrência de um segundo turno entre Bolsonaro e Haddad. O que aponta para um quadro em nada tranquilizador de curto e médio prazo para o Brasil.

A vitória do 17 representaria um retrocesso monumental na evolução da democracia no Brasil. Sujeito desqualificado, de mentalidade primitiva  e autoritária, sua elevação se dá em claro contexto de mobilização fascista, como se pode extrair de suas manifestações históricas e atuais, bem como da exaltada e vibrante manifestação de seus apoiadores, uma base social que não se vexa de reproduzir nas redes sociais as maiores aberrações e mentiras, bem como a associação a valores antidemocráticos, ultraconservadores e de explícita apologia a métodos violentos. Uma vulgaridade orgulhosa exala destas hostes, indicando possibilidades aterradoras.

Por outro lado, a vitória do 13, ainda que melhor para o país, também não apresenta um quadro de estabilização por meio da resolução eleitoral da crise política. O antipetismo cevado especialmente pelos principais meios de comunicação nacionais nestes anos todos, essencialmente falso por querer principalmente alocar o petismo como um partido extremista no campo ideológico da esquerda ( sendo o PT na sua essência e práxis um partido social-democrata ou reformista), encontrou respaldo em parcela expressiva da população brasileira, como os números de rejeição nas pesquisas eleitorais acertadamente revelam (continua Bolsonaro o mais rejeitado nas mesmas pesquisas, porque o país não enlouqueceu por completo).

Em caso de vitória de Haddad não é difícil imaginar um futuro de grandes dificuldades para o professor da USP, com uma oposição sabotadora vigorosa de amplos setores da elite, da mídia hegemônica e das corporações ligadas ao Poder Judiciário e policial. Neste contexto, a formação de uma frente ampla em torno de um nome não-petista como Ciro Gomes, que eu desejava desde o início do ano, aparecia como ao menos uma perspectiva de maior possibilidade de encaminhamento menos nocivo da crise política deflagrada com a destituição de Dilma Rousseff em 2015-6.

Agora é esperar que as urnas revelem o verdadeiro retrato da situação em que nos encontramos realmente. Pesquisas são pesquisas, tantas vezes manipuladas e indutoras de resultados desejados.

Ainda há luta e, portanto, vale lutar e não desanimar antes da hora.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Com o monstro dentro de casa


Nada tem sido maior fonte de dissabor nestes dias que antecedem as eleições gerais de outubro que a explicitação do apoio ao candidato Bolsonaro por parte de pessoas conhecidas e queridas. Vamos tomando conhecimento a cada dia, seja pelas redes sociais, seja pelo velho boca a boca.

A angústia que nos toma conta a cada revelação funesta apenas aparentemente decorre da surpresa que publicamente somos forçados a aparentar. A verdadeira angústia brota de enfim termos de revelar algo tão eficazmente escondido por longos anos: sim, pessoas por quem devotamos grande afeição, pessoas a cujo convívio não podemos ou queremos abrir mão, compartilham de valores que são anátemas para nós.

Certamente o que mais dói em nós é a exposição de nossas contradições, nossa hipocrisia escancarada para todo mundo ver e julgar. Afinal, temos que admitir que apesar de nossos valores assumidos publicamente com orgulho - democracia, direitos humanos, igualdade de gênero, respeito aos direitos LGBT, hostilidade ao racismo etc. - convivemos tranquilamente com pessoas que aderem a valores em tudo opostos àquilo em que acreditamos com tanto empenho.

Não é fácil lidar com contradições e incompatibilidades discursivas. Perelman, no seu tratado da argumentação, trata deste assunto e aponta mecanismos que utilizamos para lidar com as contradições, que acabariam por minar a credibilidade do orador no médio e longo prazo se não receberem o tratamento adequado.

Das três técnicas indicadas pelo autor polaco-belga, vemos que a atitude que se aplica aqui na nossa análise é a atitude diplomática, que consiste em:
"[...] não se desejando, pelo menos num momento ou em determinadas circunstâncias, pôr-se em oposição a uma regra ou resolver, de um modo ou de outro, o conflito nascido da incompatibilidade entre duas regras  que podem ser aplicadas a uma situação particular, inventam-se procedimentos para evitar que a incompatibilidade apareça ou para remeter a um momento mais oportuno as decisões a tomar."

Ficção, mentira e silêncio são mecanismos que utilizamos para não ter que explicitar e resolver as contradições vividas com intensidade e somente assim a convivência de longo prazo, típica da convivência familiar,  torna-se possível em muitos casos.

Nosso dissabor desses dias nasce da sensação de que, depois de tantos anos silenciando e relevando o lado obscuro de grandes afetos nossos, a explicitação do apoio ao candidato do 17 fez chegar o dia da verdade: esses afetos, que por tantos anos tratamos com extrema delicadeza, vêm nos esfregar na cara, com orgulho e espalhafato, que são racistas, homofóbicos, machistas e pró-autoritarismo (o apoio ao 17 vem com todo esse pacote, assumamos de uma vez por todas!)

