São Fco.

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terça-feira, 27 de setembro de 2016

O peão que virou Rainha


Em análises políticas, não é incomum vermos o velho jogo de xadrez ser utilizado como figura de referência para ilustrar as estratégias envolvidas no jogo político. No contexto atual do golpe e pós-golpe o jornalista Luis Nassif passou mesmo a denominar todas as suas análises (muito boas, por sinal) como "xadrez da lavajato", "xadrez disso, daquilo", etc.

A decisão do TRF4 que deu carta branca ao juiz lavajato, na semana passada, escancarou algo que toda a comunidade jurídica já percebia, mas da qual ainda não havia sido passado um recibo tão altissonante.

É que a todos que observam o desenrolar dos fatos desde a instalação da operação "Lavajato", em especial a desenvoltura e o superpoder de fato instalado em juízo de primeira instância em Curitiba, a todos espanta que justamente um juiz de primeira instância (repetição intencional) tenha podido livremente funcionar como um catalisador da crise política que se tornou institucional ao ponto de derrubar uma presidente da República.

Aqui podemos buscar no xadrez o motivo e a explicação da estupefação da comunidade jurídica e política com o poder de fato adquirido pelo juiz lavajato, um juiz de primeira instância, o equivalente a um peão no jogo de xadrez (pois o Judiciário é Poder hierárquico, com instâncias superiores de revisão que prevalecem sobre a decisão do juiz da base do sistema).

O xadrez é jogo de pura estratégia, todos sabem, onde a sorte tem nenhuma incidência, daí talvez o fascínio que gera em muitos. O que poucos sabem é que o peão, peça de menor valor e poder ofensivo, pode, de acordo com as regras do jogo, ser transmutado em qualquer outra peça de maior valor se e quando, normalmente nos finais de jogo, logra atingir a oitava casa do tabuleiro. Ou seja, um mero peão, chegando à oitava casa, poderá ser convertido em uma rainha, a peça de maior poder ofensivo do jogo de xadrez.

Mas quem joga sabe que, para o peão chegar na oitava casa, alguém tem que ter deixado isso acontecer. Em várias etapas desta operação que corrói o estado de direito no Brasil, o peão de Curitiba foi testando seu avanço. Percebendo que não seria incomodado pra valer (a reclamação em que Teori anulou a escuta e divulgação do áudio "tchau querida", de 16 de março, sem tomar qualquer medida efetiva contra o juiz responsável bem exemplifica isso), de casa em casa chegou ao final do tabuleiro. A decisão do TRF4, na semana passada, tristemente representa a transmutação do peão em rainha na oitava casa, com os desembargadores autorizando o juiz paranaense a criar na prática a sua legislação para a sua ação.

Que a autorização tenha se fundado em Agambem e suas reflexões sobre o estado de exceção (em modo reverso, que vergonha alheia) apenas edulcorou o momento solene com as tintas da brutalidade e da infâmia.

Quem quiser saber como o peão se tornou rainha no golpe de 2016 é só se dirigir ao TRF4 em primeiro lugar, mas de maneira definitiva ao Supremo Tribunal Federal, que coonestou institucionalmente toda esta disfuncionalidade letal para a democracia brasileira.

No xadrez, ao final de cada partida, os jogadores reposicionam as peças para o novo jogo que virá. É o momento em que o peão volta a ser a peça modesta e pouco decisiva em comparação com as demais. Tenho a impressão de que neste ponto cessa o paralelo entre a política e o xadrez: não será tão fácil recolocar os peões no seu devido lugar.

Soltaram o monstro porque ele era útil para caçar o inimigo. Quanto nos custará colocar o mostro na jaula de novo?

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