São Fco.

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sábado, 15 de maio de 2010

Para especialistas, o Brasil deverá ser condenado na OEA


UIRÁ MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Especialistas reunidos na quarta para debater a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Lei da Anistia divergiram quanto ao acerto da posição adotada pelo Judiciário, mas concordaram que, por causa dela, o Brasil deverá ser condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O país é réu em ação que será julgada na corte da OEA (Organização dos Estados Americanos) nos próximos dias 20 e 21. O processo foi motivado pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento durante a ditadura militar (1964-1985) de 70 pessoas ligadas à Guerrilha do Araguaia e camponeses que viviam na região.
"A jurisprudência da Corte Interamericana é consolidada. Não há nenhuma decisão em que a lei de anistia a repressores, a ditadores, tenha sido considerada legítima ou aplicável", afirma Beatriz Affonso, diretora do Cejil (Centro pela Justiça e Direito Internacional).
O Cejil, ONG dedicada à promoção dos direitos humanos, é uma das entidades que processaram o Estado brasileiro no caso do Araguaia. As outras duas são o Grupo Tortura Nunca Mais e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo.
"Nosso interesse não é ganhar o caso no sistema interamericano, mas entendemos que esse é um meio, quando foram esgotadas as possibilidades internas, de alcançar uma mudança estrutural no país. Infelizmente, com a decisão do STF, o Brasil perdeu a oportunidade de fazer essa mudança", diz a diretora do Cejil.
No final de abril, o Supremo decidiu por 7 votos a 2 que a interpretação da Lei da Anistia, de 1979, não pode ser alterada para permitir a punição de agentes do Estado que praticaram tortura durante a ditadura.
"A Corte Interamericana vai ser muito incisiva, porque nenhum país que recebeu uma decisão a esse respeito tinha passado tão perto de tomar a decisão de modificar [a sua lei de anistia]", afirma Affonso.

Cilada jurídica
O advogado Roberto Delmanto, autor, entre outras obras, de "Código Penal Comentado", concorda que o Brasil acabará condenado pela Corte Interamericana, mas não por fruto da decisão do STF, que considera correta.
"Não cabe criticar o STF, já que ele produziu uma decisão preso a uma cilada histórico-jurídica. A Lei da Anistia, quando foi promulgada, tinha a intenção de ser ampla. Ela queria beneficiar ambos os lados. Não podemos agora voltar atrás nessa interpretação sem ferir princípios que também foram conquistados a duras penas."
Delmanto afirma que a reinterpretação da anistia para permitir a punição de torturadores passaria por cima de dispositivos assegurados na Constituição, como as garantias de que a lei penal não poderá retroagir para prejudicar o réu e de que nenhum fato poderá ser considerado crime se não houver lei que o defina dessa maneira.
Para o advogado Hélio Bicudo, presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos, não é correta a interpretação de que a Lei da Anistia tenha sido fruto de amplo acordo social.
"A anistia pleiteada, ampla e irrestrita, não foi concedida. (...) [A Lei da Anistia] não foi um acordo popular, mas um acordo entre políticos e militares comprometidos. Pretender encontrar no minguado resultado de uma luta popular o que se encontra na lei promulgada pelo presidente de turno é falsear a história."
Nesse sentido, Bicudo considera que a decisão do STF "vai na linha equivocada de [entender] que foi perdoando algozes e suas vítimas que conquistamos a sonhada democracia, pacificamente e sem novos confrontos. Lamentável engano".
No entanto, argumenta Bicudo, "esse episódio não se esgota na decisão do STF". Ele afirma que a Corte Interamericana não considera que possa existir "autoanistia a autores de crimes contra a humanidade, que são imprescritíveis".

Abertura dos arquivos
O professor de direito da USP Guilherme Guimarães Feliciano também discorda da decisão do STF, que, para ele, "perdeu a última porta da história para fazer justiça" nesse caso.
"Eu tenho dito que não seria possível revogar a Lei da Anistia. Outra coisa é reinterpretar a lei, o que faria um grande sentido, inclusive na perspectiva de um tratamento isonômico daqueles que participaram daquelas lutas. A lei não tratou igualmente os polos do embate político", diz Feliciano.
Para o professor da USP, no entanto, ainda é possível "conhecer a verdade e reparar os que foram vitimados sem que esse conhecimento e essa reparação venham a ferir cláusulas constitucionais". Para ele, "é absolutamente imprescindível que os arquivos sejam abertos".
Segundo Feliciano, a abertura dos arquivos da ditadura é importante inclusive para o presente. "Não sejamos hipócritas. A tortura ainda existe. E acho que isso tem que ser combatido com tanta veemência quanto têm sido combatidos os casos do Araguaia e os relativos a torturas durante a ditadura."
FSP de 15 de maio de 2010

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