São Fco.

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segunda-feira, 18 de abril de 2016

O impeachment de Dilma

17 de abril de 2016. Dia em que Eduardo Cunha e Michel Temer, vice-presidente eleito em 2014 em chapa com Dilma, atingiram importante etapa de seu objetivo de destituir a Presidente da República. Por ampla maioria superior aos 2/3 exigidos, a Câmara dos Deputados aprovou o relatório de Jovair Arantes, que por sua vez era favorável à abertura do processo de impeachment da presidente.

Para entender a traição política envolvida na operação, basta lembrar que Dilma só precisava de 172 votos a seu favor para afastar a ameaça. PT e PMDB, no que se demonstra a consistência política da chapa apresentada aos eleitores em outubro de 2014, somados praticamente atingiriam sozinhos este 1/3 salvador. Com outros partidos da base do governo, como PSD e PP, a margem seria folgada. Mas estes partidos, no governo até a véspera dos acontecimentos, desembarcaram e votaram alegremente contra a líder do governo que até então compunham. Uma fraude política completa. Quem ficou com Dilma ao final das contas foram os partidos da esquerda, evidenciando que o conflito tem raízes profundas e de compreensão acessível a uma análise de base racional: PT, PCdoB, PDT (com defecções) e PSOL (que sendo oposição à esquerda ao governo mostrou grandeza na hora fatal.

Eduardo Cunha foi uma peça decisiva até aqui. Um político habilidoso e sem escrúpulos, envolvido em inúmeras tramóias e processado no STF, mostrou uma disposição pouco vista em políticos de jogar um jogo arriscadíssimo para defender-se de muitas ameaças. É verdade que Cunha tem suas qualidades como articulador político, mas creio que aqui se trata mais de uma qualidade relativa: o nível dos políticos em geral parece ter caído bastante, em especial nesta legislatura.

Michel Temer merece sim a pecha de traidor. Articulou abertamente contra o governo que integrava, contribuindo para fragilizar a todo tempo a posição de Dilma Rousseff. Dentre os tantos erros políticos de Dilma, um deles foi o de chamá-lo para ser articulador político do governo em março do ano passado. A estrutura das relações de poder manda ter muito cuidado com vices. Eles devem ser mantidos no devido lugar, garantido o seu cafezinho diário na garrafa, mas sempre frio para que saiba que o líder saberá sempre mantê-lo em sua posição. Ademais, como se apresenta como constitucionalista, agrava que tenha endossado sua eleição indireta por meio do estratagema do impeachment, pela prática de atos que corroborou e mesmo praticou (assinatura de decretos, por exemplo).

Assisti à votação realizada ontem. Foi uma oportunidade única de ver a composição completa da CD se apresentando e manifestando em momento decisivo. Sempre que algum aluno me diz que vota na pessoa e não em partidos eu digo que apesar de ele pensar assim as instituições parlamentares ignoram sua convicção, pois as casas legislativas funcionam a partir da estrutura dos partidos. Seria impossível de outra maneira e a excepcionalidade do ocorrido ontem confirma esta situação. Como são 513 deputados, é evidente que o grupo todo não pode se reunir para, em conjunto, discutir e deliberar. Daí que a maioria dos deputados seja relegada a uma enorme insignificância, pois só conseguem ter algum protagonismo os líderes dos partidos. Os demais têm raras vezes a oportunidade de ocupar uma relatoria ou presidência de comissão, o que tentam aproveitar ao máximo. O que resta para todos é a luta pela liberação de emendas individuais ao orçamento, tarefa que ocupa boa parte de seu tempo e explica em grande parte a motivação da maioria em aderir de alguma forma ao governo de plantão.

Esta insignificância a que estão relegados explica a conduta de muitos na tarde/noite de ontem. Foi talvez a primeira e última oportunidade de aparecer em rede nacional decidindo algo relevante. Por isso o "capricho" no que diriam além do SIM ou NÃO, o cuidado com a ênfase e o volume em que profeririam o voto. Muitos não se constrangeram de adotar atitude colegial, segurando plaquinhas "engraçadas" como a que dizia "tchau querida", ou fazendo grande esforço para se posicionar por detrás dos colegas que votariam, alternando o olhar preocupado para o telão (aferindo se estavam aparecendo) com o olhar direto para a objetiva da câmera, tentando manter uma expressão respeitável.