A psicologia nos ajuda a lidar com isso, ao tratar do fenômeno da ambivalência. Com Freud aprendemos que nossos sentimentos pelas pessoas não tem mão única, sendo marcados pela complexidade: amamos e odiamos simultaneamente cada pessoa de nosso convívio.

Mas se a psicologia ajuda a entender em parte o fenômeno, o fato é que momentaneamente nos vemos derrotados: nossos afetos emergem orgulhosos de se livrarem enfim do nosso 'nojinho' tão duramente cultivado/controlado, apoiados na aparente vantagem de se mostrarem de uma vez por todas como seres autênticos e isentos de contradição - o chapéu da hipocrisia cabendo somente em nós ao menos neste momento de triunfo e gozo explícito.

A nós só nos resta nos segurar firmemente na cadeira, respirar fundo e torcer para que os próximos 30 dias passem com rapidez, permitindo o reinício da grande trégua que é a vida das pessoas que se querem equilibradas e tolerantes.

Torcendo, é claro, para que o projeto regressivo seja derrotado mais uma vez e sempre nas urnas, renovando nossa esperança na democracia como o grande mecanismo de pacificação dos conflitos públicos e privados.






segunda-feira, 9 de abril de 2018

A prisão de Lula


Meu primeiro voto não foi em Lula. Em 1989, eu com 18 anos recém completados, votei pela primeira vez pra presidente da República junto com um monte de gente mais velha que eu. A última eleição direta para presidente tinha sido em 1960, a eleição que escolheu Janio e Jango, respectivamente presidente e vice-presidente (não era da mesma chapa, isso era possível então, imaginem!).

Meu primeiro voto foi para o candidato Mario Covas, do PSDB. Eu acompanhava com curiosidade as movimentações políticas, eram tempos de muita esperança na democracia e a constituinte tinha sido um período de grande mobilização nacional.

O PSDB, ao surgir, surgia como uma dissidência do PMDB, um partido que tinha cumprido seu papel durante a ditadura como uma frente oposicionista, mas que mostrava sinais de importantes limitações. Havia peessedebistas ilustres a puxar o cordão, dentre eles Franco Montoro, Mario Covas e Fernando Henrique Cardoso. Ficou pra mim a lembrança de que era uma saída dos éticos do PMDB, que ficava então para os fisiológicos liderados por Orestes Quércia.

Não me envergonho deste primeiro voto, pois a o PSDB naquela época era um projeto, um desejo, e seu nome indicava um rumo que eu sigo até hoje: esquerda democrática. Se depois de tantos anos, dentre eles a experiência concreta do poder, o PSDB acabou por se posicionar na centro-direita isso não estava de modo algum em jogo naquele longínquo 1989.

No segundo turno, por apertada margem, passaram Collor e Lula. Brizola não foi por 0,5% dos votos. Que rumos teria tomado o Brasil se fosse Brizola e enfrentar Collor? Nunca saberemos. Sei que votaria em Brizola, assim como indubitavelmente sufraguei Lula no segundo turno daquela eleição.

Aquela eleição foi uma verdadeira escola para mim. Marcante, ali pudemos ver toda a manipulação da mídia contra o candidato das camadas populares. Dali em diante minha desconfiança com a rede Globo se tornou uma constante.

Depois de 1989 votei muitas vezes no projeto político do Partido dos Trabalhadores. Vibrei com suas gestões inovadoras em Porto Alegre, que trouxe a experiência inédita do orçamento participativo. Passei a década de 90 com a convicção de que tudo seria movido para que um candidato de esquerda nunca chegasse ao centro do poder federal. 89 a manipulação do debate e os golpes baixos, 94 um candidato fabricado como autor de um plano que não era dele, 98 a compra da emenda da reeleição!

Em 2002 essa cisma se desfez. O governo de FHC chegou ao seu final tão desgastado, mas tão desgastado, que Lula teve sua oportunidade de governar o país. Além do desgaste de FHC o PT fez sua parte para chegar lá: a Carta aos Brasileiros e a aliança com o PR dando a vice para Alencar sinalizaram para um programa de coalizão que pavimentou o caminho para a presidência. Era um momento realmente grandioso, pleno de esperanças que na maior parte não foram frustradas.

