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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Riqueza traz mais chances de agir de forma pouco ética

Na Folha de hoje.

"Não é todo dia que um estudo publicado numa das principais revistas científicas do mundo cita a Bíblia para explicar sua hipótese de trabalho: "Dificilmente um rico entrará no Reino dos Céus".

A pesquisa não entra no mérito do destino além-túmulo de quem tem muito dinheiro, mas conclui que, de fato, pessoas com status social elevado teriam maior probabilidade de se comportar de modo antiético.

O resultado polêmico vem de uma série de experimentos conduzidos por psicólogos da Universidade da Califórnia em Berkeley, liderados por Paul Piff, e está na edição eletrônica da revista "PNAS".

Em contextos tão diferentes quanto o trânsito, uma entrevista imaginária de trabalho e um jogo de computador, os pesquisadores enxergaram diferenças significativas na maneira como ricos e pobres lidam com dilemas morais.

Piff e seus colegas tomam cuidado para não dar a impressão de que seus resultados equivalem a uma condenação generalizada dos ricos e a um endeusamento dos pobres. Eles lembram que há muitos milionários beneméritos, colocando Bill Gates nessa categoria, e chamam a atenção para a prevalência de crimes violentos em bairros pobres do mundo todo.

No entanto, afirmam, os experimentos parecem indicar um tema comum que leva quem tem mais dinheiro a cruzar a barreira do eticamente aceitável: a cobiça.

DOCE DE CRIANÇA

É isso que aparece num dos testes de laboratório da ideia, na qual um grupo de 125 universitários tinha de preencher um formulário sobre a sua própria posição na escala social. Depois, como quem não quer nada, os cientistas colocavam diante dos voluntários um recipiente cheio de doces.

O recipiente tinha um rótulo dizendo que os doces iriam para um laboratório onde seriam feitos experimentos com a participação de crianças. "Mas, se quiser, você pode pegar alguns doces", dizia o pesquisador ao voluntário do estudo.

Parece piada pronta, mas o fato é que quem se considerava membro das camadas mais altas da sociedade tendia a pegar mais doces, deixando menos guloseimas para as crianças.

Em outro experimento, quase 200 pessoas, num teste on-line, participavam de um jogo virtual de dados. Depois, tinham de relatar sua pontuação para os pesquisadores. Os cientistas tinham dito aos voluntários que, quanto mais pontos eles fizessem, maior a sua chance de ganhar um prêmio em dinheiro, no valor de US$ 50.

A armadilha aqui é que, primeiro, os cientistas afirmaram que não tinham como saber a pontuação da pessoa; ela é que tinha de passar a informação para eles. Mas, na verdade, o dado virtual estava viciado: era impossível fazer mais do que 12 pontos.

Os cientistas viram que algumas pessoas mentiram a respeito da própria pontuação. E, mais uma vez, quanto mais endinheirado o participante, maior a probabilidade de ele falsear o número.

Os pesquisadores também acompanharam o comportamento das pessoas no trânsito, vendo que quem possui carros caros tem mais tendência a desobedecer regras de trânsito e não dar a preferência para pedestres.

A psicóloga Maria Emilia Yamamoto, especialista em evolução do comportamento humano da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, confessou estar "abismada" com o estudo.

"Claro que é preciso 'mastigar' um pouco mais esses resultados, mas eles são muito consistentes", afirma.

Ela chama a atenção para a possibilidade de que ser rico levaria certas pessoas a minimizar as necessidades alheias. "Em vez de dizer que ricos são menos éticos, poderíamos dizer que ricos se tornam menos éticos." "

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