São Fco.

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segunda-feira, 9 de abril de 2018

A prisão de Lula


Meu primeiro voto não foi em Lula. Em 1989, eu com 18 anos recém completados, votei pela primeira vez pra presidente da República junto com um monte de gente mais velha que eu. A última eleição direta para presidente tinha sido em 1960, a eleição que escolheu Janio e Jango, respectivamente presidente e vice-presidente (não era da mesma chapa, isso era possível então, imaginem!).

Meu primeiro voto foi para o candidato Mario Covas, do PSDB. Eu acompanhava com curiosidade as movimentações políticas, eram tempos de muita esperança na democracia e a constituinte tinha sido um período de grande mobilização nacional.

O PSDB, ao surgir, surgia como uma dissidência do PMDB, um partido que tinha cumprido seu papel durante a ditadura como uma frente oposicionista, mas que mostrava sinais de importantes limitações. Havia peessedebistas ilustres a puxar o cordão, dentre eles Franco Montoro, Mario Covas e Fernando Henrique Cardoso. Ficou pra mim a lembrança de que era uma saída dos éticos do PMDB, que ficava então para os fisiológicos liderados por Orestes Quércia.

Não me envergonho deste primeiro voto, pois a o PSDB naquela época era um projeto, um desejo, e seu nome indicava um rumo que eu sigo até hoje: esquerda democrática. Se depois de tantos anos, dentre eles a experiência concreta do poder, o PSDB acabou por se posicionar na centro-direita isso não estava de modo algum em jogo naquele longínquo 1989.

No segundo turno, por apertada margem, passaram Collor e Lula. Brizola não foi por 0,5% dos votos. Que rumos teria tomado o Brasil se fosse Brizola e enfrentar Collor? Nunca saberemos. Sei que votaria em Brizola, assim como indubitavelmente sufraguei Lula no segundo turno daquela eleição.

Aquela eleição foi uma verdadeira escola para mim. Marcante, ali pudemos ver toda a manipulação da mídia contra o candidato das camadas populares. Dali em diante minha desconfiança com a rede Globo se tornou uma constante.

Depois de 1989 votei muitas vezes no projeto político do Partido dos Trabalhadores. Vibrei com suas gestões inovadoras em Porto Alegre, que trouxe a experiência inédita do orçamento participativo. Passei a década de 90 com a convicção de que tudo seria movido para que um candidato de esquerda nunca chegasse ao centro do poder federal. 89 a manipulação do debate e os golpes baixos, 94 um candidato fabricado como autor de um plano que não era dele, 98 a compra da emenda da reeleição!

Em 2002 essa cisma se desfez. O governo de FHC chegou ao seu final tão desgastado, mas tão desgastado, que Lula teve sua oportunidade de governar o país. Além do desgaste de FHC o PT fez sua parte para chegar lá: a Carta aos Brasileiros e a aliança com o PR dando a vice para Alencar sinalizaram para um programa de coalizão que pavimentou o caminho para a presidência. Era um momento realmente grandioso, pleno de esperanças que na maior parte não foram frustradas.

Pra quem passou boa parte da vida adulta votando em Lula, torcendo por Lula e pelo projeto ideológico que a esquerda democrática representa este final de semana foi de profunda tristeza. Ao final de um processo todo ele eivado de nulidades e absurdos jurídicos, o maior líder político brasileiro da atualidade, líder das pesquisas de intenção de voto para as eleições deste ano, foi preso e recolhido à carceragem da Polícia Federal em Curitiba. O processo foi conduzido explicitamente para reforçar seu caráter de exceção; mesmo a prisão derradeira se deu à sombra de uma decisão do STF que violou o art. 5º, LVII e ela própria marcada pela ilegalidade: o mandado de prisão foi expedido sem que a jurisdição de 2ª instância do TRF4 fosse exaurida. Para Moro não bastava ganhar, ele precisava escrachar o líder da esquerda!

De um ponto de vista político o afastamento de Lula já estava definido de acordo com o roteiro desenhado por aqueles envolvidos diretamente no afastamento da esquerda do poder federal que começou com o impeachment de Dilma. Com a condenação de janeiro no TRF, Lula já se tornara inelegível para as eleições deste ano. Confesso que acreditei que para a direita brasileira o impedimento de Lula bastaria, que teriam a grandeza de respeitar seu papel histórico evitando seu encarceramento, por meio de um decisão de tribunal superior após a derrota da esquerda nas eleições de outubro.

Mas a direita mostra, com a prisão de Lula, que não derrubou Dilma Rousseff de brincadeira não e está disposta a ir às últimas conseqüências para concretizar seu plano político.

Por isso acredito que Lula não será libertado antes das eleições. A questão é política, não jurídica. E não é de política democrática, mas de política pra valer, amigo-inimigo, jogo que a esquerda brasileira parece não saber ou não querer jogar.

No roteiro traçado por quem detém a iniciativa política (a iniciativa, não o controle total do processo) desde fins de 2014 as eleições deste ano de 2018 serão realizadas sob forte controle manipulatório (que começa com o encarceramento de Lula mas não se esgota aí) ou não se realizarão.

A esquerda pode facilitar ou dificultar nos próximos meses a consumação destes planos. Facilitará se sair para a eleição nacional fragmentada em diversas candidaturas. Isso levará a um segundo turno entre Bolsonaro e Alckmin e terei de votar novamente no PSDB num contexto bem diferente daquele de 89! (sou de Santa Catarina e sei que o candidato da extrema direita tem expressão eleitoral em parte significativa do eleitorado, insuficiente para fazê-lo presidente, mas suficiente para ir com folga para o segundo turno).

Se quiser dificultar a vida dos setores conservadores a esquerda deverá construir uma frente ampla nos moldes uruguaios. Perdoem-me Manuela e Boulos, grandes e promissoras lideranças, mas os seus 36 anos de idade não permitem que se coloquem como candidatos pra valer nesse jogo tão pesado deste ano. Não é eleição para marcar posição. Joga-se a possibilidade (pequena, confesso) de reverter um golpe político que implementou uma radical agenda neoliberal num país de tantas desigualdades sociais.

Há que se ter uma candidatura madura, experiente e competitiva, para levar a esquerda democrática para o segundo turno contra o nefasto da política nacional. É a única esperança para a democracia no Brasil.

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