Pra quem passou boa parte da vida adulta votando em Lula, torcendo por Lula e pelo projeto ideológico que a esquerda democrática representa este final de semana foi de profunda tristeza. Ao final de um processo todo ele eivado de nulidades e absurdos jurídicos, o maior líder político brasileiro da atualidade, líder das pesquisas de intenção de voto para as eleições deste ano, foi preso e recolhido à carceragem da Polícia Federal em Curitiba. O processo foi conduzido explicitamente para reforçar seu caráter de exceção; mesmo a prisão derradeira se deu à sombra de uma decisão do STF que violou o art. 5º, LVII e ela própria marcada pela ilegalidade: o mandado de prisão foi expedido sem que a jurisdição de 2ª instância do TRF4 fosse exaurida. Para Moro não bastava ganhar, ele precisava escrachar o líder da esquerda!

De um ponto de vista político o afastamento de Lula já estava definido de acordo com o roteiro desenhado por aqueles envolvidos diretamente no afastamento da esquerda do poder federal que começou com o impeachment de Dilma. Com a condenação de janeiro no TRF, Lula já se tornara inelegível para as eleições deste ano. Confesso que acreditei que para a direita brasileira o impedimento de Lula bastaria, que teriam a grandeza de respeitar seu papel histórico evitando seu encarceramento, por meio de um decisão de tribunal superior após a derrota da esquerda nas eleições de outubro.

Mas a direita mostra, com a prisão de Lula, que não derrubou Dilma Rousseff de brincadeira não e está disposta a ir às últimas conseqüências para concretizar seu plano político.

Por isso acredito que Lula não será libertado antes das eleições. A questão é política, não jurídica. E não é de política democrática, mas de política pra valer, amigo-inimigo, jogo que a esquerda brasileira parece não saber ou não querer jogar.

No roteiro traçado por quem detém a iniciativa política (a iniciativa, não o controle total do processo) desde fins de 2014 as eleições deste ano de 2018 serão realizadas sob forte controle manipulatório (que começa com o encarceramento de Lula mas não se esgota aí) ou não se realizarão.

A esquerda pode facilitar ou dificultar nos próximos meses a consumação destes planos. Facilitará se sair para a eleição nacional fragmentada em diversas candidaturas. Isso levará a um segundo turno entre Bolsonaro e Alckmin e terei de votar novamente no PSDB num contexto bem diferente daquele de 89! (sou de Santa Catarina e sei que o candidato da extrema direita tem expressão eleitoral em parte significativa do eleitorado, insuficiente para fazê-lo presidente, mas suficiente para ir com folga para o segundo turno).

Se quiser dificultar a vida dos setores conservadores a esquerda deverá construir uma frente ampla nos moldes uruguaios. Perdoem-me Manuela e Boulos, grandes e promissoras lideranças, mas os seus 36 anos de idade não permitem que se coloquem como candidatos pra valer nesse jogo tão pesado deste ano. Não é eleição para marcar posição. Joga-se a possibilidade (pequena, confesso) de reverter um golpe político que implementou uma radical agenda neoliberal num país de tantas desigualdades sociais.

Há que se ter uma candidatura madura, experiente e competitiva, para levar a esquerda democrática para o segundo turno contra o nefasto da política nacional. É a única esperança para a democracia no Brasil.

quarta-feira, 4 de abril de 2018

Literatura

Outro dia em uma rede social alguém compartilhou uma lista de cem livros. A brincadeira era ver quantos daqueles livros você tinha lido e, no meu caso, deu 25 de 100.
Alguns amigos contestaram a lista, pois tinha obras clássicas ao lado de algumas bobagens de momento, ao que retruquei ter compartilhado como brincadeira saudável.



Mas resolvi fazer minha pequena lista, com os romances que mais gostei de ler:


A insustentável leveza do ser – Milan Kundera
Assassinato no expresso do Oriente – Agatha Christie
Cai o pano – Agatha Christie
O nome da Rosa – Umberto Eco
O Processo – Franz Kafka
O Castelo – Franz Kafka
Metamorfose – Franz Kafka
O engenhoso fidaldo D. Quixote de la Mancha – Miguel de Cervantes
O evangelho segundo Jesus Cristo – José Saramago
Ensaio sobre a cegueira – José Saramago
Todos os nomes – José Saramago
Grande Sertão Veredas – Guimarães Rosa
Cidade de Deus – Lins
Os demônios – Fiodor Dostoiévski
Irmãos Karamazóv – Fiodor Dostoiévski
Crime e castigo – Fiodor Dostoievski
Guerra e paz – León Tolstói
Admirável Mundo Novo – Aldous Huxley
A Montanha Mágica – Thomas Mann
Lolita – Vladimir Nabokov
Il gattopardo – Tommaso di Lampedusa
A peste – Albert Camus
A náusea – Jean Paul Sartre
Cem anos de solidão – Gabriel García Marques
Incidente em Antares - Érico Veríssimo
Memórias póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis
Esaú e Jacó – Machado de Assis
A revolução dos bichos George Orwell

A lista não está completa, vou acrescentando na medida em que me lembrar de mais obras.