É verdade que a maioria dos votos teve uma fundamentação risível e hipócrita, muitos falando em Deus, família etc. O que salta aos olhos é que nas declarações de votos ficou evidente do que tratava a sessão: ninguém que votou SIM se referiu aos motivos do impeachment. O evento era uma assembléia para dar um voto de desconfiança do parlamento à presidente Dilma, elegendo indiretamente seu vice-presidente, Michel Temer. Se o STF quiser se apresentar como verdadeiro guardião da Constituição tem aí um prato cheio: o rito de impeachment previsto na Constituição foi utilizado "ad hoc" para a destituição da chefe de governo/Estado. O problema é que não estamos no parlamentarismo!

Houve muitos votos consistentes também. Orgulha a esquerda a manifestação de tantos deputados que votaram pelo NÃO.

Depois da votação, nas redes sociais, muitos manifestavam sua decepção com a votação; muitos ainda, trataram de se manifestar sobre a qualidade dos nossos "representantes" em Brasília, sempre em nota crítica e até mesmo de deboche. Alguns até falam em crise de representação, a composição do CN não sendo representativa do perfil do povo brasileiro, e a causa seria prioritariamente a distorção que o financiamento privado de campanha imprime em todo o processo eleitoral  seu resultado final.

Não compactuo deste diagnóstico. É claro que mudanças e aperfeiçoamentos na legislação podem melhorar um pouco o quadro no legislativo, mas de modo geral o CN bem representa nossa população e sua elite. Somos um povo pouco educado, de pouca leitura e pouco afeito a tratar com atenção os problemas da esfera pública.

De mais a mais, o que é seria mais espantoso: que aqueles deputados que vimos ontem sejam a expressão política de cem milhões de eleitores brasileiros ou que os onze ministros do STF sejam a elite jurídica nacional?

Não adianta chorar o leite derramado. Cunha e Temer atingiram seu objetivo.

Se acionado, será para mim uma grande surpresa se o STF produzir algum fato relevante no processo de afastamento de Dilma. Apesar de tudo estar viciado do ponto de vista jurídico, não acredito que aqueles juízes tenham a vontade política de fazer valer a Constituição do país enfrentando uma coalização conservadora tão coesa e atuante. Torço por isso, mas esperarei sentado.

Quanto ao Senado, basta ver a sua composição por partidos.  Não será difícil obter 41 votos para receber a denúncia e afastar por 180 dias a presidente. Se com o governo na mão Dilma já não ia bem, imaginem sem ele. O futuro de Dilma e do governo do PT está nas mãos de ninguém menos que Renan Calheiros, personagem que se mantém relevante na política nacional desde a eleição de Fernando Collor (de quem foi ministro da Justiça).

Renan Calheiros não tem o perfil destrutivo de Cunha. Mas também se encontra, como seu homólogo na CD, acossado por denúncias e ameaças de processos judiciais (isso mantém o fator inédito de todo este processo por que passamos, pois agentes proeminentes do sistema de justiça podem a todo tempo modificar bruscamente todo o cenário e fragilizar seus atores principais). Do atendimento a seus interesses e de sua visão de país estamos hoje dependendo todos nós.



2 comentários:

  1. Mas há uma sensível diferença entre a Câmara e o Senado. Pensando de forma (muito) otimista:

    1) Os senadores estão em menor número. Assim, quase ninguém ocupa papel de insignificância e o debate é facilitado em todos os aspectos. É possível tratar do processo da forma como ele deve ser tratado: com análise jurídica sensata e menos passionalidade;
    2) O perfil do senadores difere dos deputados. Em geral são personalidades de longa vivência na política (ex-Governadores, ex-Ministros de Estado, até um ex-Presidente que sofreu na pele um impeachment) e com maior noção de republicanismo e democracia;
    3) Figuras caricatas como bolsonaros e tiriricas são exceções no Senado. Há maior seriedade na Casa;
    4) O impeachment "colou" em Eduardo Cunha. Ele iniciou o processo quando lhe foi conveniente, impôs seu rito sem ser importunado e conduziu seus aliados ao resultado. O Senado não é influenciado por Cunha e qualquer político em sã consciência quer distância dele;
    5) Por fim, a opinião pública pode se voltar a favor do Governo. O espetáculo de ignorância e má-performance, exibido em rede nacional, deixou a sociedade mais reflexiva quanto ao que se trata o impeachment. O processo tende a demorar e os governistas, legalistas e democratas terão tempo pra emplacar a tese do "golpe".

    Sigamos com alguma esperança no Senado e esperando uma reviravolta, mas sentados, claro...

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  2. Concordo com sua avaliação sobre as diferenças no Senado.
    Aliás torço para que você esteja certo e eu errado.
    Mas, para mim, o golpe já foi dado.

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