São Fco.

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segunda-feira, 10 de maio de 2010

Entrevista do Pres. Lula ao El País - parte II

Com seus olhos brilhantes, inquietos, reclama minha aprovação para esse pragmatismo, e se transforma instantaneamente num agitador de torcida de futebol; levanta-se, senta-se, volta a se erguer, sorri primeiro, logo se derrama, te olha no olho, busca a proximidade, o carinho, sou apenas um brasileiro, um cidadão desse país capaz de contagiar pela alegria, de esse país com trezentos dias de sol por ano, desse país imenso, autossuficiente, pacífico, “do qual estamos tratando de eliminar cinqüenta ou sessenta anos de atraso, de desconfiança, anos em que ninguém queria investir aqui. E por isso estamos construindo um capitalismo moderno, o Estado de bem estar. Quando entrei no governo, o Brasil não tinha crédito, não tinha capital de trabalho, nem financiamento, nem distribuição de renda. Que raios de capitalismo era esse? Um capitalismo sem capital. Resolvi então que era preciso primeiro construir o capitalismo para depois fazer o socialismo; é preciso distribuí-lo antes de fazê-lo. Se o Brasil não tem nada, não há nada para distribuir, e os empresários tem que saber que é preciso pagar salários um pouco maiores para que as pessoas possam comprar os produtos que fabricam. Isto é o que dizia Henry Ford em 1912”.

Estamos em plena campanha eleitoral e Lula aproveita para fazer propaganda de seu partido, deixando escapar críticas duras, provavelmente injustas, a seu antecessor, o socialdemocrata Fernando Henrique Cardoso, tempo atrás companheiro seu na luta contra a ditadura e com o qual agora não se mostra em absoluto generoso. Mas o milagre brasileiro começou precisamente com Cardoso, um professor respeitado e um democrata exemplar, que saneou as contas públicas e venceu a inflação. Lula faz um balanço diferente. “Hoje só o Banco do Brasil tem mais crédito que todo o país quando eu cheguei ao poder. De modo que quando eu deixar a presidência, teremos criado mais de 14 milhões de postos de trabalho em oito anos. Só a China e a Índia podem competir com uma realidade assim”. Pergunto se isso é um triunfo do capitalismo e logo ele se apressa a esclarecer que é um triunfo de seu governo “porque teve coragem de enfrentar a crise, em vez de se queixar: fazendo investimentos, destravando a atividade de setores chave da economia, empreendendo muitas obras públicas. Se o Brasil mantém nos próximos cinco anos uma política fiscal e monetária séria, investimentos e controle da inflação, tem tudo para se transformar numa potência respeitada no mundo. Se a economia continuar crescendo entre 4,5% e 5,5%, em 2016 pode ser a quinta economia mundial”.

Não sei se descubro vestígios de herança portuguesa nessa fantasia um pouco hiperbólica do presidente, que o faz distanciar-se por momentos da sisuda prudência de Sancho para assemelhar-se mais à loucura idealista de Don Quixote, porque enquanto Lula fala, as pesquisas, lá fora, continuam dando como provável vencedor, ainda que por margem apertada, à José Serra, candidato do PSDB, partido de Cardoso. “Ganhe quem ganhar, ninguém fará nenhum disparate; o povo quer andar para frente e não voltar atrás. Mas permita-me dizer que não vejo a possibilidade de que percamos as eleições”. Muitos pensam que, se assim acontecesse, não seria por mérito de Dilma, a candidata do PT, uma ex-guerrilheira e política competente, mas sem o carisma que eleições presidenciais pedem, e sim pelo formidável apoio que lhe empresta o próprio Lula, cuja personalidade impregna tudo de lulismo, “sim, já sei que muita gente, para justificar-se, diz que não gosta do PT, gosta do Lula; gente da direita, claro. Isso acontece com outros líderes políticos, Felipe González, por exemplo. Normalmente as figuras públicas estão menos ideologizadas que os partidos, e temos capacidade individual de congregar em nosso entorno gente que de nenhuma maneira se sentem próximas de nossas formações. Mas não creio que exista um ‘lulismo’, prefiro acreditar que vamos fortalecer a democracia e os partidos políticos saberão se organizar e ser fortes”.

Em qualquer caso, parece descontada a continuidade da política econômica, que Lula salvaguardou desde o princípio nomeando um antigo militante do partido de Cardoso presidente do Banco Central. A conseqüência dessas políticas foi a prosperidade que permite situar o país entre as potências emergentes agrupadas em torno do que se conveniou chamar BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). Junto a eles, Lula fez valer a sua voz afirmando sua independência como protagonista de uma política internacional singular e inclassificável. Está seu país no caminho de se tornar uma superpotência? Poderia sê-lo sem possuir – é o único dos BRIC nesta circunstância – uma arma atômica? “A Constituição proíbe as atividades nucleares para fins não pacíficos, quer ver?”, aponta com sua mão mutilada o artigo 21, inciso 23, “o presidente não decide em questões nucleares, é o Congresso, e não temos interesse em ser uma potência militar se não é do tamanho da nossa soberania. Necessitamos de Forças Armadas adequadas para garantir a segurança do povo, manter uma política de defesa respeitável. Não queremos invadir nenhum país, mas tampouco queremos que nos invadam...”, interrompo-o, entre irônico e risonho, invadir o Brasil me parece difícil, presidente, uma tarefa quase titânica, e ele impassível, “não se pode menosprezar a loucura de alguns seres humanos, é preciso se cuidar”. Cuidar de quem? Não creio que seja Chávez (“um homem muito inteligente, ainda que às vezes comete equívocos, e ele o sabe”) nem Evo (“um retrato de seu povo, ninguém o representa melhor que ele; no assunto do petróleo, entendi que o Brasil tinha que pagar melhor à Bolívia, não briguei com Evo, porque ele tinha direito”), nem Colômbia, Argentina ou Uruguai (“o Brasil trabalhou muito com eles para consolidar a democracia em sua plenitude. Temos que gerar uma política de confiança. A doutrina usada pelas grandes potências era considerar o Brasil como inimigo da América Latina a grande ameaça; nós estamos destruindo essa visão negativa e demonstrando que, ao contrário, podemos ser seu grande aliado”).

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