São Fco.

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sábado, 15 de maio de 2010

Espanha suspende juiz por mirar franquismo


FSP de hoje

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

Francisco Franco Bahamonde, "caudilho da Espanha pela graça de Deus", pode voltar a descansar em paz em sua tumba no imponente Vale dos Caídos, nos subúrbios de Madri.
O juiz Baltasar Garzón, o homem que decidiu julgá-lo mesmo depois de transcorridos 35 anos de sua morte, foi suspenso ontem pelos seus pares e já não pode mexer no dossiê da ditadura franquista.
O caso Garzón/Franco tem algum parentesco com a polêmica que se dá no Brasil em torno da Comissão da Verdade e da Lei de Anistia.
No Brasil como na Espanha, o que está em jogo é se a anistia cobre ou não crimes contra a humanidade.
Na Espanha, o "sim" veio da própria Justiça. Seu colega Luciano Varela determinou a abertura de processo contra Garzón, acusando-o de prevaricar porque resolveu investigar os crimes da ditadura franquista (1939-1975), em vez de aplicar a Lei de Anistia.
Garzón alegava que a anistia não podia cobrir crimes contra a humanidade.
A decisão de ontem da Audiência Nacional não entra no mérito da suposta ou real prevaricação. Apenas obedece a norma legal que manda afastar um juiz quando se inicia um processo contra ele.
Tecnicalidades à parte, em torno do caso estava montada uma batalha entre a direita e a esquerda espanholas, os dois lados que se enfrentaram na guerra civil de 1936-39.
Um dos mais relevantes balanços da guerra está no livro "Metade da Espanha morreu", do jornalista Herbert Matthews. O título acaba por explicar o caso Garzón.
Não é que metade da Espanha tenha realmente morrido fisicamente. Mas, entre mortos, exilados, perseguidos e civicamente desterrados, a metade derrotada perdeu também a vida cívica. Eram socialistas, comunistas e anarquistas, na grande maioria.
Garzón tomou partido do lado derrotado. Um pedaço do lado vencedor impugnou judicialmente a ação de Garzón, por meio de associações notórias no tempo do franquismo, entre elas a Falange Espanhola, braço do fascismo no país.
Um dos incontáveis casos de repercussão em que Garzón esteve envolvido foi o mandado de prisão contra Augusto Pinochet, o ditador chileno, que se encontrava em Londres, em 1998. Ganhou o ódio eterno da extrema-direita para quem Pinochet era e continua sendo um herói do anticomunismo.
Varela, embora tenha origem na esquerda, levou seu combate ao extremo de assessorar as associações franquistas na elaboração da peça contra o colega. Por isso, o advogado de Garzón tentou ontem mesmo, antes da suspensão, impugnar o processo que Varela estava abrindo, por "nulidade de pleno direito".
A alegação é a de que Varela estava atuando ao mesmo tempo como juiz e parte.

TPI
Não foi o único movimento pró-Garzón prévio à suspensão: seus colegas progressistas tentaram fórmula para que a Audiência Nacional o liberasse para atender o convite de Luiz Moreno-Ocampo, promotor do Tribunal Penal Internacional, que quer o juiz espanhol como assessor. Não houve tempo.
Só depois da suspensão é que o tribunal examinou o pedido, mas adiou a decisão, o que acaba sendo uma ironia: um juiz é punido por tentar investigar crimes contra a humanidade ao mesmo tempo em que é convidado para assessorar um tribunal internacional que julga o mesmo tipo de crime.
À noite, convocados por mensagens SMS, simpatizantes do juiz reuniram-se diante da Audiência Nacional para protestar contra uma decisão que o diretor de cinema Pedro Almodóvar disse provocar-lhe "uma inquietante desconfiança no sistema judicial".

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